PET - 17311 - Sessão: 15/03/2016 às 17:00

VOTO-VISTA DIVERGENTE

Inicialmente, ressalto que trago o processo em mesa dentro do prazo regimental, tendo em vista a máxima celeridade dos feitos que versam sobre infidelidade partidária, cuja tramitação deve observar 60 dias (art. 12 da Resolução TSE n. 22.610/07).

A eminente relatora decide por bem julgar procedente o pedido aviado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) de Dois Irmãos-RS para decretar a perda do mandato eletivo de LEO BUTTENBENDER, nos termos do art. 10 da Resolução TSE n. 22.610/07.

Peço vênia para divergir de Sua Excelência e de seus judiciosos fundamentos.

Começo lembrando que a política em Aristóteles é essencialmente unida à moral, porque o fim último do Estado é a virtude, isto é, a formação moral dos cidadãos e o conjunto de meios necessários para isso. O Estado é, portanto, um organismo moral, condição e complemento da atividade moral individual. A Polis virtuosa pressupõe cidadãos virtuosos e é aquela capaz de realizar a natureza humana de acordo com suas potencialidades éticas e dianoéticas.

Os partidos, bem lembra Gramsci, podem ser considerados “Escolas da Vida Estatal”, que se submetem aos elementos caráter, honor e dignidade, devendo sempre e exemplarmente buscar a consecução de fins superiores, de consonância com a moralidade e a lei do Estado: deben mostrar en su vida interna particular que han asimilado como principios de conduta moral las reglas que constituyen en el Estado obligaciones legales (GRAMSCI, A. La politica y el estado moderno. 1. Ed., Buenos Aires: Gráfico Editorial Argentino, 2012, p. 232).

É certo que os partidos quando passam a ser Estado se transformam, desenvolvem-se e se reorganizam em múltiplas novas atividades, mas não abandonam sua ideologia, sob pena de perderem o insumo das massas e, o mais importante, o apoio dos seus filiados. O seu programa (de proposições e fins constitutivos), enquanto instrumento de comunicação com seus seguidores, precisa ser mantido. Romper a comunicação representa violar a relação de fidelidade que se estabelece com a adesão aos fins e à propaganda do partido. Violar a ideologia representa abrir mão de fazer possível uma política autônoma, de se valer de conceitos autorizados que a tornem significativa, assim como das imagens persuasivas por meio das quais esta política pode ser razoavelmente apreendida pelos seus seguidores.

Quando se diz que um partido perdeu sua identidade é porque não manteve em pé sua ideologia. Hoje, quanto ao Partido dos Trabalhadores, o que se diz à larga é que não se sabe mais se é de direita ou de esquerda. Se é socialista ou neoliberal, se é contra ou a favor da Cartilha de Washington (basta ver a volúpia com que, estando no poder, luta pela supressão e limitação de direitos sociais que antes defendia com tanto ardor). E o pior, quando se coloca em dúvida, em numerosas investigações policiais e ações penais instauradas, a lisura de seu aparato ideológico, de sua estruturação e de sua dinâmica operacional. Doações espúrias, financiamento de campanha à base de corrupção, líderes e intermediários condenados e presos acusados de terem embolsado bilhões mediante corrupção. Embora o Partido dos Trabalhadores seja parte de uma crise política e moral maior, que alcança também outros partidos, o certo é que a presente demanda diz respeito a ele.

Esta não é uma constatação isolada, fruto de subjetivismo, mas a impressão dos próprios fundadores do Partido dos Trabalhadores. Para o ex-governador gaúcho Olívio Dutra, que foi um dos instituidores do PT, em entrevista ao Jornal Correio do Povo (04 março 2016), A situação é seríssima e a crise vem de longe, trazendo a cada dia novas denúncias que se enredam em um grande novelo e quem sofre com isso é o País. Olívio também lamentou que figuras importantíssimas no partido, como o ex-presidente Lula, tenham que dar explicações devido a supostas irregularidades envolvendo o nome dele. O ex-governador disse que o projeto coletivo do PT está manchado por essas condutas e por conta de um esquema que os petistas repudiam.

