RE - 4648 - Sessão: 05/05/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por DIORGE DA SILVA BELLO contra sentença do Juízo da 73ª Zona Eleitoral – São Leopoldo – que julgou parcialmente procedente representação ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral por doação para campanha eleitoral acima do limite legal, condenando o demandado ao pagamento de multa no valor de R$ 3.269,15, com base no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

Em suas razões recursais, sustenta ser aplicável o art. 23, § 7º, da Lei n. 9.504/97, visto que o valor total da doação – R$ 3.220,00 – está assim constituído: R$ 1.500,00 relativo a depósito em espécie e R$ 1.720,00 correspondente a doação estimável em dinheiro (empréstimo de um automóvel). Dessa forma, como poderia doar em espécie o valor de R$ 2.566,17 e R$ 50.000,00 estimável em dinheiro, não teria excedido o limite legal. Pede o provimento do recurso com a improcedência da representação.

Foram apresentadas contrarrazões. Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opina pelo não conhecimento do recurso, por inovação recursal. No mérito, pelo desprovimento do apelo.

É o relatório.

 

VOTO

Preliminar de Inovação Recursal

A douta Procuradoria suscitou preliminar de não conhecimento do apelo, ao argumento de que o recorrente, somente em sede de recurso, teria deduzido a tese jurídica de que parte do valor doado teria sido estimável em dinheiro.

Não houve inovação recursal.

Inicialmente, verifico que o representado, em sua defesa técnica, deduziu que não teria ultrapassado o limite de 10% da renda estabelecido na legislação eleitoral, pois apenas teria doado, em espécie, o valor de R$ 1.500,00.

Assim, o recorrente excluiu do valor total considerado como doação irregular (R$ 3.220,00), o que teria correspondido àquela estimável em dinheiro (R$ 1.720,00), apontando que o montante em dinheiro (R$ 1.500,00) não atingiria o limite de 10% sobre os rendimentos (R$ 25.661,70).

Ademais, mesmo se o recorrente não tivesse invocado na sua contestação a tese de que as doações estimáveis em dinheiro não se sujeitariam ao percentual de 10%, tenho que não haveria óbice de suscitar a aplicação da exceção prevista no art. 23, § 7º, da Lei 9.504/97, unicamente em sede de recurso.

Sabido que incumbe à parte trazer os fatos e ao julgador dizer o direito. Além disso, a matéria é exclusivamente de direito, e não fático-probatória, como referem os precedentes colacionados pela Procuradoria.

O art. 517 do CPC, vigente à época da interposição do apelo, proíbe inovação fática. Entretanto, não interdita a possibilidade de o apelante ampliar o espectro jurídico das teses apresentadas.

Nesse sentido, trago o seguinte precedente:

ELEIÇÃO 2010 - AGRAVO REGIMENTAL - RECURSO NA REPRESENTAÇÃO POR EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE DOAÇÃO - PESSOA FÍSICA - PRELIMINAR DE NÃO-CABIMENTO DO AGRAVO REJEITADA - PODERES INSTRUTÓRIOS DO RELATOR - AGRAVO DESPROVIDO.

1. Não há inovação recursal se a matéria foi suscitada na manifestação do Representado e na defesa técnica, tendo sido também considerada na decisão de primeiro grau. Cabe à parte trazer os fatos e ao julgador dizer o direito, de modo que não importa que somente no recurso a Defensoria tenha suscitado que o fato se enquadraria na exceção contida no art. 23, § 7º, da Lei das Eleições.

2. É incabível cogitar-se de vulneração da imparcialidade judicial se, no mesmo despacho que facultou a produção de prova pelo representado, foi determinada a juntada de cópia de recibo eleitoral, prova requerida pelo próprio Ministério Público agravante.

3. Embora a Res. 23.193/10-TSE tenha silenciado quanto ao rito aplicável às representações por excesso de doação efetuada por pessoa física, inexiste razão jurídica para não se aplicar o procedimento do art. 22 da LC 64/90, que se destina a apurar os ilícitos cometidos pelas pessoas jurídicas (art. 81 da Lei 9.504/97). Não se justifica, fora do período eleitoral, a utilização dos prazos em horas do art. 96 da Lei das Eleições.

4. No rito do art. 22 da LC 64/90, o relator, após a oitiva das testemunhas, poderá realizar "todas as diligências que determinar, ex officio ou a requerimento das partes" (inc. VI), bem como ordenar a requisição de cópias de "qualquer documento necessário à formação da prova [que] se achar em poder de terceiro, inclusive estabelecimento de crédito, oficial ou privado" (inc. VIII). O magistrado eleitoral tem poderes instrutórios muito maiores que os conferidos pelo art. 130 do CPC, pois, no Direito Eleitoral, as matérias são predominantemente de ordem pública como, no caso, o financiamento de campanha eleitoral.

