RC - 36439 - Sessão: 07/06/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por RONALDO SOARES DE SOUZA contra sentença proferida pelo Juízo da 72ª Zona Eleitoral – Viamão, que julgou procedente denúncia pela prática do crime previsto no art. 39, parágrafo 5º, inc. II da Lei 9.504/97.

A denúncia imputou aos denunciados Ronaldo Soares de Souza e Rogério Soares de Souza o seguinte fato delituoso:

No dia 07 de outubro de 2012, data da realização das eleições para prefeito, por volta das 12 horas, no Bairro Santa Cecília, nesta Cidade, em via pública, os denunciados Ronaldo Soares de Souza e Rogério Soares de Souza realizaram propaganda de boca de urna.

Na ocasião, os denunciados estavam na via pública, portando 80 folhetos do candidato Raildo e 106 do candidato Bonatto, com o intuito de influenciar a escolha das pessoas que ali estavam, interferindo em suas vontades.

A Brigada Militar juntamente com funcionário da Justiça Eleitoral, procederam a abordagem, constatando a ocorrência dos fatos, razão pela qual conduziu o denunciado para a tomada de medidas pertinentes.

Em virtude de ambos ostentarem condenações criminais, oferecida desde logo a denúncia, a qual recebida em 11.3.2013. Citados, os réus manifestaram-se nos autos sem advogado (fl. 36).

Por ocasião da audiência de instrução, atendendo postulação do defensor dativo, o Ministério Público Eleitoral ofereceu transação penal aos réus, sendo aceita por ambos.

Rogério adimpliu o pagamento da doação de R$ 600,00, sendo declarada extinta sua punibilidade. Ronaldo, entretanto, deixou de cumprir a prestação de serviços à comunidade a que se obrigara, à razão de 5 horas por semana, durante 12 semanas.

Revogada a benesse e designada audiência de instrução e julgamento (fl. 124).

Realizada audiência de instrução, com a oitiva de duas testemunhas do Ministério Público Eleitoral e o interrogatório do réu.

O juiz singular proferiu sentença de procedência, a fim de condenar Ronaldo a 06 (seis) meses de detenção. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade por igual período e, cumulativamente, cominada pena de multa, no mínimo legal, de 5.000 UFIR. Fixados honorários ao defensor público no valor de R$ 700,00, a serem suportados pela União.

Em grau recursal, alega exacerbação na aplicação da pena. Relata que o recorrente deixou de cumprir a transação penal pois está desempregado e sem dinheiro para deslocamentos, e a falta de dinheiro é que o motivou a fazer a “pseudo boca de urna”. Afirma que a exasperação da pena pelo descumprimento da transação penal certamente deixará o réu revoltado e encontrando ainda mais dificuldades para sua ressocialização. Requer a absolvição e, não sendo esse o entendimento, seja reduzida a pena a período condizente e equivalente ao dano a ser reparado.

Com as contrarrazões, foram os autos com vista à Procuradoria, que opina pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. O réu foi intimado da sentença em 16.11.2015 (fl. 165v.), e o recurso interposto em 23.11.2015 (fl. 168), em 10 dias, à luz do art. 362 do Código Eleitoral.

Preliminares

De ofício, suscito duas preliminares:

a) de nulidade da decisão que revogou o benefício da transação penal, por ausência de intimação do réu ou de seu defensor para se manifestar acerca do descumprimento da prestação de serviços à comunidade (PSC).

Com efeito, Ronaldo foi intimado em 26 de agosto de 2014 para recomeçar o cumprimento da medida (fl. 110).

Na fl. 120 dos autos, consta ofício da assistente social, referindo que Ronaldo havia comparecido no local e, após entrevista, comprometera-se a reiniciar a PSC na Escola Ana Jobim a partir do dia 26.9.2014.

Entretanto, em 16 de outubro de 2014, foi noticiado que o apenado não estaria cumprindo a PSC (fl. 121).

Diante desse informação, conclusos os autos, foi revogado o benefício sem que fosse novamente intimado o réu ou seu defensor para esclarecer as razões do descumprimento.

Ainda que os autos revelem que o recorrente já havia deixado de prestar os serviços a que se comprometera em outras ocasiões, não há como ignorar que, após a sua intimação em 26 de agosto de 2014, ele atendeu ao ato.

Aliás, o processo demonstra que Ronaldo prestou 23 horas de serviços à comunidade, do total de 60 horas a que estava obrigado (fls. 101 e 103).

