RE - 156 - Sessão: 19/04/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por MARCOS SIDNEY SILVA DE OLIVEIRA contra sentença do Juízo da 90ª Zona Eleitoral – Guaíba – que indeferiu medida cautelar inominada com pedido liminar, a qual foi recebida como retificação de cadastro eleitoral.

Em suas razões recursais, explicita que foi condenado criminalmente, cumprida a pena em 8.5.2009, por meio de indulto recebido pelo juízo do Poder Judiciário Estadual. Não obstante, ao comparecer perante o Cartório da 90ª Zona Eleitoral – Guaíba –, obteve certidão na qual constava qualificado como eleitor que não estava quite com a Justiça Eleitoral.

Alega que o início e o final do cumprimento de sua pena ocorreram na vigência da redação original da Lei Complementar n. 64/90, que previa um prazo de inelegibilidade de 3 anos. Diz que a Lei Complementar n. 135/10 (Lei da Ficha Limpa), que aumentou o prazo de inelegibilidade para 8 anos, entrou em vigor em 4.6.2010, quando já havia cumprido sua pena. Por esse motivo, entende que não poderia ter recebido anotação de 8 anos de inelegibilidade em seu cadastro perante a Justiça Eleitoral. Pugna pela aplicação das regras de direito intertemporal.

A liminar postulada foi indeferida.

Nesta instância, os autos foram à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo e merece conhecimento.

Por ocasião do exame da liminar, o Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, relator em substituição, assim se manifestou:

Analiso, por ora, apenas o pedido liminar feito (a) para "que seja concedida a cautela" a fim de ver retirado de seu registro, perante a Justiça Eleitoral, a anotação de inelegibilidade.

O recorrente, inconformado com o registro de sua inelegibilidade por 8 anos, contados da data de extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena em 8.5.2009, entende que deveria ter sido aplicada a lei anterior em vigência à época, a qual trazia o prazo de 3 anos como período de inelegibilidade. Por este motivo, postula a retificação de seu registro para que seja suprimida a inelegibilidade constante.

Conforme consta de seus assentos perante esta Especializada, o recorrente foi condenado pelo crime descrito no art. 33 da Lei n. 11.343/2006. O cumprimento da pena se deu em maio de 2009, sendo por esse motivo retirada a anotação de suspensão dos direitos políticos. No entanto, em face do disposto no art. 1º, inc. I, letra “e”, da Lei Complementar n. 64/90, o recorrente teve anotada, nos assentamentos da Justiça Eleitoral, a sua inelegibilidade até o transcurso de 8 anos após o cumprimento da pena. Reproduzo o dispositivo pertinente:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

[...]

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:

[...]

2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

Entendo que não merece reparos a decisão do Juízo da 90ª Zona Eleitoral.

Isso porque a questão já foi minudentemente analisada pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade (ADC 29/DF, ADC 30/DF e ADI 4578/DF, todas de relatoria do Ministro Luiz Fux), tendo sido a Lei Complementar n. 135/2010 declarada constitucional. O prazo de 8 anos deve ser aplicado independentemente da data do trânsito em julgado da condenação criminal, com eficácia erga omnes e de efeito vinculante, mesmo para situações anteriores a sua entrada em vigor.

No caso em comento, o eleitor sofre as consequências da condenação penal transitada em julgado quando da entrada em vigor da chamada Lei da Ficha Limpa. A jurisprudência deste Regional, bem como a de todo o país, é uníssona a respeito. Cito a Recurso Especial Eleitoral n. 13577, o qual bem resume a questão:

Inelegibilidade. Condenação Criminal.

1. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade de números 29 e 30 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.578/DF, relator o Ministro Luiz Fux, de 16.02.2012, declarou a constitucionalidade da Lei Complementar n. 135/2012 e reconheceu a possibilidade da sua incidência sobre condenações e fatos pretéritos.

