RE - 3749 - Sessão: 10/03/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão do Juízo da 150ª Zona Eleitoral – Capão da Canoa – o qual julgou improcedente representação por doação acima do limite legal ajuizada contra QUARTIER ATLÂNTIDA PARTICIPAÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA., com sede no município de Atlântida (fls. 92-100).

Em suas razões, alega que a prova indica a ocorrência de excesso de doação, pela recorrida, durante as eleições gerais do ano de 2014, em desobediência ao então vigente art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97  (fls. 110-115).

Com as contrarrazões (fls. 121-132), os autos foram encaminhados à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo provimento do recurso (fls. 142-144v.).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso é tempestivo. Presentes os demais requisitos de admissibilidade, é de ser conhecido.

Mérito

Considerando que a irresignação do Ministério Público Eleitoral versa sobre a ocorrência/inocorrência de excesso de doação realizado por pessoa jurídica, necessário um esclarecimento inicial.

A Lei n. 13.165, de 29.9.2015, revogou, em seu art. 15, o então vigente art. 81 da Lei n. 9.504/97, comando permissivo de doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, desde que obedientes até o limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior ao da eleição.

Assim, a presente introdução se presta a esclarecer: a análise do recurso terá, como premissa, a aplicação da legislação vigente à época dos fatos, ou seja, o art. 81 da Lei n. 9.504/97. Daí, verificado excesso ao limite de 2%, ficará o doador sujeito às consequências previstas nos §§ 2º e 3º do comando.

Cito precedentes desta Corte pela aplicação da lei da época dos fatos, seja em relação à suspensão das quotas do Fundo Partidário, seja na questão relativa aos doadores originários, de relatorias do Des. Paulo Roberto Lessa Franz e do Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, respectivamente:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Arts. 4º, caput e 14, inc. II, “n”, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014.

A abertura de conta bancária é obrigatória, independentemente de ter havido movimentação financeira no período. Falha de natureza grave que impede a apresentação de extratos bancários correlatos, os quais são imprescindíveis para demonstrar a origem e a destinação dada aos recursos financeiros, bem como para comprovar a alegada ausência de movimentação financeira. Irregularidade insuperável, a comprometer, modo substancial, a fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral.

As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/15, que deram nova redação ao art. 37 da Lei n. 9.096/95, suprimindo a sanção de suspensão de novas contas do Fundo Partidário, não têm aplicação retroativa aos fatos ocorridos antes da sua vigência.

Redimensionamento, de ofício, do quantum de suspensão das quotas, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Provimento negado.

(RE n. 31-80.2015.6.21.0008, julgado em 8 de outubro de 2015.)

 

Prestação de contas de candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.406/14. Eleições 2014.

Arrecadação de recursos sem a emissão de recibo eleitoral; despesas com combustível sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos ou publicidade com carro de som; divergências e inconsistências entre os dados dos fornecedores lançados na prestação de contas e as informações constantes na base de dados da Receita Federal; pagamentos em espécie sem a constituição do Fundo de Caixa; pagamento de despesa sem que o valor tivesse transitado na conta de campanha; inconsistência na identificação de doador originário.

Conjunto de falhas que comprometem a transparência e a regularidade da contabilidade apresentada. Entendimento deste Tribunal, no sentido da não retroatividade das novas regras estabelecidas pela Lei n. 13.165/15, permanecendo hígida a eficácia dos dispositivos da Resolução TSE n. 23.406/14. A ausência de discriminação do doador originário impossibilita a fiscalização das reais fontes de financiamento da campanha eleitoral, devendo o recurso de origem não identificada ser transferido ao Tesouro Nacional. Desaprovação.

(PC n. 2066-71.2014.6.21.0000, julgado em 20 de outubro de 2015.)

Além, friso que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, no julgamento da ADI n. 4650, sendo que, naquela ocasião, os efeitos foram modulados de forma que a eficácia da decisão foi projetada para as vindouras eleições de 2016.

Ao caso propriamente dito.

A norma de regência das doações por pessoas jurídicas tinha a seguinte redação:

Art. 81 As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de 5 a 10 vezes a quantia em excesso.

§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa.

Na sentença, o juízo de origem entendeu por julgar improcedente a demanda:

[...]

