RE - 3343 - Sessão: 20/04/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por MARIA DA GRAÇA SESTERHEIM HEURICH contra sentença proferida pelo Juízo da 172ª Zona Eleitoral – Novo Hamburgo –, que julgou procedente representação por doação acima do limite legal, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, na qual restou condenada à multa de R$ 29.500,00.

Em suas razões, sustenta que para a aferição do limite de doação de 10% deve ser considerado o rendimento auferido pelo casal, pois à época de seu matrimônio, a regra do art. 271, inc. VI, do Código Civil disciplinava a comunicação dos frutos civis do trabalho de cada cônjuge, ainda que casados sob o regime da comunhão parcial de bens.

Houve contrarrazões e, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral pugnou pelo desprovimento do recurso.

É o breve relatório.

 

VOTO

Incontroversa a doação efetuada pela recorrente no valor de R$ 8.100,00, em favor de seu marido e candidato a deputado estadual, Gelson Heurich, quando sua Declaração de Rendimentos de Imposto de Renda Pessoa Física referente ao ano-calendário de 2013 informou o valor de R$ 22.000,00.

Assim, restou extrapolado o limite de 10% dos rendimentos auferidos, conforme estabelecido no art. 23, § 1º, inc. I, da Lei n. 9.504/97.

O ponto controvertido diz com a possibilidade de considerar para a aferição do limite de 10% os rendimentos de seu cônjuge que, aliás, foi o beneficiário da doação.

Ficou demonstrado que a recorrente contraiu matrimônio com Gelson Heurich em 1º de junho de 1988 (fl. 36), há mais de 27 anos, sob o regime da comunhão parcial.

Em suas razões, a recorrente pugna pela consideração dos rendimentos percebidos pelo cônjuge para a incidência do limite disponível à doação.

A jurisprudência do TSE admite a conjugação dos rendimentos do casal para fins de verificação do limite de doação de campanha eleitoral apenas na hipótese de comunhão universal de bens (AgR-AI n. 3623, Relatora Min. Laurita Hilário Vaz, DJE 24.3.2014, pp. 76/77).

Entretanto, esta Corte, em recente precedente da lavra da Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja, entendeu ser possível aplicar a requerida conjugação de rendimentos também em casos de comunhão parcial:

Recurso. Representação. Doação acima do limite legal. Pessoa Física. Art. 23, § 1º, I, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014. A ausência de rendimentos próprios na Declaração de Ajuste Anual de Imposto de Renda Pessoa Física do doador, ano calendário de 2013, não impede reconhecer que os rendimentos auferidos pelo seu cônjuge, na constância de casamento celebrado sob o regime de comunhão parcial de bens, constituem recursos comuns do casal.

Doação realizada dentro do limite de 10% dos rendimentos brutos auferidos no exercício fiscal anterior ao pleito. Reforma da sentença.

Provimento.

(RE 49-04.2015.6.21.008, julgado em 27 de janeiro de 2016.)

Esse entendimento segue linha de precedente do STJ, citado no voto da Dra. Gisele, que peço vênia para transcrever a ementa:

RECURSO ESPECIAL CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS. COMUNHÃO PARCIAL. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE CONTRIBUIÇÃO DE AMBOS OS CONVIVENTES. PATRIMÔNIO COMUM. SUB-ROGAÇÃO DE BENS QUE JÁ PERTENCIAM A CADA UM ANTES DA UNIÃO. PATRIMÔNIO PARTICULAR. FRUTOS CIVIS DO TRABALHO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INCOMUNICABILIDADE APENAS DO DIREITO E NÃO DOS PROVENTOS.

1. Ausência de violação do art. 535 do Código de Processo Civil, quando o acórdão recorrido aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide, com abordagem integral do tema e fundamentação compatível.

2. Na união estável, vigente o regime da comunhão parcial, há presunção absoluta de que os bens adquiridos onerosamente na constância da união são resultado do esforço comum dos conviventes.

3. Desnecessidade de comprovação da participação financeira de ambos os conviventes na aquisição de bens, considerando que o suporte emocional e o apoio afetivo também configuram elemento imprescindível para a construção do patrimônio comum.

4. Os bens adquiridos onerosamente apenas não se comunicam quando configuram bens de uso pessoal ou instrumentos da profissão ou ainda quando há sub-rogação de bens particulares, o que deve ser provado em cada caso.

5. Os frutos civis do trabalho são comunicáveis quando percebidos, sendo que a incomunicabilidade apenas atinge o direito ao seu recebimento.

6. Interpretação restritiva do art. 1.659, VI, do Código Civil, sob pena de se malferir a própria natureza do regime da comunhão parcial.

7. Caso concreto em que o automóvel deve integrar a partilha, por ser presumido o esforço do recorrente na construção da vida conjugal, a despeito de qualquer participação financeira.

8. Sub-rogação de bem particular da recorrida que deve ser preservada, devendo integrar a partilha apenas a parte do bem imóvel integrante do patrimônio comum.

9. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

(REsp 1295991/MG, Relator Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Terceira Turma, julgado em 11.4.2013, DJe 17.4.2013.) (Grifei.)

É dizer, ainda que o art. 1.659, inc. VI, do Código Civil, no regime da comunhão parcial, exclua os proventos do trabalho de cada cônjuge, tal incomunicabilidade apenas atinge o direito ao seu recebimento, não malferindo sua comunicação após percebidos.

Como bem lembrado pela relatora Dra. Gisele Azambuja no precedente acima citado, o regime da comunhão parcial de bens funda-se na noção de construção de patrimônio comum durante a vigência do casamento, com separação, de forma geral, apenas dos bens adquiridos ou originados anteriormente.

Assim, mesmo que esse não seja o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, tenho por adotá-lo, ao efeito de evitar a desnaturação do próprio regime da comunhão parcial de bens, acompanhando a jurisprudência deste Tribunal.

Isso posto, constato que na Declaração de Rendimentos de Imposto de Renda Pessoa Física referente ao ano-calendário de 2013, o esposo da recorrente, Gelson Heurich, auferiu rendimentos tributáveis no montante de R$ 224.811,30.

Considerando, portanto, os rendimentos do casal, tem-se o total de R$ 246.811,30 (R$ 224.811,30 + R$ 22.000,00) como base de cálculo do limite de doação. Logo, poderia a recorrente ter realizado doação até o montante de R$ 24.681,13.

Como o valor doado importou R$ 8.100,00, encontra-se dentro dos parâmetros legais estabelecidos pelo art. 23, § 1º, inc. I, da Lei n. 9.504/97.

Ante o exposto, voto pelo provimento do recurso, a fim de julgar improcedente a representação, absolvendo a recorrente da multa de R$ 29.500,00 a que foi condenada.