RE - 4074 - Sessão: 15/06/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por WRTR PATRIMONIAL LTDA., pessoa jurídica de direito privado, contra decisão do juízo da 159ª Zona Eleitoral, que julgou procedente a representação por doação acima do limite estabelecido no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a recorrente.

A ação foi ajuizada com fundamento na informação de que a representada doou R$ 27.500,00 à campanha eleitoral de 2014, mas obteve faturamento bruto de R$ 298.328,17 no ano-calendário 2013, excedendo o limite legal (fl. 54/Anexo I).

Em sua defesa, a requerida impugnou a documentação apresentada pela Receita Federal, com o argumento de que obteve, no exercício, lucro líquido de R$ 745.000,00 conforme declarado ao Fisco (DIPJ à fl. 38/Anexo I). Sustentou ter faturado, no ano de 2013, a quantia de R$ 413.000,00 com aluguéis de imóveis, além de ter auferido rendimento operacional decorrente de ativos patrimoniais que não foram declarados à Receita Federal em razão de não sofrerem incidência de imposto de renda. Juntou documentação demonstrando rendimentos brutos na ordem de R$ 1.277.455,62. Afirmou que o valor excedente ao limite legal representou apenas 0,16% de excesso, percentual abaixo do limite de 10% do valor de isenção de declaração de imposto de renda. Alegou, ainda, ser integrante de um grupo econômico que possui, na sua composição social, quatro empresas, cujo faturamento comporta a doação realizada. Requereu a produção de prova testemunhal e, ao final, a improcedência da ação com base nos princípios da insignificância, da proporcionalidade e da razoabilidade. Alternativamente, fosse aplicada a multa mínima sem as demais penalidades (fls. 67-80 e documentos às fls. 81-96).

Ato contínuo, a representada complementou a peça defensiva esclarecendo que, na informação de rendimentos fornecida pela Receita Federal, não foram considerados os valores recebidos no último trimestre do ano de 2013, circunstância que elevaria a sua renda para R$ 412.551,84. Além dessa quantia, afirma ter recebido o valor de R$ 700.000,00, decorrente de uma desapropriação imobiliária e, também, o montante de R$ 350.000,00, referente à venda de um imóvel, totalizando rendimento bruto no valor de R$ 1.277.572,33. Sustentou que tais valores podem integrar o faturamento bruto porque o objeto do seu contrato social é administrar, comercializar e locar imóveis (fls. 98-102 e novos documentos às fls. 103-110 e 137-146 dos autos principais e 111-136 do Anexo I).

Após a juntada das peças defensivas, os autos foram remetidos com vista ao Ministério Público Eleitoral, que apresentou alegações finais (fls. 148-152), acompanhadas de parecer técnico contábil (fls. 153-154v.). O documento considerou válidos os dados que não constaram na declaração de imposto de renda da pessoa jurídica, e que comprovam a existência de renda superior à declarada, e apontou haver aparente divergência entre o faturamento constante nos documentos e o declarado pela defesa, sugerindo a intimação da representada para esclarecimentos.

Conclusos os autos, foi prolatada sentença que acolheu o parecer técnico contábil elaborado pelo Ministério Público Eleitoral e a tese defensiva, no sentido de que a representada obteve faturamento superior ao declarado à Receita Federal. O juízo a quo considerou que a representada auferiu, no exercício de 2013, rendimentos brutos no total de R$ 1.277.455,62, incorrendo em excesso de doação no valor de R$ 1.950,89, razão pela qual condenou a ora recorrente ao pagamento de multa de R$ 9.754,45, correspondente ao patamar mínimo de cinco vezes o valor excedido (fls. 157-161).

Contra a decisão, a representada opôs embargos declaratórios, apontando ausência de manifestação sobre o pedido de coleta de prova oral, e cerceamento de defesa, em face da falta de observância do rito previsto no art. 22, VI, da Lei Complementar n. 64/90, devido à não abertura de prazo para a defesa apresentar alegações finais (fls. 168-170).

Os embargos declaratórios foram rejeitados (fl. 172).

Irresignada, a representada interpõe o presente recurso, suscitando a preliminar de cerceamento de defesa devido à ausência de manifestação judicial acerca do pedido de realização de prova testemunhal, e da falta de abertura de prazo para alegações finais defensivas. No mérito, alega ter faturado, no exercício, rendimentos brutos no valor de R$ 1.990.124,17, circunstância que seria demonstrada no curso da instrução processual mediante prova testemunhal. Requer o provimento do recurso, para o fim de ser declarada nula a sentença e, alternativamente, a reforma da decisão, considerando-se legal a doação realizada ou, em caso de entendimento diverso, a aplicação do princípio da insignificância (fls. 178-185). Juntou novo documento, com a relação de faturamento do exercício (fl. 186).

