E.Dcl. - 1116 - Sessão: 08/03/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de embargos de declaração opostos pelo DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO PROGRESSISTA DO RIO GRANDE DO SUL contra o acórdão das fls. 213-217, que, por unanimidade, indeferiu o pedido de revisão proposto.

Refere, em síntese, que a decisão padece de omissões, ao não ter abordado os seguintes pontos: (a) a possibilidade de aplicação da Lei n. 13.165/15, que seria mais benéfica ao caso; (b) a assistematicidade da legislação eleitoral no que tange à aplicação da Lei n. 9.096/95 às prestações de contas eleitorais; (c) a aplicação da proporcionalidade na pena imposta, e do bis in idem ocorrido por ocasião do julgamento da Prestação de Contas n. 7214-05.2010.6.21.0000, decisão que se pretendia, primitivamente, revisar.

Requer, finalmente, (d) o prequestionamento explícito dos dispositivos legais invocados.

É o relatório.

 

VOTO

Os embargos são tempestivos e merecem ser conhecidos: opostos em 25 de fevereiro de 2016, dentro do prazo de três dias ao qual alude a legislação, pois o acórdão embargado foi publicado no DEJERS em 22 de fevereiro de 2016, conforme certidão constante à fl. 218.

À análise.

Os embargos de declaração servem para afastar obscuridade, dúvida ou contradição que eventualmente surjam do acórdão, situando-se a matéria, no âmbito do Direito Eleitoral, nos termos do artigo 275, I e II, do Código Eleitoral.

Dispõe o aludido dispositivo: 

Art. 275. São admissíveis embargos de declaração:

I - quando há no acórdão obscuridade, dúvida ou contradição;

II - quando for omitido ponto sobre que devia pronunciar-se o Tribunal.

Em primeiro lugar, situemos as omissões cujas curas pretende o embargante, conforme os próprios termos expostos no recurso, fl. 229:

a) sanar a omissão acerca da aplicação da Lei n. 13.165/2015, sob a perspectiva dos efeitos retroativos da lei mais benéfica, consoante previsão do art. 2º, parágrafo único do Código Penal, aplicável à matéria eleitoral por força do disposto no art. 287, do Código Eleitoral, quando, como no caso em tela, se tratar de natureza de decisão sancionatória;

b) sanar a omissão acerca da possibilidade de aplicação de dispositivos da Lei dos Partidos Políticos às campanhas eleitorais, agregando, em caso positivo, efeitos infringentes aos embargos de declaração, visto a necessidade de aplicação do art. 37, § 5º, da LPP e a consequente alteração do resultado da v. decisão embargada;

c) sanar a omissão acerca da análise da proporcionalidade da sanção aplicada, bem como da prática de bis in idem, pela aplicação de duas sanções cumulativamente quando a Lei das Eleições e a Lei dos Partidos Políticos dispõem que deve ser aplicada uma ou outra sanção;

d) prequestionar explicitamente os dispositivos legais invocados.

Antecipo: não se evidencia, na decisão embargada, a existência das omissões aludidas pelo embargante, ou qualquer outra das hipóteses acima referidas.

Trata-se, na verdade, de típico caso de inconformidade com o resultado do julgamento.

Senão, vejamos.

a) Da omissão sobre a aplicabilidade da Lei n. 13.165/05.

A partir da mera leitura da decisão embargada, o argumento deve ser afastado.

O tópico recebeu o seguinte tratamento no referido acórdão:

De início, estabeleço duas distinções, fundamentais.

A primeira, no que tange a argumentações que possam ser feitas relativamente a uma pretensa aplicabilidade das modificações trazidas pelo advento da Lei n. 13.165/2015.

Ressalto que esta Corte, na sessão do dia 20.10.2015, em processo da relatoria do Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, firmou entendimento no sentido da irretroatividade da novel legislação:

Prestação de contas de candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.406/14. Eleições 2014. Arrecadação de recursos sem a emissão de recibo eleitoral; despesas com combustível sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos ou publicidade com carro de som; divergências e inconsistências entre os dados dos fornecedores lançados na prestação de contas e as informações constantes na base de dados da Receita Federal; pagamentos em espécie sem a constituição do Fundo de Caixa; pagamento de despesa sem que o valor tivesse transitado na conta de campanha; inconsistência na identificação de doador originário. Conjunto de falhas que comprometem a transparência e a regularidade da contabilidade apresentada.

