Ag/Rg - 7878 - Sessão: 03/03/2016 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe agravo regimental contra decisão monocrática que, nos autos da prestação de contas apresentada pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB relativa ao exercício financeiro de 2014, determinou a exclusão dos dirigentes partidários do feito, mantendo apenas a agremiação como parte (fls. 288-290).

Em suas razões, alega que as contas foram prestadas após a data em vigor da Resolução TSE n. 23.432/14, motivo pelo qual deve ser observado o procedimento previsto na nova regulamentação. Sustenta que os dirigentes partidários devem ser intimados a prestar contas e a sanar as eventuais impropriedades e irregularidades apontadas pelo órgão técnico, porque este é um direito deles. Alega que o TSE não tem realizado a citação dos responsáveis pelas contas nos casos em que os processos já estão suficientemente instruídos e aptos a serem julgados, o que não ocorre na hipótese dos autos. Afirma que a intimação e a citação dos responsáveis não caracteriza uma sanção, mas se traduz em direito à ampla defesa e ao contraditório, direito que deve ser assegurado sob pena de futura alegação de nulidade. Assevera que a nova resolução apenas criou procedimento atinente à defesa dos dirigentes, não havendo alteração do julgamento do mérito pela adoção das suas novas disposições. Aponta que o art. 37 da Lei n. 9.096/95 já previa a responsabilização dos dirigentes do partido pelas contas partidárias. De igual modo, assinala que o art. 20, § 2º, da Resolução TSE n. 21.841/04 previa a intimação dos ex-dirigentes partidários para que complementassem informações ou sanassem irregularidades nas contas. Invoca os arts. 18, 20, 28, inc. III, e 33, todos da Resolução TSE n. 21.841/04. Colaciona diversos precedentes jurisprudenciais que amparariam sua tese. Requer o provimento do recurso para o fim de serem mantidos os responsáveis no feito, nos termos da Resolução TSE n. 23.432/14 (fls. 311-318).

É o relatório.

 

VOTO

O presente agravo regimental é regular, tempestivo e comporta conhecimento, sendo o instrumento adequado para atacar a decisão monocrática recorrida.

Inicialmente, ressalto que, embora o agravo regimental tenha sido interposto com base na Resolução TSE n. 23.432/14, a norma encontra-se atualmente revogada pela Resolução TSE n. 23.464/15.

No mérito, desde a publicação das novas regras sobre as contas partidárias, inicialmente trazidas pela Resolução TSE n. 23.432/14 e, mais recentemente, pela Resolução TSE n. 23.464/15, este Tribunal tem envidado esforços para adequar os processos de prestação de contas de exercícios anteriores à vigência das referidas normas, que tramitavam com base na Resolução TSE n. 21.841/04, ao novo rito previsto, que prevê fases e procedimentos até então inexistentes nas contas partidárias.

No presente caso, as contas prestadas são relativas ao exercício financeiro do ano de 2014 e, embora tenham sido apresentadas em 2015, foram instruídas com base nos documentos previstos na Resolução TSE n. 21.841/04, que vigorava durante o exercício de 2014 e até então regulava as finanças partidárias.

Nesse sentido, de se ressaltar o fato de que, já na vigência da primeira resolução alteradora da disciplina relativa às contas partidárias, Resolução TSE n. 23.432/14, o TSE publicou a Portaria n. 107, de 4 de março de 2015, que dispõe sobre a apresentação das prestações de contas partidárias anuais pelos diretórios nacionais dos partidos políticos, relativas ao exercício de 2014 e aos anteriores ainda não entregues à Justiça Eleitoral, determinando que as contas sejam prestadas com as peças e documentos previstos na Resolução TSE n. 21.841/04.

Contudo, por força do § 1º do art. 67 da Resolução TSE n. 23.432/14 (reproduzido pelo § 1º do art. 65 da Res. TSE n. 23.464/15), que determina a aplicação imediata das novas disposições processuais aos processos de prestação de contas, este Tribunal adotou os novos procedimentos desde o início do processamento das contas relativas ao exercício de 2014, no que diz respeito à tramitação.

No curso da tramitação dos processos relativos aos exercícios anteriores ao de 2014, a formação do litisconsórcio entre partido e dirigentes pareceu colidir com outra disposição prevista nas novas normas, que diz respeito ao princípio basilar da segurança jurídica e da estabilidade das relações processuais: As disposições previstas nesta Resolução não atingirão o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2015 (art. 67 da Res. TSE n. 23.432/14, e 65 da Res. TSE n. 23.464/15).

Por esse motivo, determinei a exclusão dos responsáveis da autuação do feito, decisão contra a qual se insurge a Procuradoria Regional Eleitoral.

A ausência de litisconsórcio entre dirigentes e partido político, em processos de prestação de contas partidária anterior ao exercício de 2015 está assentada neste Tribunal:

Agravo Regimental. Prestação de contas. Partido político. Exercício financeiro de 2014.

Interposição contra decisão monocrática que determinou a exclusão do feito dos responsáveis pela administração financeira da agremiação partidária. Alegada aplicabilidade imediata das disposições processuais da Resolução TSE n. 23.432/14, a qual institui mudanças de procedimentos, como a formação de litisconsórcio necessário entre partido e dirigentes.

Previsão inserida no caput do artigo 67 da aludida resolução, estabelecendo que as normas de natureza material somente se aplicam às prestações relativas aos exercícios financeiros a partir de 2015. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações processuais, uma vez que a Resolução TSE n. 23.432/14 altera o entendimento quanto à responsabilização dos dirigentes partidários, estabelecendo a regra da responsabilidade solidária, onde aqueles passam a responder de forma concomitante ao partido político pelas irregularidades contábeis, podendo figurar no mesmo título executivo como devedores solidários.