Analisando os documentos acostados aos autos, verifica-se que a representada constou nas informações encaminhadas pela Receita Federal com a verificação das doações de pessoas físicas e jurídicas que extrapolaram, em tese, o limite legal nas eleições gerais de 2014.

Os documentos de fls. 11-13 demonstram que a pessoa jurídica representada realizou doação estimável no montante de R$ 4.000,00 (quatro mil reais).

Ainda, as informações obtidas junto à Receita Federal do Brasil em virtude da quebra do sigilo fiscal, apontam faturamento bruto da empresa no Ano-calendário 2013 no valor de R$ 63.333,00 (sessenta e três mil trezentos e trinta e três reais).

Diante do quadro descrito, caracterizado estaria o excesso na doação realizada.

Contudo, na contestação, a demandada informou ter recebido também no ano de 2013 o valor de R$ R$ 484.778,86 (quatrocentos e oitenta e quatro mil setecentos e setenta e oito reais com oitenta e seis centavos), correspondente a dividendos auferidos com a participação em outras empresas, o que restou comprovado pela declaração prestada pelo contador da empresa (fl. 60).

A declaração prestada pelo contador da empresa não foi atacada pelo representante, que se limitou a questionar o fato de os dividendos não terem constado da declaração de imposto da pessoa jurídica.

Quanto a falta de informação dos rendimentos não tributáveis à Receita Federal, no caso, dividendos recebidos em função de participações societárias, tal questão refoge à competência da Justiça Eleitoral.

Eventual ilegalidade na omissão dos rendimentos não tributáveis na declaração de imposto da pessoa jurídica deverá ser apurada pelo Ministério Público em expediente próprio, cabendo ao fiscal tomar as providências que entender cabíveis.

Portanto, restou demonstrado que o faturamento bruto total da representada no ano-calendário 2013 foi de R$ 548.111,86 (quinhentos e quarenta e oito mil cento e onze reais com oitenta e seis centavos).

Importa sublinhar que, para fins eleitorais, não é relevante saber se o faturamento está ou não sujeito à tributação, bastando tão somente identificar o faturamento bruto, tal como determinava o art. 81, § 1º, I, da Lei n. 9.504/97, hoje revogado pela Lei n. 13.165/15.

O que a legislação exigia é que a pessoa jurídica não realizasse doações superiores a dois por cento do seu faturamento bruto.

Entendendo que o conceito de faturamento bruto deve abranger a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica doadora, o seguinte julgado do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul:

Representação. Doação para campanha acima do limite legal. Pessoa jurídica. Eleições 2006. Alegada inexistência de receita no ano anterior ao pleito, contrariando o disposto no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97.

Preliminares afastadas. Competência das Cortes Regionais, nas eleições gerais, para processo e julgamento de representações com base na referida lei. Claro o interesse de agir do Ministério Público Federal, mesmo após a diplomação, uma vez que a demanda não objetiva a cassação de diploma de candidato, mas a discussão sobre a regularidade da doação. Preservação dos princípios do impulso oficial e da imparcialidade, pois a prova não foi produzida pelo TSE, mas decorre de intercâmbio de dados públicos entre a Justiça e a Secretaria da Receita Federal. Licitude, assim, da peça probatória colhida junto a órgão fazendário, sobretudo quando expressamente prevista a troca de elementos para exame de infrações ao disposto no art. 81 da Lei das Eleições.

Necessidade de compreensão extensiva do conceito de “faturamento bruto” no contexto da legislação discutida, abrangendo a totalidade das receitas auferidas pela doadora, independentemente de sua classificação contábil. Distinção, desta forma, do emprego dado ao termo pela Receita Federal para fins tributários, razão pela qual, em função dos distintos critérios, aceitam-se outras provas acerca do rendimento bruto da representada. Demonstração suficiente, pelo contrato social, da condição de empresa holding e da receita efetivamente alcançada por ela no ano de 2005, evidenciando capacidade financeira para a doação impugnada. Improcedência.

(RECURSO - REPRESENTAÇÃO n. 993, Acórdão de 12.11.2009, Relatora DRA. ANA BEATRIZ ISER, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 199, Data 26.11.2009, Página 2.) (Grifei.)

Conforme o contrato social (fls. 53-57) a empresa ora representada tem como objeto participações societárias. O resultado positivo em tais participações deve ser incluído para fins de verificação de seu faturamento total.