Entendimento deste Tribunal, no sentido da não retroatividade das novas regras estabelecidas pela Lei n. 13.165/2015, permanecendo hígida a eficácia dos dispositivos da Resolução TSE n. 23.406/2014.

A ausência de discriminação do doador originário impossibilita a fiscalização das reais fontes de financiamento da campanha eleitoral, devendo o recurso de origem não identificada ser transferido ao Tesouro Nacional. Desaprovação. (PC 2066-71.2014.6.21.0000)

Trata-se de questão pacífica na jurisprudência da Corte: a não retroatividade da Lei n. 13.165/15 para alcançar situações pretéritas – inclusive aquelas que aplicam sanções.

E o cotejo com as normas de cunho penal não foi realizado, de fato. Mas por um motivo que não a omissão.

A demanda trata de questão cível, sabidamente. Absolutamente desnecessária qualquer alusão à aplicação de normas penais – lembro, a propósito, que o art. 287 do Código Eleitoral (comando invocado pelo embargante) determina a aplicação das regras gerais do Código Penal aos fatos incriminados no Código Eleitoral, nenhum deles analisado na presente demanda.

Inexistente a alegada omissão, portanto. Os argumentos para a inaplicabilidade da Lei n. 13.165/15 foram apresentados de maneira absolutamente suficiente.

b) Das omissões acerca da aplicabilidade da proporcionalidade e do bis in idem, nas sanções.

O presente tópico alberga circunstâncias relativas à lógica de julgamento e à utilidade de fundamentação das decisões judiciais.

Explico.

O embargante trata, como omissões, análises não realizadas. Mas o motivo das ausências de análises acerca da proporcionalidade da pena aplicada e da ocorrência de bis in idem sancionatório são outros.

Isso porque houve argumentos anteriores que impediram as análises desejadas pelo embargante. Ora, houve entendimento (unânime) pela inaplicabilidade do instituto da revisão à prestação de contas de campanha eleitoral; foi averiguada a ocorrência de trânsito em julgado da decisão.

E verificações de proporcionalidade e de ocorrência de bis in idem somente seriam possíveis, úteis, se, logicamente, fossem ultrapassadas as barreiras da aplicabilidade do art. 37 da Lei n. 9.096/95 à PC n. 7214-05, e da coisa julgada relativamente a essa mesma demanda.

Nessa linha, absolutamente desnecessárias as análises vindicadas, eis que inúteis ao deslinde do caso, de forma que não configuram omissão.

Portanto, inexiste omissão de julgamento a amparar o acolhimento dos embargos.

Oportuno frisar que o juiz ou o Tribunal não está obrigado a se manifestar a respeito de todos os fundamentos invocados, bastando sejam referidos na decisão aqueles que interessem para a resolução do caso. Nesse sentido é o posicionamento deste colegiado:

Embargos de declaração. Acórdão que negou provimento a recurso contra decisão que indeferiu registro de candidatura.

Inexistência de omissão. O princípio do livre convencimento do julgador faculta-lhe a livre apreciação dos temas suscitados, não estando obrigado a explicitar todos os pontos controvertidos pelas partes. Inteligência do art. 131 do Código de Processo Civil.

Desacolhimento. (TRE-RS, RCand n. 142, Relatora Dra. KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA, j. 20.8.2008.)

Por óbvio, é indispensável que o magistrado indique o suporte jurídico no qual embasa o seu posicionamento, demonstrando as razões que o levaram à convicção quanto à solução a ser dada ao caso, pois o que é objeto de apreciação são os fatos trazidos.

Dessa forma, o julgador deve decidir a causa de acordo com os motivos jurídicos de seu convencimento, a teor do que estabelece o art. 131 do CPC. Ou seja, ao juiz não importa exaurir todos os argumentos aduzidos pelas partes, mas que a sua decisão seja lastreada no sistema jurídico a que está adstrito. Aliás, a esse respeito é o precedente do Superior Tribunal de Justiça exarado no acórdão a seguir colacionado:

Não há obrigação processual de serem esmiuçados todos os pontos arguidos nos arrazoados das partes, por mais importantes pareçam ser aos interessados, bastando a explicitação dos motivos norteadores do convencimento, sobreconcentrando-se no núcleo da relação jurídico-litigiosa, com suficiência para o deslinde. (STJ- EdREsp. n. 39.870-3. PE, DJ 21.8.95) (Grifei.)