Ideólogo da tese de refundação do PT, lançada após o escândalo do Mensalão, o ex-governador e ex-ministro Tarso Genro (PT-RS) não participou da celebração dos 36 anos do partido. Na véspera das comemorações, o Diretório Nacional do PT se reúne para discutir temas relacionados à conjuntura política e econômica, tática eleitoral e organização interna da legenda. Eu não vou nem na reunião do Diretório Nacional nem no evento festivo. Não vou porque não é uma prioridade da minha agenda, neste momento. A última reunião do diretório e o congresso do partido não tiveram nenhum debate importante, não houve nenhuma discussão efetiva e profunda, então, me outorgo o direito de, neste momento, não participar, afirmou Tarso Genro ao jornal O Estado de S. Paulo. O PT não soube reconstruir seu projeto desde o fim do governo Lula. O PT vai ter que se refundar, vai ter que se reformar profundamente se quiser continuar como ator político importante (Jornal Folha de São Paulo, de 07 março 2016).

Muito embora esteja pacificado na jurisprudência que a infidelidade partidária imotivada daqueles detentores de mandato eletivo obtido através do sistema proporcional enseja a sua perda, na forma do art. 1º, § 1º, III, da Resolução TSE n. 22.610/07 (atualmente no artigo 22-A da Lei n. 9.096/95, por força da Lei n. 13.165/15), não se pode olvidar que compete às Cortes Eleitorais examinar, caso a caso, a existência de justa causa para a desfiliação partidária. E, neste ponto, ouso discordar da solução proposta pela eminente relatora, porquanto entendo que, na hipótese sub examine, restou sobejamente justificada a desfiliação partidária do ora requerido, nos termos do artigo 22-A, parágrafo único, inciso I, da Lei dos Partidos Políticos (com a redação dada pela Lei n. 13.165/15).

Por ocasião da obtenção do mandato eletivo requestado pela agremiação partidária, já era público e notório o envolvimento de importantes membros do partido político nos fatos delituosos imputados na AP n. 470. Logo, a invocação desse episódio criminal não tem o condão de configurar a ocorrência de mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, notadamente quando restaram condenados alguns membros do diretório nacional do partido.

No entanto, é forçoso reconhecer que os fatos invocados pelo requerido apurados no âmbito da vulgarmente conhecida Operação Lava-Jato, a qual, como é cediço, apura sucessivas imputações de corrupção e lavagem de dinheiro perpetradas por diversos membros do partido requerente, em diversos estados da Federação, ainda pendentes de julgamento definitivo pelo Poder Judiciário, são supervenientes à eleição municipal de 2012, pois passaram a ter a ampla repercussão midiática a partir de 2014.

Ora, esses acontecimentos não apenas sinalizam a ocorrência de crimes graves, mas são indícios bem razoáveis de “desvio reiterado do programa partidário”, notadamente quando se consumaram as pressões da alta cúpula do PT para a substituição do Ministro de Estado da Justiça, que era acusado por membros do partido de não exercer qualquer ingerência sobre as investigações levadas a efeito pela Polícia Federal, uma semana após a prisão do “marqueteiro” responsável pela campanha de reeleição da atual Presidente da República.

Portanto, é indispensável ter-se uma compreensão não meramente retórica acerca do sistema representativo, para se compreender a gravidade que representa a destituição de um parlamentar do mandato que lhe foi outorgado pelo povo, como alertou o Ministro Joaquim Barbosa, por ocasião do julgamento da ADI n. 3.999 (DJ n. 221, 20.11.2008).

E, a propósito do que dispõe o artigo 22-A, parágrafo único, inciso I, da Lei dos Partidos Políticos, não se deve conferir ao "desvio reiterado do programa partidário" uma interpretação meramente formal, tal como ocorre quando o partido afronta sistematicamente, seja por meio da orientação de seus líderes nas casas legislativas, seja pela implementação de políticas públicas do Poder Executivo, sua carta de princípios e o programa pelo qual anuncia a forma pela qual atuará dentro do sistema democrático.

O "desvio do programa partidário" também deve abranger qualquer grave inobservância factual, de natureza prática e efetiva, resultante da atuação daqueles que conduzem os desígnios do partido, ainda que não declarada e cuja publicidade não seja desejada por esses.