Tendo a doadora obtido faturamento correspondente à quantia de R$ 548.111,86 (quinhentos e quarenta e oito mil cento e onze reais com oitenta e seis centavos), poderia ter doado até R$ 10.962,23 (dez mil novecentos e sessenta e dois reais com vinte e três centavos).

Logo, a doação realizada no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) não extrapolou o limite legal.

Ante o exposto, julgo improcedente a presente representação, porquanto a doação realizada ateve-se aos limites impostos pela legislação eleitoral.

E o Ministério Público Eleitoral recorre da decisão por não concordar com os termos da sentença.

Demonstra irresignação, em síntese, contra o fato de ter sido considerado, na decisão de 1º grau, o valor declarado pelo contador da recorrida – R$ 548.111,86, e não o faturamento bruto declarado também pela recorrida no ano de 2013 perante a Receita Federal – R$ 63.333,00 (fl. 37).

Aduz, ainda, que a alegação defensiva – no sentido de um conceito ampliado de faturamento bruto – não se sustenta, pois ela equivale ao de receita bruta, e não se confunde com o resultado do balanço anual da empresa. Pondera que o documento apresentado por ocasião da defesa foi omitido do órgão oficial de controle tributário, e teria sido apresentado à Justiça Eleitoral apenas com o propósito de afastar a responsabilidade da infração eleitoral. Apresenta jurisprudência.

Em contrarrazões, a recorrida afirma que não se trata de grupo econômico; indica que o Ministério Público Eleitoral não impugnou o documento da fl. 60, pertencente à contabilidade da empresa. Entende que o valor de R$ 548.111,86 é aquele que melhor reflete a soma das receitas das atividades típicas da empresa e, portanto, comprova o faturamento bruto. Ressalta a descrição das atividades – OUTRAS SOCIEDADES DE PARTICIPAÇÃO EXCETO HOLDINGS 64.63-8-00, entre outros –, circunstância permissiva para que receba dividendos de outras empresas, os quais compõem o seu faturamento bruto anual. Ainda, posiciona-se por uma interpretação não restritiva do termo faturamento, nem tanto importando a sua classificação contábil, mas sim o conjunto de atividades exercidas, independente do ramo empresarial. Nessa linha, destaca que à Receita Federal do Brasil caberia apenas os valores que são tributáveis, ou seja, os que lhe interessam. Indica jurisprudência.

Ao caso posto.

O cerne da análise é a consideração dos valores declarados à Receita Federal do Brasil, pela recorrida, R$ 63.333,00 (como pretendido pelo Ministério Público Eleitoral), ou, modo diverso, a quantia apontada pelo profissional contábil da empresa – R$ 548.111,86 (como pretende a recorrida, e feito pelo juízo a quo), para fins de verificação de obediência/desobediência aos limites das (então permitidas) doações de pessoas jurídicas.

De início, friso a diferença de limites das duas cifras:

a) R$ 63.333,00: Teto de doação R$ 1.266,66;

b) R$ 548.111,86: Teto de doação R$ 10.962,24.

Pois bem.

As doações eleitorais feitas por pessoas jurídicas sempre causaram controvérsia na doutrina e na jurisprudência. Penso que a vedação de tal conduta trata-se de inegável progresso, assim já me manifestei em votos anteriores.

Antecipo: o recurso está a merecer provimento.

Para tanto, vejo como fundamentais dois aspectos.

O primeiro, o fato da representada ter, perante o órgão oficial da Receita Federal do Brasil, omitido rendimentos de razoável porte. No ponto, posiciono-me diferentemente do r. Juízo de 1º Grau.

A questão diz respeito, sim, à Justiça Eleitoral, a partir do momento em que foi trazida pela própria recorrida.

Nessa linha, o art. 25, § 4º, II, da Resolução TSE n. 23.406/14:

Art. 25. As doações de que trata esta Seção ficam limitadas:

[…]

§ 4º A verificação dos limites de doação observará as seguintes disposições:

[…]

II – a Receita Federal do Brasil fará o cruzamento dos valores doados com os rendimentos de pessoa física e o faturamento de pessoa jurídica e, apurando indício de excesso, fará, até 31.03.2015, a devida comunicação ao Ministério Público Eleitoral, a quem incumbirá propor representação, solicitando a quebra do sigilo fiscal ao juiz eleitoral competente.