Tratando-se a determinação da inclusão dos responsáveis nos processos de prestação de contas partidárias como norma de natureza material, inaplicável ao caso concreto a nova orientação, subsistindo as disposições da Resolução TSE n. 21.841/04.

Provimento negado.

(Agravo Regimental n. 90-92, rel. Dr. Hamilton Langaro Dipp. DEJERS de 27.8.2015, n. 156, p. 3).

Considera-se que as novas regras alteraram a forma de responsabilização dos dirigentes partidários pelas irregularidades constatadas nas contas dos partidos, e que esta disposição diz respeito ao direito material e não ao direito processual.

A Resolução TSE n. 21.841/04 disciplinava essa matéria seguindo as regras da responsabilização supletiva ou subsidiária, com notificação dos dirigentes para recolhimento de valores apenas no caso de inadimplemento do partido, nos exatos termos do caput e § 1º do seu art. 34.

Agora, o TSE estabeleceu a regra da responsabilidade solidária, considerando os dirigentes como partes no processo. Havendo determinação de recolhimento de valores ao Tesouro, são eles reputados devedores solidários com a agremiação, sujeitando-se à cobrança por meio do cumprimento de sentença nos próprios autos, nos termos dos arts. 475-I e seguintes do atual Código de Processo Civil.

O estudo dessas disposições evidencia uma inegável alteração da natureza da responsabilidade, que se reflete diretamente no exame do mérito das contas, extrapolando o conteúdo processual das disposições que devem ter aplicação imediata.

É cediço que a responsabilidade civil pelas contas partidárias é inerente à função assumida pelos dirigentes da agremiação, que devem estar cientes da sua responsabilidade pela gestão dos recursos do partido, bem como do dever de responder por irregularidades constatadas na prestação de contas apresentada.

Tanto é assim que, ainda que não façam parte da relação processual da presente prestação de contas, processo que possui natureza de jurisdição voluntária, os responsáveis pela administração dos recursos movimentados pelo partido durante o exercício sujeitam-se a responder, na esfera cível, à eventual ação de improbidade administrativa pela má aplicação dos recursos públicos provenientes do Fundo Partidário, assim como são passíveis de responder, no âmbito criminal, à eventual denúncia penal por ofensa à fé pública eleitoral.

Mas a inteligência de que a inovação regulamentar trouxe alteração significativa no plano jurídico, ao prever a formação de litisconsórcio necessário entre os responsáveis pelas contas e o partido político, coloca em dúvida a validade da aplicação da nova regra em processos relativos a exercícios anteriores a sua vigência, como ocorre no caso em tela.

Em tema de direito processual intertemporal, prevalece o princípio do tempus regit actum. Diante disso, concluo que a apuração da responsabilidade dos dirigentes partidários, com a imputação de obrigação solidária pelo pagamento de valores e sujeição à cobrança por meio de execução de sentença, são disposições de mérito que não devem ser aplicadas às prestações de contas de exercícios financeiros anteriores à publicação da nova resolução.

Ademais, eventual condenação pessoal dos gestores das finanças partidárias, em prestação de contas relativa a exercício anterior à nova resolução, poderia sugerir afronta ao postulado da segurança jurídica, enquanto expressão do Estado Democrático de Direito, princípio que se projeta sobre a estabilidade das relações jurídicas.

Todas essas questões demonstram que, longe de ser mera regra processual, a inclusão dos responsáveis como partes nas contas é matéria de mérito que não deve ser imediatamente aplicada aos processos de exercícios anteriores ao de 2015.

Esse entendimento de forma alguma poderia caracterizar malferimento dos princípios da ampla defesa e do contraditório, pois, se não serão alcançados pela decisão judicial que julgar a presente prestação de contas, não há porque os responsáveis exercerem o contraditório nos autos, restando a eles assegurado o postulado da segurança jurídica, o que não importa prejuízo nem reflete nulidade do feito.

Acrescento que, no dia 14.8.2015, o Supremo Tribunal Federal noticiou em seu site, na internet, que em 7 de agosto, o Partido Democrático Trabalhista – PDT ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5362, contra o dispositivo da Resolução n. 23.432/14, que prevê a responsabilização e punição dos dirigentes partidários. Na ADI, o partido alega que a inclusão de terceiro, no processo, fere os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, e que, ao estabelecer punição ou consequência, a norma invade competência legislativa e adentra em questão de alçada do Congresso Nacional. O Relator da ADI n. 5362 é o Ministro Gilmar Mendes.

Por fim, anoto que o Tribunal Superior Eleitoral, nos autos AI n. 476-10.2015.600.0000, interposto pela Procuradoria Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, em face de decisão análoga prolatada por este Relator (PC n. 79-63), assentou que é incabível o recurso em separado de decisão interlocutória prolatada nos autos de prestação de contas, uma vez que não põe fim ao processo, e seu conteúdo pode ser atacado por ocasião do recurso contra a decisão de mérito:

Anote-se que este Tribunal não admite a recorribilidade em separado das decisões interlocutórias. Assim, temos, na verdade, uma recorribilidade diferida, tendo em vista que a matéria exposta - exclusão de litisconsorte - poderá ser suscitada por ocasião de eventual interposição de recurso contra a decisão definitiva da Corte Regional.

(AI - Agravo de Instrumento n. 47610, Decisão monocrática de 10.12.2015, Relatora Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico - 14.12.2015, Página 109-111).

Forte nessas razões, VOTO pelo desprovimento do agravo regimental.

Considerando a manifestação do prestador (fls. 296-304) acerca do exame efetuado pelo órgão técnico (fls. 272-276), encaminhem-se os autos à Secretaria de Controle Interno e Auditoria.