E isso, na seara do Direito Eleitoral, encontra território fértil na teoria funcionalista do direito de Norberto Bobbio, pois enseja uma hermenêutica normativa para a qual o direito, enquanto tal, inclusive se é definido de forma neutra como técnica de organização social, tem função social axiologicamente positiva, até o ponto de que pode ser considerado um meio necessário para alcançar e conservar o bem coletivo (...). (apud in GREPPI, Andrea. Teoria e ideologia en el pensamiento de Noberto Bobbio. Madrid: Marcial Pons, 1988, p. 11).

A propósito, este é o entendimento do Ministro Cesar Asfor Rocha, quando relator da Consulta n. 1.398/TSE (Sessão Administrativa de 27.3.2007):

Ouso afirmar que a teoria funcionalista do direito evita que o intérprete caia na tentação de conhecer o sistema jurídico apenas pelas suas normas, excluindo-se dele a sua posição, empobrecendo-o quase até à miséria; recuso, portanto, a postura simplificadora do direito e penso que a parte mais significativa do fenômeno jurídico é mesmo a representada pelo quadro axiológico.

E, sob tal perspectiva, faz-se mister analisar o que dispõe o art. 3º, incs. IV, V e VI, do Código de Ética do Partido dos Trabalhadores, disponibilizado no sítio oficial da agremiação na internet [www.pt.org.br/wp-content/uploads/2014/03/codigodeetica.pdf], cotejando-os com as supra citadas investigações criminais:

Art. 3º. São princípios éticos fundamentais que devem orientar a conduta de todos os filiados ao Partido dos Trabalhadores:

[...]

IV - o respeito à moralidade administrativa, à coisa pública e à transparência na gestão de recursos públicos de qualquer natureza, e por conseqüência, o combate a práticas patrimonialistas e clientelistas nas relações com aqueles que exercem função pública;

V – a supremacia dos interesses partidários sobre os interesses particulares, de tendências partidárias, de correntes ou grupos internos;

VI- o dever de denunciar, junto aos órgãos públicos competentes, ilícitos que impliquem em lesão à probidade administrativa, à igualdade de todos os cidadãos perante a lei, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico, artístico e cultural do país, bem como aos interesses da coletividade em geral;

Frise-se, por oportuno, que neste momento não está sendo feita absolutamente qualquer espécie de valoração das condutas do partido requerente, seus dirigentes e filiados, mas apenas e tão somente se constatando que as justificativas esposadas pelo vereador requerido para se desfiliar estão sobejamente justificadas, porquanto demonstram que aquele partido de esquerda, fundado há 36 anos, extremamente preocupado com ética do trato da coisa pública, efetivamente sofreu expressiva mutação substancial do seu programa partidário, seja no que se refere aos aspectos éticos, seja no que tange aos elementos de natureza ideológica, haja vista a inegável dissociação dos temas tradicionalmente defendidos pela agremiação, porquanto vem sendo suprimidos diversos direitos sociais (v.g. reforma previdenciária iniciada pela Lei n. 13.135/15, modificações do seguro-desemprego consolidadas na Lei n. 13.134/15, ajuste fiscal estabelecido por diversas leis, entre elas a Lei n. 13.169/15).

Esse, portanto, é o sentido axiológico que se pode conferir, no caso concreto, ao artigo 22-A, parágrafo único, inciso I, da Lei dos Partidos Políticos.

Trata-se de norma que homenageia a necessidade de resguardo da relação eleitor-representante, porquanto, uma vez constatado o significativo desvio factual da orientação programática do partido, autoriza o eleito a se desfiliar sem a perda do mandato. E tal atitude se justifica ante a necessidade de preservar o mandato conferido pelos eleitores àquele candidato enquanto representante de um determinado conjunto de princípios programáticos expressos pela agremiação política.

Tutela-se, desse modo, a confiança depositada nas propostas do partido durante o pleito em que foi eleito o candidato quando foi o partido que deu causa ao rompimento do vínculo, por desvio superveniente de seu programa, mostrando-se inviável submeter aquele que se manteve fiel aos princípios e propósitos autênticos da agremiação o ônus da perda de seu mandato.

