RE - 2616 - Sessão: 06/07/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA de Guaporé contra sentença que desaprovou sua prestação de contas referente ao exercício financeiro de 2014, em virtude do recebimento de doações de fontes vedadas (autoridades). Determinado o recolhimento de R$ 15.030,18 ao Tesouro Nacional e a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de oito meses (fls. 124-126v.).

O recorrente postula a legalidade de todas as doações, com o argumento de que as contribuições advindas dos secretários municipais e de detentores de cargos eletivos não se enquadram no conceito de cargo em comissão. Sustenta ser aplicável a Resolução TSE n. 21.841/04, cujo art. 5º, inc. II e § 1º, autoriza os agentes políticos e os servidores públicos a doarem recursos à agremiação da qual são filiados. Assevera que a consulta TSE n. 1.428/Brasília-DF, nomeada Resolução TSE n. 22.585/07, não se sobrepõe à Resolução TSE n. 21.841/04 (fls. 130-136).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opina pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas, assim como a determinação judicial da transferência de R$ 15.030,18 ao Tesouro Nacional. Opina, ainda, pela ampliação do prazo de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário para o interregno de 12 meses (fls. 142-150).

É o sucinto relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. Publicada a decisão em 05.2.2016 (fl. 128), uma sexta-feira, e o recurso interposto em 10.02.2016 (fl. 130), quarta-feira, ou seja, dentro do tríduo legal.

As contas da agremiação foram desaprovadas notadamente em razão do recebimento de recursos de fonte vedada, advindas do prefeito, vice-prefeito, vereador e secretários municipais.

O art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 proíbe o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:
[...]
II – autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38.

O conceito de autoridade pública abrange os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o TSE, com a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa está assim vazada:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

Reproduzo, por oportuno, trechos da referida consulta:

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

[...]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

Busca-se, assim, manter o equilíbrio entre as siglas partidárias, haja vista o elevado número de cargos em comissão preenchidos por critérios políticos, resultando em fonte extra de recursos, com aptidão de desigualar os partidos que não contam com tal privilégio.

O Ministro Cezar Peluso, redator da consulta, ao examinar o elemento finalístico da norma, que veda as doações de autoridades, assim se posiciona:

A racionalidade da norma para mim é outra: desestimular a nomeação, para postos de autoridade, de pessoas que tenham tais ligações com o partido político e que dele sejam contribuintes.

[…]

Quem tem ligação tão íntima e profunda com o partido político, que é contribuinte do partido, pela proibição, evidentemente, não impede, mas, enfim, desestimula de certo modo.

In casu, as doações foram feitas pelos secretários municipais Nelci, Cleto e Tárcia; e ocupantes de cargos eletivos Paulo Mazutti (prefeito), Emílio Zanon (vice), e Andréia e Vitor Hugo (vereadores) (fl. 106). Todos os sete contribuintes estão inseridos no conceito de agentes políticos, conforme Consulta n. 109-98, respondida por esta Corte, na sessão de 23.9.2015, tendo como redator do acórdão o Dr. Leonardo Tricot Saldanha, e que passo a transcrever no que interessa ao caso vertente:

A doutrina refere que agentes políticos são os titulares de cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. [...] São agentes políticos apenas o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes do Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados Federais e Estaduais e Vereadores” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17 ed., 2004, p. 230). Do que se depreende, além dos detentores de cargo eletivo, são considerados agentes políticos os ministros e secretários estaduais e municipais, pois todos detém funções com poder de autoridade. Da leitura de suas decisões mais recentes, o TSE consolidou entendimento no sentido de que os agentes políticos estão abrangidos pela vedação prevista no art. 12, inciso XII e § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14. A questão foi diretamente enfrentada pelo TSE no Agravo de Instrumento n. 8239, de 25.8.2015, no qual o PSDB de Santa Catarina invocou o art. 12, § 2º, da Resolução TSE n. 23.432/14, e requereu que fosse considerado autoridade somente aqueles que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta, autorizando os que detenham mandato eletivo ou que exerçam cargo de assessoramento. Na decisão, o Relator, Ministro Henrique Neves, asseverou: ressalto que, conforme assinalei no julgamento do REspe n. 49-30, da minha relatoria, o conceito de autoridade pública deve abranger os agentes políticos e servidores públicos, filiados ou não a partidos políticos, investidos de funções de direção ou chefia (DJE de 28.8.2015). (Grifei.)

Vale ressaltar que os secretários municipais ocupam cargos de livre nomeação e exoneração, dada a precariedade do vínculo com a administração pública. Por óbvio, as atividades por eles exercidas são de chefia e direção.

Observo que cada secretário contribuiu com quantias idênticas, R$ 2.500,00; igualmente o prefeito, o vice e o vereador, traduzindo-se em verdadeiros dízimos, o que a legislação eleitoral busca veementemente coibir.

Além disso, vem sinalizar um redobrado cuidado do legislador em não fortalecer o vínculo do mandatário com a legenda à qual concorreu. Em outras palavras, a preocupação é a de que o detentor de cargo eletivo, ou mesmo comissionado, possa exercer suas funções com autonomia.

Cumpre destacar que o conceito de autoridade vem sendo alargado pelo TSE, como se verifica na Consulta n. 356-64, sessão de 05.11.2015, cuja ementa reproduzo:

CONSULTA. QUESTIONAMENTOS. ART. 12, INCISO XII e § 2º, DA RES.-TSE n° 23.432. FONTE VEDADA. AUTORIDADE PÚBLICA.

1. Os estatutos partidários não podem conter regra de doação vinculada ao exercício de cargo, uma vez que ela consubstancia ato de liberalidade e, portanto, não pode ser imposta obrigatoriamente ao filiado.

2. O conceito de autoridade pública, a que se refere o inciso II do art. 31 da Lei no 9.096/95, independe da natureza do vínculo de quem exerce o cargo (efetivo ou comissionado) e se aplica a qualquer dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).

[...]

(CONSULTA n. 356-64.2015.6.00.0000 – CLASSE 10 – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL Relator: Ministro Henrique Neves da Silva Consulente: Partido Progressista (PP) – Nacional, por seu presidente).

Correta, portanto, a sentença, devendo ser mantida a determinação de recolhimento de R$ 15.030,18 ao Tesouro Nacional.

No tocante à suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, plausível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, pois ainda que a totalidade das doações sejam provenientes de fonte vedada, não houve indícios de má-fé ou o propósito de prejudicar a fiscalização exercida por esta Justiça especializada, afigurando-se adequada a redução da pena de suspensão para quatro meses.

Em relação ao pedido da Procuradoria Eleitoral de extração de cópias do feito, indefiro, devendo aquele órgão, se entender necessário, reproduzir as peças às suas próprias expensas.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso e, de ofício, determino a redução do período de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário para quatro meses.