RE - 791 - Sessão: 08/08/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA – PP de Arroio Grande contra sentença que desaprovou suas contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2014, em virtude do recebimento de doações de ocupantes de cargos municipais de chefia e direção demissíveis ad nutum, com fulcro no art. 31, II, da Lei n. 9.096/95, determinando o recolhimento do valor de R$ 60.406,31 ao Fundo Partidário e a suspensão do repasse de novas quotas do referido fundo pelo período de seis meses (fls. 203-210).

O recorrente sustenta a legalidade de todas as doações, com o argumento de que, a despeito da nomenclatura utilizada, os cargos não guardam natureza de chefia ou direção, consistindo em contribuições livres e legítimas de servidores públicos. Alega que tal situação foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça do Estado Rio Grande do Sul, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 70048747430, que declarou a incompatibilidade das leis municipais criadoras dos cargos em comissão de direção, chefia ou assessoramento, com a Constituição Estadual, visto que as atribuições descritas não correspondiam a essas funções. Por fim, reportando-se à eficácia ex tunc e erga omnes da declaração de inconstitucionalidade, requer a aprovação das contas (fls. 217-221).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que observou que as contribuições foram realizadas antes da referida declaração de inconstitucionalidade, o que não desconfiguraria a natureza de fonte vedada. Opina, ainda, pela manutenção do prazo de suspensão de novas quotas do Fundo Partidário, sob pena de violação do princípio da non reformatio in pejus, bem como pela correção ex officio do valor a ser recolhido ao Fundo Partidário para R$ 61.406,31, diante da ocorrência de mero erro material da sentença (fls. 225-228).

É o sucinto relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. Publicada a decisão em 14.12.2015 (fl. 211v.), o recurso foi interposto em 17.12.2015 (fl. 217), ou seja, dentro do tríduo legal.

As contas da agremiação foram desaprovadas notadamente em razão do recebimento de recursos de fonte vedada, advindos de contribuições de 125 pessoas que, no período, eram detentoras de cargos em comissão de chefia ou direção na Administração Municipal, totalizando R$ 61.406,31 em doações, enumeradas na planilha de fls. 154-157.

O art. 31, II, da Lei n. 9.096/95, proíbe o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

[...]

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38.

No julgamento da Consulta n. 1428/07, o TSE firmou o entendimento sobre a impossibilidade de recebimento de doações provenientes de detentores de cargos demissíveis ad nutum que tenham condição de autoridade. Segue a ementa:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade. Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 06.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CEZAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data: 16.10.2007, Página 172.) (Grifei.)

O conceito de autoridade passou a abranger, portanto, os servidores ocupantes de cargos de direção e chefia, mencionados no art. 37, V, da Constituição Federal, dele sendo excluídos apenas os servidores que desempenham exclusivamente o assessoramento.

Esta Corte alinhou, desde então, sua jurisprudência à orientação superior, passando a desaprovar as prestações de contas em que verificada a existência de recursos provenientes de contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum, com poderes de autoridade. Cito as seguintes ementas, a título ilustrativo:

Prestação de contas. Partido político. Exercício financeiro de 2012. Resolução TSE n. 21.841/04. Destinação do percentual mínimo de 5% dos recursos oriundos do Fundo Partidário na criação e manutenção de programas para promover e difundir a participação política das mulheres. A inobservância dessa regra impõe o acréscimo de 2,5% no ano seguinte ao trânsito em julgado, bem como o recolhimento do valor correspondente ao erário, ante a proibição legal de utilização da quantia para outra finalidade (art. 44, V e § 5º da Lei n. 9.096/95). Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Doações provenientes de ocupantes do cargo de "Chefe de Gabinete" do legislativo estadual. Transferência das doações indevidas ao Fundo Partidário e aplicação da suspensão do repasse das quotas do mesmo fundo, pelo período de um mês. Desaprovação.

(Prestação de Contas n. 6380, Acórdão de 03.3.2016, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 39, Data 07.3.2016, Página 3.) (Grifei.)

 

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Doação de fonte vedada. Art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Exercício financeiro de 2013.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, que detenham condição de autoridade, vale dizer, desempenhem função de direção ou chefia.

