PET - 17493 - Sessão: 14/04/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de pedido de decretação de perda de cargo eletivo ajuizado pelo PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO em desfavor de JORGE TAMIR AZEVEDO RAMOS.

Resumidamente, asseverou que o requerido pertencia aos quadros do PMDB de Três Coroas e que, em 24 de setembro de 2015, comunicou sua desfiliação partidária sem apresentar justa causa, de forma que o ato não se enquadraria em qualquer das hipóteses legais para a manutenção do cargo eletivo de parte do requerido, eis que obtido com o apoio do quociente partidário. Postulou medida liminar para afastamento imediato do demandado, bem como a procedência da ação com a decretação da perda do mandato parlamentar (fls. 02-20).

A liminar foi indeferida, conforme despacho constante às fls. 22-23.

Em defesa, JORGE TAMIR aduz que os fundamentos de sua desfiliação são precedidos por fatos do panorama político local. Indica sua filiação ao PMDB de Três Coroas no ano de 2004, tendo sido eleito nos anos de 2008 e 2012 para o cargo de vereador daquele município. Entende ter sido eleito por mérito próprio.

Ainda, sustenta que a desfiliação tem respaldo nos incisos III e IV do § 1º do art. 1º da Resolução TSE n. 22.610/07, ou seja, mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação pessoal sofrida.

Referiu embates internos na sigla partidária, a partir de discussões acerca da ocupação de cargos comissionados por correligionários e da aquisição de um automóvel pelo Poder Executivo municipal, também do PMDB, situações nas quais teria se posicionado de forma contrária à maioria e, portanto, desencadeado um processo de desalinhamento político interno. Aponta ter sido excluído da participação em solenidades e ameaçado de que não comporia a nominata de candidatos ao cargo de vereador nas eleições vindouras. Salienta que a Comissão de Ética não teria efetivado a sua expulsão com vistas, exatamente, a propor a presente demanda quando ele viesse a se desfiliar. Juntou documentos e elaborou pedidos, em conjunto com a improcedência da ação.

Procedeu-se à coleta de prova oral.

Encerrada a instrução, as partes apresentaram alegações finais, reiterando seus argumentos.

O r. Procurador Regional Eleitoral se manifestou pela procedência da ação.

É o relatório.

 

VOTO

A ação foi proposta tempestivamente. A norma de regência prevê a necessidade de ajuizamento dentro de trinta dias a contar da desfiliação. No caso, o peticionamento inicial obedece à regra, tendo em vista que o protocolo ocorreu em 21 de outubro de 2015, e deve ser considerada a data de 24 de setembro de 2015 como aquela em que ocorrida a desfiliação de JORGE TAMIR.

Com a presença das demais condições da ação, passo ao exame de mérito.

Mérito

De início, cabe salientar que a Resolução TSE n. 22.610/07 decorre de reflexão jurisprudencial, iniciada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, quando da interpretação dos contornos e desdobramentos que se pudessem emprestar aos arts. 14, § 3º, V, e 55, I a VI, da Constituição Federal.

O debate, na época, partia de algumas premissas. A principal delas foi resumida pelo então Ministro Eros Grau, qual seja, "a de que o abandono de legenda enseja a extinção do mandato do parlamentar, ressalvadas situações específicas, tais como mudanças na ideologia do partido ou perseguições políticas, a serem definidas e apreciadas caso a caso pelo Tribunal Superior Eleitoral" (STF, MS n. 22602, de 17.10.08, Relator Ministro Eros Roberto Grau).

Assim, a Resolução TSE n. 22.610/07 foi gerada com fundamento no art. 23, XVIII, do Código Eleitoral, e em cumprimento ao determinado pelo Plenário do STF, abarcando tanto aspectos procedimentais quanto questões de direito substancial (o grifo é proposital) e que estejam relacionadas à perda de mandato eletivo por infidelidade partidária.

Daí, tenho que é dela que se extraem as situações específicas que podem, a despeito da migração partidária, justificar que o detentor do mandato eletivo possa conservar o cargo, ainda que em sigla partidária distinta daquela pela qual obteve a consagração nas urnas.

São, na verdade, exceções, uma vez que a regra posta é que o mandato conquistado em eleição proporcional pertence ao partido político que obteve a vaga quando do pleito.