Não se pode olvidar que, a partir do decidido pelo Supremo Tribunal Federal, nos Mandados de Segurança ns. 26.602, 26.603 e 26.604, iniciou-se nova competência para a Justiça Eleitoral, não mais encerrando com a diplomação dos eleitos, mas tendo de adentrar nas questões políticas e intrapartidárias, temas sobre os quais nunca havia se pronunciado antes.

Dessa forma, tem-se visto muitas decisões na seara eleitoral exigindo que a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário seja objetivamente demonstrado, por meio de alterações no estatuto da agremiação.

Ora, a partir de uma rápida olhada nos programas dos 35 partidos políticos atualmente registrados no TSE, é possível verificar que não há uma diferença substancial entre eles, com raras exceções. Aliás, os objetivos da agremiação normalmente são abstratos e superficiais. Confira-se o art. 1º do estatuto do PT, que pode ser consultado na página do TSE (www.tse.jus.br):

O Partido dos Trabalhadores (PT) é uma associação voluntária de cidadãos e cidadãs que se propõem a lutar por democracia, pluralidade, solidariedade, transformações políticas, sociais, institucionais, econômicas, jurídicas e culturais, destinadas a eliminar a exploração, dominação, a opressão, a desigualdade, a injustiça e a miséria, com o objetivo de construir o socialismo democrático.

Nessa perspectiva, é ingênua a tese de que os partidos devam formular registro formal de alteração programática, na medida em que as agremiações necessitam obter o máximo grau de aceitação de seus eleitores.

Assim, por exemplo, o PT jamais iria consignar em seus estatutos que votaria a favor de uma reforma previdenciária propondo redução dos direitos sociais dos trabalhadores. Nesse caso específico, não se trata de uma proposta de campanha, mas uma bandeira partidária, defendida na sua gênese e abandonada após assumir o poder.

Por essa razão, como dito pelo Ministro Menezes Direito, no Mandado de Segurança n. 26.602, é necessário que se verifique os ditames da coerência entre a orientação partidária do momento da filiação e da eleição e a mudança de direção no curso do mandato.

Aliás, vota-se em um projeto político. Se o partido dele deserta, isso não vincula necessariamente os mandatários que nele acreditaram, o que justifica o rol de excludentes da fidelidade partidária. Ademais disso, quando se fala em fidelidade partidária, não é ela exclusiva e exigível somente do mandatário, mas também da agremiação. Mais ainda, uma fidelidade ao eleitor.

Por isso se fala do compromisso eleitor-partido-representante assumido na eleição. O eleitor figura como o elemento mais importante nessa equação.

Nessa medida, exigir do representante a permanência nos quadros de uma agremiação sob a qual pesa a acusação de desvios éticos e morais, afigura-se um verdadeiro atentado à liberdade de consciência deste e vai de encontro às justas expectativas do eleitor, que nele depositou seu voto.

Assim, tenho que as excludentes de justa causa devem levar em consideração o princípio da razoabilidade, não podendo ser analisadas de forma literal, mas deve verificar o conteúdo substantivo que envolve o princípio da fidelidade partidária.

Dessa forma, há de se examinar a realidade dos partidos políticos, sob pena de se construir uma verdadeira ditadura partidária, que estabelece apenas deveres aos filiados. Deve-se manter permanente vigilância no sentido de se evitar o desvirtuamento das finalidades do partido político e com isso transformar a questão da fidelidade partidária em odioso instrumento de opressão aos filiados, pois estas instituições, ao alcançarem o poder, afetarão a vida dos diversos grupos sociais que as elegeram (CARDOZO, José Carlos. A fidelidade partidária. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 62).

Felizmente, há precedentes jurisprudenciais nessa exata linha de intelecção, como é o caso da decisão proferida pelo Egrégio Tribunal Superior Eleitoral na Pet n. 2773, de 12.3.2009, de relatoria do Min. Marcelo Ribeiro:

PETIÇÃO. DECRETAÇÃO. PERDA. MANDATO ELETIVO. DEPUTADO FEDERAL. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. RESOLUÇÃO-TSE N. 22.610/2007. PRELIMINARES REJEITADAS. DESFILIAÇÃO. JUSTA CAUSA. CONFIGURAÇÃO. PEDIDO IMPROCEDENTE.