Redução, de ofício, do período de suspensão do recebimento de cotas do Fundo Partidário, conforme os parâmetros da razoabilidade. Manutenção da sanção de recolhimento de quantia idêntica ao valor recebido irregularmente ao Fundo Partidário. Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 2346, Acórdão de 12.3.2015, Relator DR. INGO WOLFGANG SARLET, Publicação DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 45, Data 16.3.2015, Página 2.) (Grifei.)

Desse modo, para fins do art. 31, II, da Lei n. 9.096/95, prevalece o entendimento de que são vedadas as contribuições de recursos procedentes de autoridades, ou seja, daqueles ocupantes de cargos demissíveis ad nutum que exercem atividade de chefia ou de direção.

In casu, diversamente do que sustentado pelo recorrente, a declaração de inconstitucionalidade da legislação de criação dos cargos em questão não é capaz de conferir, por efeito automático, legalidade às doações realizadas.

Com efeito, primeiramente, o Órgão Especial do TJ-RS, ao julgar a inconstitucionalidade das leis municipais criadoras dos cargos em comissão, também modulou os efeitos da referida declaração, aplicando o art. 27 da Lei n. 9.868/99 analogicamente, para o fim de postergar sua eficácia para seis meses a contar da publicação daquele acórdão (fl. 186).

Tendo a decisão transitado em julgado em 27.10.2014 (fls. 188-189), observa-se que todas as doações foram realizadas em período no qual as nomeações devem ser consideradas válidas, ainda que em trâmite temporal para a plena nulidade.

Em segundo, mesmo que não houvesse tal modulação de efeitos, entendo cabível à espécie, em aplicação fundada na analogia iuris, a teoria da função de fato, extraída do Direito Administrativo. Nessa senda, apesar de existente uma irregularidade a vulnerar de forma originária a nomeação ou investidura do agente público, seus atos devem ser tidos como válidos e regulares.

Nesse sentido, a doação deve ser reputada como proveniente de agente público detentor de cargo exonerável ad nutum de chefia ou direção. Isso porque as doações foram realizadas sob a égide da presunção de legalidade e de constitucionalidade das nomeações e, nesse contexto, foram utilizadas como meio de arrecadação pela agremiação, com violação à norma eleitoral.

Além disso, à época, tanto os doadores quanto o partido beneficiário e a Administração Municipal ignoravam os vícios que inquinavam as nomeações, não sendo aceitável que a eventualidade de uma nulificação posterior sirva de instrumento convalidatório de contrariedades à norma eleitoral, sob pena de desvirtuamento dos fins visados pela lei eleitoral e pelo próprio sistema de controle concentrado de constitucionalidade.

Portanto, é lídimo concluir que houve transgressão aos vetores axiológicos da igualdade entre os partidos, da liberdade dos contribuintes e da não utilização de cargos públicos como meio de locupletamento partidário – escopos da proteção carreada pelo art. 31, II, da Lei n. 9.096/95 –, independentemente da sorte alcançada posteriormente pelo fundamento de validade daquelas nomeações.

Por fim, ressalto que, segundo a jurisprudência do TSE, o recebimento de recursos de fonte vedada é irregularidade capaz de ensejar, por si só, a desaprovação das contas (TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 14022, Acórdão de 11.11.2014, Relator Min. GILMAR MENDES, DJE de 05.12.2014):

PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DECISÕES. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO. DOAÇÕES. OCUPANTES CARGO DE DIREÇÃO OU CHEFIA. AUTORIDADE. VEDAÇÃO. ART. 31, II, DA LEI Nº 9.096/95.

1. Para fins da vedação prevista no art. 31, II, da Lei n. 9.096/95, o conceito de autoridade pública deve abranger aqueles que, filiados ou não a partidos políticos, exerçam cargo de direção ou chefia na Administração Pública direta ou indireta, não sendo admissível, por outro lado, que a contribuição seja cobrada mediante desconto automático na folha de pagamento. Precedentes.

2. Constatado o recebimento de valores provenientes de fonte vedada, a agremiação deve proceder à devolução da quantia recebida aos cofres públicos, consoante previsto no art. 28 da Resolução TSE n. 21.841/2004.