Sobre o tema, também já se manifestou este Colegiado:

Embargos de declaração. Alegada existência de contradição no acórdão.

Admissibilidade da via eleita apenas para suprir omissão, contradição, dúvida ou obscuridade no decisum. Inexistência de qualquer destas características na decisão embargada.

O acerto ou desacerto do julgado, bem como outras questões relacionadas ao mérito, não são discutíveis pelo manejo dos embargos. Necessidade de interposição do recurso próprio para eventual rediscussão da matéria.

Desacolhimento. (TRE-RS, RCand 128, Relator Desembargador Federal VILSON DARÓS, j. 26.8.2008.) (Grifei.)

c) Da omissão sobre a assistematicidade da legislação eleitoral.

Neste ponto, o embargante se insurge nos seguintes termos, fls. 223-227:

Ocorre que não se pode olvidar que não existe esta sistematização da legislação eleitoral. Infelizmente, o Direito Eleitoral não possui uma codificação unitária, possuindo termos normativos esparsos e que não permitem uma separação objetiva com feito no v. acórdão embargado.

Nesse contexto, percebe-se uma omissão acerca da possibilidade de aplicação da Lei dos Partidos Políticos a campanhas eleitorais, não se limitando à prestação de contas partidária ou a mera análise de matéria partidária.

Assim, apenas a título de exemplo, a Lei dos Partidos Políticos, em seu art. 33, III, estabelece, expressamente, a necessidade de a prestação de contas partidária de “despesas de caráter eleitoral, com a especificação e comprovação dos gastos com programas no rádio e televisão, comitês, propaganda, publicações, comícios, e demais atividades de campanha”.

Pela lógica da r. decisão embargada, não se poderia ocorrer esse sincretismo entre questão partidária e questão eleitoral, pois haveria leis de diferentes naturezas que regeriam especificamente cada uma das questões.

[…]

A bem da verdade, Excelências, a previsão do pedido de revisão da aplicação da sanção do fundo partidário pela ausência de análise de proporcionalidade somente está na Lei dos Partidos Políticos, porque é essa a lei que disciplina as questões atinentes ao fundo partidário.

[…]

Percebe-se a importância desse esclarecimento, Excelências, a fim de sanar essa omissão: o v. acórdão quer dizer que não se pode utilizar qualquer dispositivo da Lei dos Partidos Políticos às campanhas eleitorais? O v. acórdão quer dizer que não se pode aplicar qualquer dispositivo da Lei das Eleições aos partidos políticos?”

Pois bem.

O presente item demonstra nítida a intenção de rediscussão da matéria, e não de apontamento de omissão.

Isso porque, relativamente ao tema, consta fundamentação expressa e detalhada, cuja leitura, por si só, resolve as questões trazidas no bojo dos embargos:

Em termos bem sintéticos: o PP do Rio Grande do Sul requer seja aplicado o art. 37 da Lei n. 9.096/1995, comando referente às prestações de contas partidárias, em uma prestação de contas relativa a campanha eleitoral.

E, à vista do panorama legislativo, constata-se que o instituto da revisão efetivamente existe, mas direcionado às prestações de contas anuais das agremiações, aquelas ordinárias, pertinentes ao exercício financeiro normal, não se amoldando à contabilidade relativa às eleições.

Repiso: o caso posto trata de prestação de contas de campanha eleitoral.

Uma circunstância que poderia gerar alguma confusão é a de que a lei instituidora da revisão às prestações de exercício financeiro modificou, igualmente, a legislação atinente às prestações de campanha. Nessa toada, a Lei n. 12.034/2009 modificou tanto a Lei n. 9.096/95 (prestação de contas de exercício financeiro) quanto a Lei n. 9.504/97 (prestação de contas de campanha eleitoral).

Contudo, a situação é comum, em se tratando de direito eleitoral: por exemplo, o mesmo ocorreu com a Lei n. 13.165/15, que modificou tanto a Lei n. 9.096/95 quanto a Lei n. 9.504/97.

Além disso, a situação até mesmo depõe contra a pretensão do peticionante, pois se o legislador, na mesma lei, na mesma ocasião, entendeu por bem possibilitar a revisão da sanção relativamente às prestações de contas de exercício financeiro, não o fazendo em relação à prestação de contas de campanha eleitoral, é porque entendeu haver tal necessidade de distinção entre as espécies.