Além, trago como motivo, também, o convênio firmado pela Justiça Eleitoral com a Receita Federal do Brasil, pois toda e qualquer renda deve ser declarada à Receita, seja ela tributável ou não. Aliás, vejo a questão da incidência ou não incidência de tributação como periférica para o deslinde do processo e, portanto, será assim analisada.

Daí, não é razoável que, perante a Receita Federal, a recorrida declare alguns rendimentos e, para fins de doação a campanhas eleitorais, deseje que outro valor seja considerado.

Note-se que, a partir do mandamento da Resolução TSE n. 23.406/14, no sentido do batimento de dados pela Receita Federal, havendo até um convênio para tanto, perdem força as discussões semânticas acerca das expressões “faturamento”, “receita bruta” e outras, nas searas Tributária e Eleitoral: se, em eleições anteriores, havia dúvidas, e os julgadores eram forçados a percorrer esse nebuloso terreno (daí a existência de julgados oscilantes, decididos sempre por maioria, como a RP n. 150, de 01.12.2009, do TRE-MG, e o Recurso Eleitoral n. 13-36, de 7.5.2013, deste TRE-RS), fato é que a Resolução relativa às eleições de 2014 esclareceu as circunstâncias de validade das informações prestadas, pelos doadores eleitorais, à Receita Federal do Brasil.

Aliás, essa situação deve ser diferenciada, também, da (estranha) circunstância de, na Receita Federal, ter sido declarado um valor e, posteriormente, com o fito de elevar o limite de doação a campanhas eleitorais, a doadora ter apresentado uma declaração contábil, de cunho particular.

Não se trata de ignorar o documento trazido pela recorrida aos autos, anexo I, mas sim de conferir a ele o devido peso, sobremodo se confrontado com informações também prestadas pela recorrida – todavia perante um órgão oficial, a Receita Federal do Brasil, conveniado com a Justiça Eleitoral.

E, relativamente à RP n. 150, do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, citada pela recorrida na defesa e nas contrarrazões do recurso, cabe uma observação.

O excerto colacionado nas contrarrazões advém da ementa do julgado, sintético por definição. Contudo, o trecho do voto vencedor (divergência conduzida pelo Juiz Ricardo Rabelo) parte de uma premissa importante, qual seja, a utilização, pelo legislador eleitoral, da sistemática de apuração e arrecadação do imposto de renda, e sua função instrumental, sem que seja possível ao aplicador do direito ampliá-la para além do papel de base de cálculo para fins de doação de campanha:

[…]

Em verdade, a expressão “rendimentos brutos” utilizada pelo legislador eleitoral agasalha conceito de natureza tributária, associado principalmente à sistemática de apuração e arrecadação do imposto de renda. Entretanto, a utilização de tal conceito deve se dar nos exatos termos estabelecidos pela legislação eleitoral, não podendo o aplicador do direito pretender ampliá-lo para além de sua função instrumental de simples base de cálculo para fins de doação de campanha. Ou seja, ao intérprete é vedado transportar para o regime jurídico eleitoral conceitos e conclusões tributárias, haja vista simplesmente a inexistência de expressa autorização legal.

Esse o caso.

Não se pretende, aqui, alargar ou estreitar conceitos de “faturamento”, “receita bruta” e quejandos – realmente não cabe ao julgador eleitoral assim proceder. Cabe, sim, utilizar os dados - fornecidos pela própria empresa doadora perante a Receita Federal - para fins de cálculo de limite para doação eleitoral.

Ainda assim, e adentrando à questão (nem tão relevante ao caso posto) sobre os conceitos de faturamento e receita bruta, cumpre apresentar a jurisprudência mais recente sobre o tema, bastante esclarecedora. Trata-se de julgado em que o Tribunal Superior Eleitoral assentou posicionamento de que os conglomerados empresariais, sejam eles integrantes ou não de holdings, devem receber tratamento idêntico aos das demais empresas, para fins de limite de doação a campanhas eleitorais:

ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. AUSÊNCIA. ATAQUE. FUNDAMENTO. SÚMULA 182 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. As razões do regimental devem voltar-se contra a fundamentação do decisum, sob pena de incidir a Súmula 182 do Superior Tribunal de Justiça: "É inviável o agravo do Art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada".