1. Preliminares de incompetência do juízo, ilegalidade do rito, decadência e inconstitucionalidade da Resolução-TSE n. 22.610/2007 rejeitadas.

2. A modificação da posição do partido em relação a tema de grande relevância configura justa causa para a migração partidária de filiado.

3. Reconhecimento de existência de justa causa para a desfiliação partidária. (Grifei.)

Nesse julgado, o PT Nacional vindicava o cargo do Deputado Federal Paulo Rubem Santiago Ferreira, que migrara para o Partido Democrático Trabalhista na legislatura 2007-2011.

Os fatos que ensejaram a saída daquele parlamentar são semelhantes ao aqui analisados, envolvendo o desvirtuamento ideológico do PT.

Merecem destaque as conclusões tecidas pelo Ministro Arnaldo Versiani em seu voto-vista:

Diante desse quadro, tenho que, realmente, é de se reconhecer que a postura ideológica e a política desempenhada pelo Partido dos Trabalhadores terminou por sofrer modificações a partir de 2003, com a assunção ao Governo Federal.

No que se refere à decisão do parlamentar, disse o mencionado Ministro Versiani: A meu ver, descortina-se espécie de embaraço à própria liberdade de consciência do deputado, em virtude dos novos rumos do PT, cuja solução não pode ser outra se não a de se entender possível que ele busque um novo partido.

Ao finalizar seu voto aduz:

Penso, portanto, que, efetivamente, configurou-se causa de rompimento da relação eleitor-partido-representante, considerados os acontecimentos consistentes em alteração superveniente de linha político-ideológica do PT.

Adotando algumas palavras do Ministro Carlos Ayres Brito no julgamento da referida consulta, parece-me que "o candidato não desertou de seus ideais, quem desertou foi o partido", de uma ou outra forma. Há, então, desnaturação ideológica, cujo deslinde do impasse entre os sujeitos envolvidos não pode prejudicar o deputado, que, afinal, não dissentiu de sua formação. Na espécie, não vislumbro da conduta do deputado posição oportunista, imbuída apenas de seus interesses particulares ou motivada por pretensões eleitorais.

Na realidade, vejo que a migração decorreu do choque de sua formação ideológica com os fatos e mudanças decorridos no âmbito do partido, que ensejaram o desconforto e o descontentamento com os rumos da legenda.

Por oportuno, trago decisão de Tribunal Regional envolvendo fatos semelhantes, Mensalão e Máfia dos Sanguessugas:

FEITO NÃO-ESPECIFICADO. AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. ALEGAÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO TSE N. 22.610/07, DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL E DESTE REGIONAL, DE ILEGITIMIDADE ATIVA E DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR DO DIRETÓRIO REGIONAL E DE AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO. PRELIMINARES REJEITADAS. PARTIDO QUE SE ENVOLVE EM DIVERSOS ILÍCITOS. ESCÂNDALOS REPERCUTENTES. FALSIFICAÇÃO DE ASSINATURA DO MANDATÁRIO PELO PARTIDO. PROVAS DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL. JUSTA CAUSA PARA A DESVINCULAÇÃO DO PARTIDO. IMPROCEDÊNCIA.

De efeito, mandatos obtidos regularmente pelo voto só podem ser perdidos, na via judicial, diante de situações comprovadamente graves e sérias, porque assim impõe a noção constitucional da proporcionalidade. Não havendo que se negar que os repercutentes escândalos que levaram à instauração das CPIs do Mensalão e da Máfia dos Sanguessugas macularam a imagem do partido perante o eleitorado, sendo a causa primeira para o descontentamento do vereador, ademais de o partido ter apresentado a esta Justiça prestação de contas com falsificação da assinatura do mandatário, conforme confirmada por meio de documentos e testemunhas, causando-lhe indignação, é que se tem por justificada a desfiliação noticiada, porquanto patente que o partido deu causa ao rompimento do vínculo com seu filiado, de acordo também com a linha de entendimento preconizada pelo Ministro Cezar Peluso na Consulta TSE n. 1.398.