De fato, a distinção se impõe, bastando citar o maior rigor que tem sido necessário na análise, pela Justiça Eleitoral, do manejo dos valores financeiros nas campanhas eleitorais, em vista dos abusos e das irregularidades frequentemente ocorrentes nessas ocasiões, bem como a maior celeridade que se exige relativamente ao julgamento das prestações de contas de campanha eleitoral.

Ora, a diferenciação foi estabelecida em termos legais expressos, de forma que a não ser possível aplicar a revisão da pena aos casos de prestações de contas de campanha eleitoral. Nessa linha, como bem asseverado pela Procuradoria Regional Eleitoral, (…) verifica-se que o legislador intencionalmente deixou de conferir à Prestação de Contas de Campanha Eleitoral a possibilidade de Revisão.

Ou seja, não como estender a aplicação da revisão prevista no § 5º do art. 37 da Lei n. 9.096/1995 para alcançar, em vista de uma suposta similitude das situações jurídicas, a suspensão imposta por descumprimento de regras da campanha eleitoral da Lei n. 9.504/1997. Não foi essa, nitidamente, a opção legislativa.

Ao contrário.

Justamente a distância entre as espécies de prestações de contas é que levou o legislador a regulamentá-las de modo distinto. Como já posto, isso se deve ao fato de o regramento pertinente aos pleitos eleitorais ter a necessidade de ser mais rígido e célere em relação àquele voltado à prestação de contas de exercício anual.

À vista dessas considerações, entendo que o pedido de revisão da suspensão de quotas é de ser conhecido, eis que requer interpretação analógica.

Todavia, como o peticionante requer a aplicação, em um caso de prestação de contas de campanha eleitoral, de uma regra atinente às prestações de contas de exercício financeiro, o pedido não pode ser deferido.

Em resumo, não há, no regramento atinente às prestações de contas de campanha eleitoral dos partidos, Lei n. 9.504/97, a previsão de revisão das decisões condenatórias, como deseja o peticionante. Muito embora seja de se observar que a decisão tenha, de fato, aplicado a pena máxima de suspensão de quotas do Fundo Partidário, há que se levar em consideração, igualmente, que a decisão, já transitada em julgado, considerou as peculiaridades do caso concreto, por ocasião da aplicação da pena.

Ou seja, o acórdão não construiu (sequer pretendeu construir) a criação de uma máxima genérica e abstratamente aplicável a todos os casos relativos ao emprego extensivo de institutos regidos pelas Leis n. 9.096/95 e n. 9.504/97. Não é essa a finalidade da decisão judicial. Ao contrário: é a resolução do caso concreto. O embargante traz outras situações que não se relacionam ao caso dos autos, realizando um (segundo) indevido elastecimento interpretativo.

Assim, ao que importa: restou assente por esta Corte, no julgamento da Petição n. 11-16.2015.6.21.0000, que a revisão prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95 não é aplicável às prestações de contas de campanha eleitoral.

Inocorrente, também aqui, qualquer omissão.

Desse modo, as razões trazidas pelo embargante evidenciam, a todo efeito, o seu inconformismo com a decisão que lhe foi desfavorável, intentando, neste momento, ter sua prestação de contas reanalisada, o que se mostra incabível em sede de embargos declaratórios.

A respeito, consigno que não se admite, em embargos de declaração, a mera revisão do que já foi julgado pelo Tribunal, não se podendo confundir o julgamento contrário aos interesses da parte com as hipóteses de omissão, obscuridade, dúvida ou contradição.

Portanto, resta bem pontuado que o manejo do presente recurso não encontra fundamento, impondo-se sua rejeição, pois, examinando os contornos do caso, é possível concluir que o embargante pretende rediscutir a decisão.

Finalmente, tenho por prequestionados o art. 2º, parágrafo único, do Código Penal; art. 287 do Código Eleitoral; art. 37, caput, e §§ 3º, 5º e 6º da Lei n. 9.096/95; art. 25, caput e parágrafo único, da Lei n. 9.504/97; do art. 9º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.217/10.

 

Diante do exposto, muito embora ausentes os vícios elencados no art. 275 do Código Eleitoral, sigo a recente jurisprudência desta Corte e VOTO pelo acolhimento parcial dos embargos de declaração, para considerar prequestionados o art. 2º, parágrafo único, do Código Penal; art. 287 do Código Eleitoral; art. 37, caput, e §§ 3º, 5º e 6º, da Lei n. 9.096/95; art. 25, caput e parágrafo único, da Lei n. 9.504/97; do art. 9º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.217/10.