E os motivos são claros. Em 27 de maio de 2015, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n. 5081, de relatoria do Ministro Barroso, bem definiu o tema. Ainda que estivesse a tratar, no caso concreto, de desfiliação de detentora de cargo majoritário, apontou o regime a ser aplicado aos ocupantes de cargos obtidos via eleição proporcional. Peço atenção ao item número 2 da ementa:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ELEITORAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÃO Nº 22.610/2007 DO TSE. INAPLICABILIDADE DA REGRA DE PERDA DO MANDATO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA AO SISTEMA ELEITORAL MAJORITÁRIO. 1. Cabimento da ação. Nas ADIs 3.999/DF e 4.086/DF, discutiu-se o alcance do poder regulamentar da Justiça Eleitoral e sua competência para dispor acerca da perda de mandatos eletivos. O ponto central discutido na presente ação é totalmente diverso: saber se é legítima a extensão da regra da fidelidade partidária aos candidatos eleitos pelo sistema majoritário. 2. As decisões nos Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604 tiveram como pano de fundo o sistema proporcional, que é adotado para a eleição de deputados federais, estaduais e vereadores. As características do sistema proporcional, com sua ênfase nos votos obtidos pelos partidos, tornam a fidelidade partidária importante para garantir que as opções políticas feitas pelo eleitor no momento da eleição sejam minimamente preservadas. Daí a legitimidade de se decretar a perda do mandato do candidato que abandona a legenda pela qual se elegeu. 3. O sistema majoritário, adotado para a eleição de presidente, governador, prefeito e senador, tem lógica e dinâmica diversas da do sistema proporcional. As características do sistema majoritário, com sua ênfase na figura do candidato, fazem com que a perda do mandato, no caso de mudança de partido, frustre a vontade do eleitor e vulnere a soberania popular (CF, art. 1º, parágrafo único; e art. 14, caput). 4. Procedência do pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade.

E o caso sob análise apenas comprova a tese albergada pela excelsa Corte, eis que JORGE TAMIR, não obstante defenda ter obtido votações significativas, jamais alcançou, sozinho, o quociente eleitoral da vaga de vereador para o Legislativo de Três Coroas.

Postas tais premissas, há que se analisar as circunstâncias ocorridas no caso concreto e se elas podem se enquadrar nas exceções legais ou caracterizam hipótese de infidelidade partidária.

Aqui, antecipo: no que concerne à justa causa pela grave discriminação pessoal, a jurisprudência se dirigiu no sentido de exigir que a configuração desse fato extrapole aos meros dissabores, embates e enfrentamentos comuns à vida intrapartidária.

Essa, aliás, a leitura que a jurisprudência tem realizado nos últimos anos, como a que tomou o egrégio TRE de Minas Gerais ao asseverar que "questões de meros conflitos internos não podem ser consideradas como justa causa, já que, no mundo político, a divergência é fato trivial entre membros de uma mesma legenda". (TRE-MG, Petição n. 263, Ac. de 27.04.2010, Rel. Benjamin Alves Rabello Filho).

Portanto, a caracterização de uma discriminação grave o suficiente para justificar a saída do partido "exige a individualização de atos que indiquem a segregação ou preterição do parlamentar por motivos injustos, não razoáveis ou preconceituosos que tornem insustentável a permanência do mandatário na agremiação" (TRE-SP, Avulso n. 5196, Ac. de 06.09.2011, Rel. Alceu Penteado Navarro).

É por isso que o "mero aborrecimento ou perda de espaço político, no âmbito da agremiação partidária, não estão elencadas dentre aquelas hipóteses de justa causa previstas no art. 1º, § 1º, da Resolução TSE n. 22.610/07" (TRE-RJ, Req n. 554, Ac. nº 36.061 de 16.09.2008, Rel. Paulo Troccoli Neto).

Também "pequenas insatisfações do parlamentar não podem servir como justificativa para mudança do partido político" (TRE-RJ, Pet 38.886, Relator Luiz Márcio Vitor Alves Pereira, j. em 14.06.10).

Assim, se excluem da justa causa pela grave discriminação aquelas situações decorrentes dos embates políticos, uma vez que a "existência de divergências políticas é natural no âmbito da disputa partidária" (TRE-RJ, Req. nº 578, Ac. nº 34.879 de 04/08/2008, Rel. Márcio André Mendes Costa).

Em relação à justa causa elencada como mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, já explicitou esta Corte que é imprescindível para sua configuração "que haja alterações no estatuto do partido que mudem substancialmente seus programas e ideologia" (TRE-RS, Processo n.1032007, Rel. Des Federal Vilson Darós, j. em 06.05.2008).

Idêntica posição adotada pelo TRE-MG, o qual sublinha que "a literalidade da Resolução não deixa dúvidas de que a mudança ou desvio capaz de justificar a desfiliação há de atingir o programa partidário" (TRE-MG, Pet nº 263, Ac. de 27.04.2010, Rel. Benjamin Alves Rabello Filho).