Recurso especial desprovido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 4930, Acórdão de 11.11.2014, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 219, Data 20.11.2014, Página 27.)

Por oportuno, cumpre, de ofício, corrigir erro material evidenciado no dispositivo sentencial, consistente em equívoco na soma dos valores a serem recolhidos pelo partido, pela incidência do art. 28, inc. II, da Resolução TSE n. 21.841/04, os quais totalizam R$ 61.406,31 e não R$ 60.406,31. Consoante bem explanado na manifestação ministerial, tratando-se de mera retificação de soma, não havendo trânsito em julgado, a correção do erro material é possível a qualquer momento.

Nesse trilhar, ainda, cabe anotar que esta Corte havia firmado entendimento no sentido da destinação de tais valores ao Fundo Partidário, em conformidade com o disposto nos arts. 6º e 28 da Resolução TSE n. 21.841/04, aplicável ao mérito das contas relativas a exercícios financeiros anteriores a 2015.

Todavia, a partir de consulta formulada pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (CTA 116-75.2015.6.00.0000/MG, respondida em 16.02.2016), o egrégio Tribunal Superior Eleitoral abordou o tema e posicionou-se no sentido de que tais verbas devem ser destinadas ao Tesouro Nacional, nos termos do disposto na Resolução TSE n. 23.464/15, conforme ementa que transcrevo:

CONSULTA RECEBIDA COMO PROCESSO ADMINISTRATIVO. RECUPERAÇÃO DE CRÉDITOS DA UNIÃO DECORRENTES DE DESAPROVAÇÃO DE CONTAS PARTIDÁRIAS. ILEGITIMIDADE DA PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL. CARÁTER JURISDICIONAL DO PROCESSO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. PROCEDIMENTO. ART. 61 DA RESOLUÇÃO-TSE N° 23.464/2015. COMPETÊNCIA DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. MATÉRIA DEVIDAMENTE REGULAMENTADA.

1. Consulta feita pelo TRE, recebida como processo administrativo devido à relevância da matéria.

2. À época dos fatos, as regras que regiam os procedimentos atinentes ao recolhimento de recursos oriundos de fonte vedada ou de origem não identificada, decorrentes da desaprovação de contas partidárias, encontravam-se dispostas na Res.-TSE n° 23.432/2014 - editada por esta Corte Superior para regulamentar a matéria após a alteração promovida pela Lei n° 12.034/2009, a qual acrescentou o § 6º ao art. 37 da Lei n. 9.096/95, conferindo caráter jurisdicional aos procedimentos de prestação de contas.

3. Atualmente, tais regras encontram-se dispostas na Res.-TSE n. 23.464, de 17, de dezembro de 2015.

4. O entendimento insculpido na Res.-TSE n° 23.126/2009, que dava aos referidos recursos o tratamento destinado a multas eleitorais, cuja competência para cobrança mediante execução fiscal é da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, foi superado pela nova regulamentação em comento.

5. O recebimento direto ou indireto de recursos nas condições acima delineadas implicará ao órgão partidário o recolhimento do montante irregular ao Tesouro Nacional, mediante Guia de Recolhimento da União (CRU), e, não havendo o devido recolhimento, a execução do julgado será da competência da Advocacia-Geral da União.

Assim, conforme já decidiu esta Corte por ocasião do julgamento da PC 72-42, de minha relatoria, julgado em 04.5.2016, os recursos oriundos de fontes vedadas, glosados na presente prestação de contas, devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

No tocante à suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, plausível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, conforme vem sendo adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE/SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de cotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei 9.096/95 – consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.8.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 180, Data 19.9.2013, Página 71.) (Grifei.)

Desse modo, a agremiação recebeu recursos de fonte vedada que totalizaram 73% do montante de R$ 84.055,98 arrecadado, afigurando-se adequada a pena de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário por seis meses, conforme aplicada na sentença recorrida.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, corrigindo, de ofício, o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional ao patamar de R$ 61.406,31 (sessenta e um mil, quatrocentos e seis reais com trinta e um centavos).