(TRE-MS, Feito não especificado n. 308, Acórdão n. 5658 de 12.5.2008, Relator ANDRÉ LUIZ BORGES NETTO, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1736, Data 27.5.2008, Páginas 344-345.) (Grifei.)

Transcrevo ementas de outros Regionais na mesma alheta:

REPRESENTAÇÃO. DECRETAÇÃO DA PERDA DE MANDATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. RESOLUÇÃO-TSE N. 22.610/2007. DISCRIMINAÇÃO E ISOLAMENTO POLÍTICO. RECONHECIMENTO. POSICIONAMENTO POLÍTICO DO PSDB. MUDANÇA. JUSTA CAUSA. CONFIGURAÇÃO. INFIDELIDADE PARTIDÁRIA NÃO CARACTERIZADA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. Mudança substancial da orientação política de agremiação partidária conduz à configuração de justa causa do filiado que se desvincula de tal partido político.

2. Manifestação do partido de discordância com conduta de mandatário, bem como ausência de apoio político em seu quadro de filiados expressa clara situação de discriminação pessoal e isolamento contra detentor de cargo eletivo.

3. Considera-se justa causa mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, além de grave discriminação pessoal. Inteligência do art. 1º, § 1º, III e IV, da Resolução-TSE n. 22.610/2007.

4. Na espécie, restou demonstrada mudança de posicionamento político do PSDB e, ainda, configuração de discriminação pessoal empreendida pelos então correligionários do Sr. José Vasques Landim no Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB, de forma a dificultar-lhe o desempenho de suas atribuições partidárias, refletindo, assim, no exercício de seu mandato eletivo.

5. Justa causa configurada.

6. Improcedência do pedido.

(Representação n. 11838, Acórdão n. 11838 de 31.8.2010, Relator CID MARCONI GURGEL DE SOUZA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 162, Data 06.9.2010, Páginas 28-29.) (Grifei.)
 

AÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA, COM BASE NA RESOLUÇÃO TSE N. 22610/2007. CARGO DE VEREADOR. ALEGAÇÃO DE GRAVE DISCRIMINAÇÃO PESSOAL. JUSTA CAUSA DEMONSTRADA. EVIDENTE TRATAMENTO INJUSTIFICADO E DESVIO DO PROGRAMA PARTIDÁRIO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. EXTINÇÃO DOS MANDADOS DE SEGURANÇA CORRELATOS.

(Feitos não classificados n. 10125, Acórdão de 31.8.2012, Relatora DIVA PRESTES MARCONDES MALERBI, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 27.9.2012.) (Grifei.)

Mais recentemente, merece destaque o reconhecimento da justa causa de mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, pelo TRE do Rio de Janeiro:

REQUERIMENTO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA, SEM JUSTA CAUSA. DECADÊNCIA AFASTADA. O REQUERENTE NÃO ESTÁ OBRIGADO A PROMOVER O LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO, INTEGRADO PELO PARTIDO POLÍTIO PARA O QUAL O REQUERIDO TRANSFERIU-SE, SE A NOVA FILIAÇÃO CONSTA APENAS DE REGISTRO INTERNO DO PARTIDO POLÍTICO. RESTOU CONFIGURADA A JUSTA CAUSA PARA A DESFILIAÇÃO, EM RAZÃO DA CRIAÇÃO DE NOVO PARTIDO POLÍTICO, DEVIDAMENTE REGISTRADO NO ÂMBITO DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE). NOVA FILIAÇÃO QUE SE DEU EM PRAZO RAZOÁVEL, NA FORMA DA JURISPRUDÊNCIA DO TSE. JUSTA CAUSA RECONHECIDA. ADEMAIS, CONFIGURADA JUSTA CAUSA PELA MUDANÇA SUBSTANCIAL E PELO DESVIO REITERADO DO PROGRAMA PARTIDÁRIO, CONFORME A PROVA DOS AUTOS.

(…)

3. Configurou-se, de igual modo, a justa causa para desfiliação partidária do requerido, tal como prevista no art. 1º, § 1º, III, da Resolução TSE n. 22.610/07, que se refere à mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, conforme a prova documental produzida nos autos. A alteração substancial das diretrizes de partido político configura inequívoca justa causa para desfiliação partidária, conforme a jurisprudência do TSE (Petição n. 2773 - Brasília/DF - Rel. Min. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira - DJE 29/04/2009).4. Improcedência do pedido formulado pelo requerente.