Note-se que nem mesmo a mudança sobre temas polêmicos satisfaz o requisito normativo, "porquanto a alteração de posicionamento do partido em relação à matéria polêmica dentro da própria agremiação não constitui, isoladamente, justa causa para desfiliação partidária". (TSE, Petição n. 3019, Ac. de 25.08.2010, Relator Min. Aldir Guimarães Passarinho Junior).

A jurisprudência já entendeu que o "descontentamento com as decisões tomadas pela agremiação, assim como a troca de sigla partidária como estratégia eleitoral para assegurar candidatura nas próximas eleições, não estão relacionadas entre as causas justificadoras de desfiliação, no rol taxativo do art. 1º da Resolução TSE n. 22.610/2007" (TRE-SC, Processo n. 584, Ac. n. 22310 de 30.07.2008, Rel. Oscar Juvêncio Borges Neto).

Também não se qualifica na excludente a formação de coligações porque a "aliança entre partidos outrora opositores não configura a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário" (TRE-CE, Exp. n. 11732, Ac. n. 11732 de 25.11.2008, Rel. Haroldo Correia De Oliveira Máximo).

Essa massa de julgados, claro está, tratou de situações semelhantes à posta no presente processo. Da análise da matéria fática trazida aos autos, verifica-se que não houve a configuração de quaisquer das excludentes alegadas pelos requeridos – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação pessoal. Houve discussões acerca de cargos comissionados e funções gratificadas, compra de automóvel, políticas de incentivo a empresas. Tanto a resposta quanto as alegações finais do requerido JORGE TAMIR demonstram discordâncias relativamente a políticas públicas. Sua voz era dissonante do resto do partido do qual se desfiliou, o PMDB de Três Coroas.

Daí, essa dissonância culminou na sua exclusão da nominata do Diretório Municipal no mês de junho de 2015, não tendo sido escolhido para integrar a Diretoria Executiva.

Mas isso, bem claro, não pode ser considerado grave discriminação, assim como outra circunstância, relativa ao apoio de JORGE TAMIR para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito cujo objeto seria investigar pagamentos alegadamente irregulares a empresas instaladas no município de Três Coroas. Ele, de fato, votou em sentido contrário ao que poderia se concluir como de interesse do PMDB, exercendo o papel de vereador livremente.

Contudo, não se extrai dos autos qualquer demonstração objetiva de que tenha havido retaliação ao seu voto na referida questão.

Ainda, incorporo ao presente voto a análise procedida pelo douto Procurador Eleitoral, nos seguintes termos, e as tomo como razões de decidir:

Na espécie, embora existam indícios de discordâncias e oposição do requerido em relação à atuação do Executivo Municipal, que é ocupado pelo PMDB, não se logrou comprovar que esses fatos tenham gerado grave discriminação pessoal em desfavor do demandado, a ponto de tornar inviável a permanência nos quadros da agremiação pela qual foi eleito.

Além disso, o requerido referiu que, em virtude de sua postura de oposição, perdeu espaço dentro do partido, antevendo obstáculos criados por outros integrantes do PMDB para lançar-se a uma próxima candidatura. Ocorre que, neste ponto, de acordo com a jurisprudência sedimentada pelo TSE, a divergência entre filiados partidários com o objetivo de alcançar projeção política não constitui justa causa para desfiliação (PET 2756/DF, Rel Min. José Delgado, DJe de 2.5.2008)

Com essas considerações, não caracterizada seja a "grave discriminação", seja a "mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário", vê-se que o requerido não logrou cobrir-se de justa causa que legitimasse o seu desligamento do partido.

Assim, merece guarida o pedido do requerente, no sentido de recuperar a vaga parlamentar.

Nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a vaga deve ser preenchida pelo primeiro suplente do partido, ainda que tenha composto coligação nas eleições pretéritas.

Diante de todo o exposto, voto para julgar PROCEDENTE o pedido promovido pelo PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – PMDB DE TRÊS COROAS, decretando a perda do mandato eletivo de JORGE TAMIR AZEVEDO RAMOS, com execução imediata do presente acórdão, nos termos do que dispõe o art. 10 da Resolução n. 22.610/07 do TSE.

Comunique-se a presente decisão à mesa da Câmara Municipal de Três Coroas para o devido cumprimento, devendo assumir a respectiva cadeira o primeiro suplente eleito do PMDB nas eleições de 2012, conforme consta no resultado oficial divulgado pela Justiça Eleitoral naquele pleito.

 

Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz:

Peço vista dos autos.

(Os demais julgadores aguardam o voto-vista.)