5. Segundo dispõe o art. 268 do CE, as partes não podem juntar alegações e documentos em sede recursal, mas do relator não se pode subtrair os poderes instrutórios.

6. Negou-se provimento ao agravo regimental.

(Recurso Eleitoral (1ª Instância) n. 67661, Acórdão n. 4652 de 02.5.2012, Relator JOSAPHÁ FRANCISCO DOS SANTOS, Publicação: DJe - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-DF, Tomo 093, Data 18.5.2012, Página 02.) (Grifei.)

Como o recorrente apenas invocou o enquadramento de parte da doação na exceção prevista no art. 23, § 7º, da Lei 9.504/97, de todo incabível a preliminar de inovação recursal.

Rejeito.

Mérito

Quanto à questão de fundo, assim dispunha o art. 23 da Lei n. 9.504/97 à época da doação:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 29.9.09)

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas:

I - No caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição;

II - No caso em que o candidato utilize recursos próprios, ao valor máximo de gastos estabelecido pelo seu partido, na forma desta Lei.

[...]

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

[...]

§ 7º O limite previsto no inciso I do § 1o não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009). (Grifei.)

O recorrente não apresentou a declaração de imposto de renda no exercício de 2014, referente ao ano-calendário 2013, razão pela qual a base de cálculo de doação permitida é o limite de isenção do imposto de renda, o que vem representar 10% de R$ 25.661,70, ou seja, R$ 2.566,17.

O juízo monocrático considerou como montante doado R$ 3.220,00, concluindo que o valor excedido foi de R$ 653,83.

O entendimento estaria correto se o total da doação fosse em espécie, no entanto, não é essa a hipótese.

O documento da fl. 06, acostado pelo próprio representante ministerial, informa que o recorrente doou ao candidato Roger Daniel Correa a importância de R$ 1.720,00 como valor estimado e R$ 1.500,00 por meio de depósito em espécie, totalizando R$ 3.220,00.

Em assim sendo, há de se considerar individualmente cada doação à aferição dos limites previstos em lei. Se o recorrente poderia doar até R$ 2.566,17 em dinheiro e doou R$ 1.500,00, ao mesmo tempo em que poderia realizar doação estimada em dinheiro até o limite de R$ 50.000,00 (art. 23, § 7º, da Lei n. 9.504/97) e o fez no montante de R$ 1.720,00, por óbvio, não houve extrapolação dos parâmetros legais.

Por oportuno, trago a jurisprudência colacionada na peça recursal que salvaguarda essa compreensão:

RECURSO ELEITORAL. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. ELEIÇÕES 2010. PESSOA FÍSICA. DOAÇÕES EM ESPÉCIE E DE BEM MÓVEL ESTIMADO EM DINHEIRO. LIMITES INDEPENDENTES. DOAÇÕES LEGAIS. RECURSO DESPROVIDO. 1. O limite para doação de pessoas físicas a campanhas eleitorais é de 10% sobre o seu rendimento bruto no ano anterior ao pleito eleitoral (inc. I do § 1º do art. 23 da Lei n. 9.504/97). 2. Não se aplica o limite de 10% do rendimento bruto da pessoa física no caso de doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, nestes casos, deve-se observar o limite de R$ 50.000,00 (§ 7º do art. 23 da Lei n. 9.504/97). 3. Se o mesmo doador efetuou doações em espécie e cessão de uso de bem estimado em dinheiro, deve-se considerar os limites individualmente. 4. Não há irregularidade se todo o valor doado em espécie compreende-se no limite legal para doação, assim como o teto para as doações estimadas foi respeitado. 5. Comprovada a legalidade das doações efetuadas por pessoa física, não há que se falar em aplicação de multa. 6. Recurso conhecido e desprovido.

(TRE-GO - RE 75498 GO, Relator LEONARDO BUISSA FREITAS, Data de Julgamento: 12.7.2012, Data de Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 133, Tomo 1, Data 19.7.2012, Página 2.) (Grifei.)

Estando a doação eleitoral ao abrigo dos limites previstos no art. 23 da Lei n. 9.504/97, a improcedência da representação é medida que se impõe.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, reformando-se a sentença para julgar improcedente a representação, devendo ser afastada a multa imposta a DIORGE DA SILVA BELLO pelo juízo monocrático.