(Petição n. 23183, Acórdão de 07.4.2014, Relatora ANA TEREZA BASILIO, Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 078, Data 14.4.2014, Páginas 23-27.) (Grifei.)

De mais a mais, no caso concreto não é possível impor ao vereador ora requerido o desempenho das suas atribuições parlamentares com o fardo de ter de defender as recentes práticas partidárias veiculadas nas páginas policiais perante seus eleitores, em pequeno município do interior do estado.

Veja-se que foram acostadas à defesa notícias acerca da condenação criminal do ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, por envolvimento no esquema de corrupção investigado pela Lava-Jato. Na matéria também é referida a condenação do seu antecessor no cargo, ou seja, Delúbio Soares, condenado à pena de 8 anos e 11 meses de prisão por sua participação no caso do Mensalão.

E não se diga que esses fatos não podem ser imputados à sigla, porque cometidos por algumas pessoas, que coincidentemente são filiadas à agremiação. Ora, os “filiados envolvidos” são líderes históricos da sigla, de expressão nacional. São lideranças que personificam o próprio partido, como é o caso do ex-presidente Lula.

Por fim, passo a analisar a prova testemunhal trazida pelo requerido.

Adriano Nicolau Mallmann ao ser inquirido (fl. 70) referiu: Léo já apresentava descontentamento com as acusações que eram transmitidas pela mídia contra o Partido dos Trabalhadores.

Ivete Rambo, por sua vez, asseverou (fl. 71): Pelo que percebia Léo estava muito insatisfeito com as acusações nacionais que existiam contra o PT e como ele é uma pessoa íntegra e muito bem considerada na comunidade, a depoente acha que ele está no seu direito de se afastar de um partido em que ele discorda do que acontece.

Claiton Marusiak também confirmou o descontentamento do réu, nos seguintes termos: A partir do Mensalão e depois da Lava-Jato, observou que o réu ficou muito constrangido e estava disposto a sair do PT em razão deste constrangimento enfrentado na cidade.

Assim, inequívoca a demonstração, pela prova oral, do desconforto vivenciado pelo requerido antes da sua retirada dos quadros da agremiação.

Houve menção nos autos de suposto acordo entre o requerido e as executivas do PT e PSB, por meio do qual o Partido dos Trabalhadores não reivindicaria o mandato e o demandado exerceria a vereança até maio de 2016.

Ainda que as testemunhas Adriano e Claiton e mesmo a defesa tenham feito alusão a tal ajuste, tenho que ele não depõe contra o demandado.

Ao contrário, reforça o propósito de o requerido buscar uma saída amigável da agremiação.

Não se pode olvidar que a mudança de partido sempre gera uma situação incômoda ao parlamentar, máxime em se tratando de vereador mais votado sob a legenda. Então, natural a tentativa de compor, da melhor forma, sua retirada da grei.

De outra banda, é irrelevante ao deslinde do feito a existência ou não do malfadado pacto, pois essa temática é periférica e secundária ao mérito vertido nos autos. O que precisava ser demonstrado era se houve ou não justa causa para saída do demandado dos quadros da agremiação.

Logo, tendo em vista que a norma geral prevê a perda do mandato eletivo apenas nas hipóteses de infidelidade partidária imotivada, é defeso punir o requerido com a perda do mandato eletivo, em benefício do partido requerente, porquanto configurada a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário.

Ante o exposto, com a devida vênia da eminente relatora, julgo improcedente a ação de decretação de perda do cargo eletivo, reconhecendo a justa causa à desfiliação partidária de Léo Buttenbender, prevista no art. 1º, § 1º, III, da Resolução TSE n. 22.610/07, reprisada no artigo 22-A, parágrafo único, inciso I, da Lei dos Partidos Políticos, com a redação dada pela Lei n. 13.165/15.

 

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes:

Acompanho o voto da eminente relatora.

 

Desa. Liselena Schifino Robles Ribeiro:

Acompanho o voto da eminente relatora.