2. A presunção de inocência, consagrada no art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal, não pode "frustrar o propósito moralizante do art. 14, § 9º, da Constituição Federal", tampouco pode configurar óbice à validade da Lei Complementar n. 135/2010, conforme decidido nas ADCs números 29 e 30 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.578/DF.

3. É inelegível, nos termos do art. 1º, inc. I, alínea e, item 2, da Lei Complementar n. 64/90, o candidato condenado pela prática de crime contra o patrimônio privado, por meio de decisão colegiada, desde a condenação até o prazo de oito anos após o cumprimento da pena.

Agravo Regimental não provido. (AgR-Respe – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 13577 – Araporã/MG, Relator Ministro Arnaldo Versiani Leite Soares, Publicação: PSESS, Publicado em sessão em 6.11.2012).

Por oportuno, ressalto que a inelegibilidade não deve ser considerada causa restritiva à quitação eleitoral, servindo o eventual registro da circunstância apenas como subsídio para o exame do pedido do registro de candidatura, a título de “ocorrência de inelegibilidade”.

Recente acórdão do TSE Tribunal Superior Eleitoral (67ª Sessão Administrativa, em 6.8.2015) veio ao encontro do que já vinha sendo decidido por esta Casa, ou seja, a inelegibilidade anotada no cadastro do eleitor não pode ser considerada causa restritiva à expedição de certidão de quitação eleitoral.

Tal continência, atualmente derivada do lançamento do código ASE 540 (inelegibilidade), constitui medida que restringiria o exercício de determinados atos da vida civil do eleitor, como a inscrição em concursos públicos, a obtenção de passaporte e, inclusive, o direito de ter deferido pedido de transferência do domicílio eleitoral, o que não se coaduna com o conceito de inelegibilidade. O instituto consiste na ausência de capacidade eleitoral passiva, ou seja, da condição de ser candidato, de postular cargo público, e, consequentemente, de poder ser votado, constituindo-se, portanto, em condição obstativa ao exercício passivo da cidadania.

Assim, de acordo com o que consta em seus assentamentos no cadastro eleitoral, o recorrente poderá obter certidão de quitação eleitoral perante o cartório eleitoral ou mesmo na intranet, na página da Justiça Eleitoral (www.tre-rs.jus.br), não obstante deva permanecer a anotação de inelegibilidade em seu cadastro eleitoral.

Pelos fundamentos expostos, indefiro o pedido liminar.

Publique-se.

Após, vista à Procuradoria Regional Eleitoral.

Porto Alegre, 29 de janeiro de 2016.

Dessa forma, incidente no caso a inelegibilidade de 8 anos, a contar de 8.5.2009, data anterior à vigência da Lei Complementar n. 135/2010, pois como afirmado, o STF, em controle concentrado, firmou entendimento sobre a possibilidade de alcance a atos ou fatos ocorridos antes da edição do mencionado regramento.

No que se refere à quitação eleitoral, o TSE recentemente definiu a matéria no sentido de que a inelegibilidade, correspondendo à capacidade eleitoral passiva, não pode influenciar a capacidade eleitoral ativa, ou seja, o exercício do sufrágio.

O tema foi abordado com muita percuciência pela Dra. Gisele Anne Vieira Azambuja em recente julgado (RE 6982, de 15.02.2016): 

Recurso. Direitos políticos. Anotação de inelegibilidade no cadastro eleitoral. Art. 1º, inc. I, "e", da Lei Complementar n. 64/90.

Apelo que busca levantar o registro da inelegibilidade, em face da extinção da punibilidade pela prescrição. A anotação a título de "ocorrência de inelegibilidade" no Sistema ELO não configura causa restritiva à quitação eleitoral, servindo tal registro apenas como subsídio para o exame de eventual pedido de candidatura, oportunidade na qual serão apreciadas as condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade.

Provimento negado.

Destarte, com a ressalva, deve permanecer a anotação de inelegibilidade no cadastro eleitoral do recorrente.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.