Dessa forma, tenho por anular o processo desde a decisão que revogou a benesse (fl. 124), sendo então, oportunizado ao réu a possibilidade de demonstrar as razões do descumprimento da transação penal.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIME. ART. 307 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. REVOGAÇÃO DA TRANSAÇÃO PENAL. NULIDADE. Ausência de intimação pessoal do réu ou de seu defensor para manifestar-se previamente à decisão que revogou o benefício. Necessidade de intimação específica para justificar o descumprimento, inclusive com advertência das consequências da omissão. Impõe-se, assim, a anulação dos atos processuais, desde a decisão que revogou a benesse, oportunizando-se ao réu manifestar-se a respeito do descumprimento das condições. PROCESSO ANULADO, COM DETERMINAÇÃO DE RETORNO À ORIGEM. (Recurso Crime Nº 71004203576, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator Edson Jorge Cechet, Julgado em 15.4.2013).

(TJ-RS - RC 71004203576 RS, Relator Edson Jorge Cechet, Data de Julgamento: 15.4.2013, Turma Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16.4.2013.)

b) de nulidade absoluta de todo o processo, a partir da decisão da fl. 124, que revogou o benefício e, desde já, designou audiência de instrução e julgamento.

Com efeito, mesmo na apuração de crimes de menor potencial ofensivo, o rito a ser empregado é o previsto no Código Eleitoral e no Código de Processo Penal de forma subsidiária, com a incorporação apenas dos benefícios da transação penal ou da suspensão condicional do processo previstos na Lei n. 9.099/95.

Nesse sentido, a doutrina de Rodrigo López Zilio (Crimes Eleitorais. Salvador: Ed. JusPodivm, 2014, p. 47):

Em síntese, existem dois procedimentos autônomos reconhecidos em matéria de direito processual penal eleitoral: no caso das pessoas que não possuam prerrogativa de foro, o procedimento a ser observado é o previsto no art. 356 e seguintes do Código Eleitoral (esse rito é aplicável seja nos casos de crime punido com reclusão, detenção ou, mesmo, nas infrações penais eleitorais de menor potencial ofensivo); no caso de agentes políticos que ostentem a prerrogativa de foro, o procedimento adotado é o da Lei nº 8.038/90 (por força do disposto na Lei nº 8.658/93).

Igualmente a jurisprudência do TSE:

PROCESSO-CRIME ELEITORAL - TRANSAÇÃO - RECUSA. Uma vez verificada a recusa quanto à proposta de transação, cumpre observar o rito previsto no Código Eleitoral, afastando-se o da Lei nº 9.099/1995.

(TSE - Recurso Especial Eleitoral n. 29803, Acórdão de 28.6.2012, Relator Min. MARCO AURÉLIO MENDES DE FARIAS MELLO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 168, Data 31.8.2012, Página 71.)

Na espécie, o juízo a quo, ao revogar a transação penal, deveria ter oportunizado ao réu o prazo de 10 dias para oferecer resposta à acusação, por meio de defensor (art. 396 do Código de Processo Penal). Entretanto, imprimiu ao feito o rito sumaríssimo da Lei n. 9.099/95.

Nessa linha, novamente trago a doutrina de Rodrigo López Zilio  (op. cit., p. 61):

Nesse espeque, em síntese, o procedimento dos crimes eleitorais apurados perante o Juiz Eleitoral, observado o que dispõe o Código Eleitoral, com as modificações previstas pela Lei nº 11.719/08, passa a ser: oferecimento da denúncia; não sendo caso de rejeição, recebimento da inicial, com citação do acusado (para resposta à acusação); não sendo caso de absolvição sumária, realização de audiência de instrução, com oitiva de testemunhas e, após, o interrogatório do acusado; alegações das partes; sentença (recurso). (Grifei.)

E as consequências da ausência de defesa técnica já estão sumuladas pelo STF: Súmula 523: NO PROCESSO PENAL, A FALTA DA DEFESA CONSTITUI NULIDADE ABSOLUTA, MAS A SUA DEFICIÊNCIA SÓ O ANULARÁ SE HOUVER PROVA DE PREJUÍZO PARA O RÉU.

Registre-se que já no despacho da fl. 42 o magistrado de 1º grau sinalizara a adoção do rito equivocado. No entanto, não houve qualquer prejuízo ao réu, pois na data designada à audiência de instrução e julgamento houve a aceitação da transação penal.

Todavia, ao revogar a transação penal (fl. 124), o magistrado deveria ter citado o réu para oferecer resposta à acusação em 10 dias (art. 396 do CPP).

Ante o exposto, declaro nula a revogação da transação penal, devendo o réu ser intimado para comprovar as razões do descumprimento da prestação de serviços à comunidade e, caso seja novamente revogada a benesse, deverá ser imprimido ao feito o rito previsto no Código Eleitoral e, subsidiariamente, o Código de Processo Penal, oportunizando-se o oferecimento de defesa técnica ao réu, no prazo de 10 dias (art. 396 do CPP).