O Ministério Público Eleitoral apresentou contrarrazões (fls. 190-192), e o feito foi remetido a este Tribunal.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral exarou parecer acompanhado de novo exame técnico contábil (fls. 207-209). Opinou, preliminarmente, pela anulação da sentença, em face de erro no cálculo da soma dos valores que conduziram à quantia considerada como o faturamento bruto do exercício, circunstância que teria afetado a verdade real no processo, pois a conta judicial alcançou valor a menor. Além disso, manifestou-se pelo não conhecimento do recurso, ao argumento de que a representada incorreu em inovação recursal ao fornecer nova documentação e considerações a fim de demonstrar o acréscimo do seu faturamento bruto, concluindo por estar prejudicado o mérito recursal. Superadas as preliminares, no mérito, a Procuradoria Regional Eleitoral concluiu que o faturamento bruto da recorrida totalizou patamar inferior ao consignado na sentença, e apontou a impossibilidade de majoração do valor da multa condenatória, em face do princípio da non reformatio in pejus, concluindo pelo desprovimento do recurso, com manutenção da sentença (fls. 202-206).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A recorrente foi intimada da decisão que rejeitou os embargos de declaração no dia 17.12.2015 (fl. 174), e interpôs o recurso no dia 21.01.2016, primeiro dia subsequente ao recesso forense, nos termos da Portaria n. 270-2015.

Passo ao exame das preliminares suscitadas: a) cerceamento de defesa devido à falta de apreciação do pedido de produção de prova testemunhal; b) cerceamento de defesa decorrente da ausência de abertura de prazo para apresentação de alegações finais defensivas; c) nulidade da sentença, em face de erro no cálculo da soma dos valores relativos aos rendimentos brutos da empresa, equívoco que conduziu à apuração de quantia inferior à que deveria ser considerada; d) não conhecimento do recurso devido à inovação recursal por juntada de nova documentação que demonstraria acréscimo no faturamento bruto da recorrente.

a) Cerceamento de defesa devido à falta de apreciação do pedido de produção de prova testemunhal

A recorrente alega ofensa à ampla defesa e ao contraditório devido ao juízo a quo ter deixado de apreciar seu pedido de produção de prova oral. Sustenta que a prova era imprescindível e que sua realização demonstraria acréscimo de renda bruta, pois arrolou como testemunha um contador.

O exame dos autos demonstra que, efetivamente, a defesa requereu a oitiva de testemunha, arrolada à fl. 80, não tendo sido apreciado o seu pedido durante a instrução processual.

Após prolatada a sentença, foram opostos embargos de declaração (fls. 168-170), dirigidos especificamente à omissão judicial, recurso que foi rejeitado sem manifestação quanto ao pedido de prova oral (fl. 172).

A despeito do juiz a quo não ter se manifestado acerca do pedido de produção de prova testemunhal, há jurisprudência sedimentada no âmbito desta Corte e também no TSE, no sentido de que a matéria versada em representações eleitorais por doação acima do limite legal é exclusivamente de direito, podendo o contraditório ser fundamentado exclusivamente em prova documental:

Recurso. Procedência de representação por doação acima do limite legal. Pessoa jurídica. Condenação ao pagamento de multa e proibição de participar de licitações com o Poder Público. Declarada ainda, a inelegibilidade, por oito anos, do administrador da instituição. Matéria preliminar afastada. Inexistência de cerceamento de defesa ou de prejuízo aos recorrentes no indeferimento de prova testemunhal. Amplo acervo documental apto à formação do convencimento do magistrado. Aplicação subsidiária da norma disposta no art. 330 do Código de Processo Civil. Licitude da prova extraída do relatório de cruzamento de dados entre a Justiça Eleitoral e a Secretaria da Receita Federal para instrução de procedimentos judiciais. Quebra de sigilo fiscal requerido em sede de representação eleitoral com provimento judicial para obtenção dos dados. Tese defensiva alegando a inserção da empresa doadora em suposto grupo econômico que reuniria as condições financeiras para suportar o valor impugnado. Ente carente de personalidade jurídica própria e impossibilitado de realizar doações, razão pela qual o parâmetro utilizado deve ser apenas o faturamento vinculado ao CNPJ da empresa doadora. Ultrapassados os limites impostos pelo art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97, que restringe a doação a dois por cento do faturamento bruto auferido pela pessoa jurídica no ano anterior à eleição, há incidência objetiva de sanção eleitoral. Manutenção das sanções econômicas pois congruentes com a conduta praticada e os valores envolvidos. Afastada, outrossim, a sanção de inelegibilidade imposta ao recorrente. Provimento parcial.

(TRE-RS - RE 7210 RS, Relator DR. ARTUR DOS SANTOS E ALMEIDA, Data de Julgamento: 26.6.2012, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 112, Data 28.6.2012, Página 2).

Além disso, não subsiste a alegação de prejuízo devido à ausência de oitiva do contador da empresa, pois o excesso de doação deve ser calculado com base na renda bruta declarada à Receita Federal pela pessoa jurídica representada.

No caso dos autos, embora a sentença recorrida tenha divergido da jurisprudência sobre a matéria, realizando uma composição de valores, com base em dados que não constaram na declaração de rendimentos do exercício, para o fim de calcular a renda bruta da recorrente, permanece o entendimento de que a prova oral é desnecessária ao cálculo da renda bruta.

O entendimento predominante é o de que não pode ser considerado, para fins de apuração de renda bruta, dados que não constem na declaração de imposto de renda apresentada à Receita Federal, sob pena de legitimar sonegação de dados ao Fisco.