2. A alegação de que não se trata de consórcio de empresas, mas de sistema de holding, condição esta que lhe favoreceria por ter o faturamento bruto mais amplo do que o avaliado pelo TRE, é desimportante porque o art. 81 da Lei n. 9.504/97 não concede a esse tipo empresarial o privilégio de, em detrimento das demais, realizar doação considerando sua participação no lucro das outras empresas.

3. Esta Corte Superior decidiu que "o limite de 2% (dois por cento) deve ser calculado sobre o faturamento bruto das pessoas jurídicas, isoladamente, não abrangendo os grupos empresariais, que, apesar de possuírem interesses comuns, são, em regra, entes despersonalizados e sem patrimônio próprio"

4. A prova carreada aos autos deve ser considerada lícita, como concluiu o Regional; o contrário somente ocorreria se colhida mediante quebra do sigilo fiscal sem autorização judicial prévia, e esta, no caso, foi concedida por meio de liminar em ação cautelar.

5. Dissídio jurisprudencial não demonstrado.

6. Agravo regimental desprovido.

(AgR-REspe n. 147-40/MG, DJe 22.10.2013, Relator Ministro DIAS TOFFOLI.)

A questão é, ao final, de pura lógica. Senão, vejamos.

Acaso fossem permitidas, ainda que em tese, doações eleitorais com base em participações em outras empresas, haveria um privilégio não previsto em lei para as entidades empresariais atuantes sob tal mecanismo. Os grupos poderiam, ao final, doar acima do limite de 2% do respectivo faturamento total.

E, daí, a transparência das doações seria afetada, bem como eventuais abusos do poder econômico poderiam ser disfarçados.

Explico. Trago situação hipotética, por clareza.

Vamos cogitar que uma empresa (“A”) tenha participação em outras duas empresas (“B” e “C”).

As empresas “B” e “C” efetivamente doaram para campanhas eleitorais no limite de seus faturamentos, 2%. Tendo faturado, cada uma, R$ 100.000,00, doaram, também cada uma, R$ 2.000,00.

A empresa “A”, por seu turno, doou R$ 3.000,00. Contudo, apresentou faturamento de R$ 100.000,00 à Receita Federal do Brasil. Nos termos legais, poderia ter doado apenas R$ 2.000,00, assim como as empresas “B” e “C”.

Daí, identificada a suposta irregularidade, a empresa “A” foi demandada por doação acima do limite e, em sua defesa, alega que recebe, além dos valores declarados à Receita Federal, participações nos lucros das empresas “B” e “C”, no montante de R$ 50.000,00, o que viabilizaria a doação dos R$ 3.000,00.

Ocorre, entretanto, que estes valores decorrentes das participações em outras empresas, não declarados, já compuseram base de cálculo de doação eleitoral, efetivadas pelas empresas “B” e “C”.

Ou seja, os mesmos R$ 50.000,00, que suportaram originariamente as doações das empresas “B” e “C”, viriam a suportar uma segunda doação a campanha eleitoral, agora de parte da empresa “A”.

Inadmissível.

E, note-se, o exemplo chega a ser simplório. Resta facilitada a tarefa de projetar, em um sistema mais complexo de participações societárias, uma espiral perversa de participações e mais participações, de forma que um mesmo valor, um mesmo rendimento (ou faturamento, ou renda bruta, aqui pouco importa) venha a ser utilizado por várias empresas, em várias doações eleitorais, em manobra que evitaria a transparência e facilitaria o abuso do poder econômico, como já citado.

Repete-se: foi utilizado um exemplo hipotético, pois não há notícia nos autos de que as empresas, nas quais a recorrida tem participação societária, tenham doado para campanhas eleitorais.

Contudo e de qualquer maneira, o exemplo mostra o quão nebulosa a situação se torna, em se admitindo doações com suporte em valores não declarados à Receita Federal do Brasil.

Finalmente, deixo de aplicar a proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público, conforme reiterada jurisprudência desta Corte.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso do Ministério Público Eleitoral, para julgar procedente a representação e aplicar à recorrida, QUARTIER ATLÂNTIDA PARTICIPAÇÕES E INCORPORAÇÕES LTDA., multa no montante de R$ 13.666,70 (treze mil seiscentos e sessenta e seis reais e setenta centavos), cinco vezes o valor do excesso de R$ 2.733,34 (dois mil setecentos e trinta e três reais e trinta e quatro centavos), patamar mínimo legal, conforme o art. 81 da Lei n. 9.504/97, vigente à época dos fatos.