Aliás, para a declaração de imposto de renda de pessoa jurídica, sequer importa se determinada importância representa, ou não, acréscimo de renda bruta, ou se acarretará a cobrança de impostos, pois a declaração deve ser completa.

Se há acréscimo patrimonial não contabilizado da declaração transmitida à Receita Federal, a recomendação é de que a empresa realize a pertinente retificação de dados, com as consequências dela decorrentes.

Dessa forma, desnecessária a produção de prova testemunhal, pois a ausência de instrução não configura cerceamento de defesa, merecendo ser desacolhida a preliminar.

b) Cerceamento de defesa decorrente da ausência de abertura de prazo para apresentação de alegações finais defensivas

A análise do processo demonstra que, de fato, houve prejuízo à ampla defesa e ao contraditório em razão da ausência de abertura de prazo para a defesa manifestar-se sobre a prova pericial produzida pelo Ministério Público Eleitoral, relativa ao parecer técnico contábil que fundamentou a condenação, devido à falta de abertura da fase de alegações finais.

O prejuízo resta evidenciado pela prolação de sentença condenatória fundada na referida prova técnica, consistente em detalhada análise do faturamento bruto da ora recorrente.

De acordo com o art. 81, § 4º, da Lei n. 9.504/97, dispositivo que embora esteja atualmente revogado, disciplina a matéria ao tempo em que era permitida a doação de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais, o feito deve seguir o rito previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64/90. No procedimento, há expressa previsão (inc. X) de que, após encerrado o prazo da dilação probatória, “as partes, inclusive o Ministério Público, poderão apresentar alegações no prazo comum de 2 (dois) dias”.

Assim, ainda que o representante não tivesse juntado aos autos novos documentos, deveria ser oportunizado à representada a apresentação de alegações finais defensivas.

A intimação apenas do Ministério Público Eleitoral, enquanto autor da ação, causou flagrante desequilíbrio à igualdade processual, ao contraditório e ao devido processo legal.

Com idêntico entendimento, colaciono precedente do TSE no qual foram anulados todos os atos processuais praticados após as alegações finais apresentadas pelo Ministério Público Eleitoral:

ELEIÇÕES 2012. RECURSOS ESPECIAIS. QUERELA NULLITATIS INSANABILIS. CABIMENTO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. OFERECIMENTO. PRAZO. ALEGAÇÕES FINAIS. REPRESENTADO. AUSÊNCIA. NOTIFICAÇÃO. SENTENÇA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. VIOLAÇÃO. SÚMULA Nº 283/STF. INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO. 1. É de rigor a impugnação a cada um dos fundamentos autônomos adotados pela Corte Regional, sob pena de subsistirem as suas conclusões. Súmula nº 283/STF. In casu, não foi atacado o fundamento segundo o qual o próprio MPE, autor da representação, pugnou pela sua improcedência e, portanto, renunciou ao direito sobre o qual se fundava a ação. 2. "A relativização da coisa julgada é admissível, ao menos em tese, apenas nas situações em que se evidencia colisão entre direitos fundamentais, fazendo-se uma ponderação dos bens envolvidos, com vistas a resolver o conflito e buscar a prevalência daquele direito que represente a proteção a um bem jurídico maior. Precedentes." (REspe nº 9679-04, Rel. Min. Nancy Andrighi, de 8.5.2012). 3. Na espécie, é plenamente cabível a relativização da coisa julgada, haja vista que, conforme delineado na moldura fática do acórdão regional, o processo alusivo à doação acima do limite legal, cuja sentença se busca tornar inexistente, porquanto eivada de vício transrescisório, não tramitou dentro da normalidade, em virtude da violação aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, os quais possuem envergadura constitucional. 4. Recursos a que se nega provimento.

(TSE - REspe 27081 PB, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Data de Julgamento: 24.6.2014, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 159, Data 27.8.2014, Página 55-56).

No caso concreto, a questão ganha relevo à medida que houve divergência até mesmo no cálculo considerado pelo juízo a quo.

Nesses termos, a sentença deve ser anulada, devendo o feito baixar à origem para processamento em conformidade com o previsto no art. 22 da LC n. 64/90, a fim de que seja oportunizada à representada a abertura de prazo para apresentação de alegações finais.

Consequentemente, restam prejudicadas as preliminares arguidas pela Procuradoria Regional Eleitoral pertinentes ao erro no cálculo sentencial que apurou soma de valores da renda bruta da empresa e de inovação recursal decorrente da juntada de novos dados sobre faturamento bruto.

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da prefacial de cerceamento de defesa suscitada pela recorrente com fundamento na ausência de produção de prova testemunhal, e pelo acolhimento da prefacial quanto à falta de abertura de prazo para apresentação de alegações finais defensivas, para o fim de anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para que seja observada a fase prevista no art. 22, inc. X, da LC n. 64/90, devendo o juízo a quo, após regular tramitação do feito, prolatar nova decisão conforme entender de direito, restando prejudicada a análise das prefaciais aduzidas pela Procuradoria Regional Eleitoral.