RC - 7928 - Sessão: 27/04/2016 às 17:00

(Revisora)

Eminentes colegas:

Peço vênia ao nobre relator para divergir quanto à absolvição de JOSÉ NERY CORRÊA PEREIRA. Isso porque, na condição de revisora, tive acesso ao caderno probatório e cheguei à conclusão que a sentença monocrática, que condenou a ambos recorrentes, não está a merecer reparos.

Os fatos podem ser divisados com nitidez: a contratação de transporte para cerca de 25 eleitores (fl. 37), realizada por SANDRO GODOY PEREIRA, filho de JOSÉ NERY CORRÊA PEREIRA, candidato à reeleição ao cargo de vereador, e a carona oferecida por este último a um casal de eleitores.

A investigação judicial levada a cabo e os depoimentos colhidos judicialmente impressionam pela sua coerência, e dão conta do esquema organizado pelo pai (JOSÉ NERY, também conhecido como “Gringo”) e pelo filho (SANDRO GODOY) no transporte à margem da lei.

A contratação do ônibus que levou eleitores de Caxias do Sul para Barra do Quaraí restou sobejamente comprovada nos autos, seja pelo auto de apreensão do ônibus pela Brigada Militar, a pedido da promotora local (fls. 25-26); seja pelo contrato de serviço em nome de SANDRO GODOY, ou, ainda, pela tentativa de JOSÉ NERY CORRÊA PEREIRA JÚNIOR, outro filho do candidato e irmão de SANDRO, de subtrair aludido contrato, quando manuseava os autos na Delegacia de Polícia, na condição de advogado das partes, o que lhe rendeu o auto de prisão em flagrante (fl. 05, Ap. 4), a nota de culpa da fl. 57 (Ap. 1) e a suspensão condicional do processo.

Mas o que mais impressiona são os depoimentos dos passageiros, dando conta de que se tratava de verdadeira “excursão eleitoral”, além da distribuição de “santinhos” do candidato JOSÉ NERY e a presença do próprio filho, que contratou o transporte, tentando arregimentar eleitores, chamando alguns passageiros para conversas paralelas no trajeto de ida.

A acusação que pesa sobre JOSÉ NERY CORRÊA PEREIRA diz respeito a ter providenciado a um casal de idosos – Sr. Aristóteles e Sra. Maria Fátima – carona de retorno para a residência, no Uruguai.

Trago trechos dos depoimentos do aludido casal perante a autoridade judicial (fls. 11-12) :

RESPONDEU (Aristóteles): QUE na data de hoje veio a pé do povoado onde vive no Uruguai para votar em Barra do Quaraí; QUE veio a pé até esta cidade, acompanhado de sua companheira; QUE, após votar, por volta das 10 hs foi até o comitê de candidato a vereador, no local foi atendido por pessoa de prenome Gringo; Que não sabe quem é candidato a vereador naquele comitê; QUE Gringo lhe prometeu que iria transportá-lo de volta para sua residência; QUE permaneceu no comitê até que chegou no local uma pessoa que se identificou como Promotora de Justiça; QUE após ser indagado pela promotora falou que estava lá para ser transportado; […] Que tomou conhecimento através do próprio Gringo que lá estavam fazendo transporte de eleitores; QUE neste ato aponta para propaganda do candidato a vereador Gringo, número 45543, sendo que reconhece como sendo ele quem lhe prometeu transporte [...].

RESPONDEU (Maria Fátima): QUE acompanhou seu companheiro Aristóteles para ele votar nesta cidade de Barra do Quaraí; QUE, após votar, a depoente e Aristóteles localizaram o Comitê do candidato Gringo; […]; QUE presenciou a ocasião em que Gringo prometeu para a depoente e seu marido que os transportariam […]; QUE permaneceram no comitê aguardando o transporte até a chegada de uma mulher que os trouxe até este Batalhão.

Ainda que Maria Fátima não seja eleitora, pois tem nacionalidade uruguaia, seu depoimento confirma o teor da versão de Aristóteles, de que estavam aguardando transporte oferecido pelo candidato (Gringo) no dia da eleição.

Liguem-se os pontos e o que aparece com extrema clareza: de um lado o pai, candidato, organizando transporte de eleitores no interior do seu comitê eleitoral; de outro lado, seu filho, que estava no interior de um ônibus, por ele fretado, para transporte de eleitores e, por último, o outro filho do candidato, tentando anular qualquer prova que viesse a incriminar a família, fazendo uso de meios ilícitos inclusive (subtração de documentos), não obstante a sua condição de advogado.

Entendo que o conjunto probatório coligido aos autos traz confiabilidade e certeza do ato praticado. Estou convencida da ilicitude das condutas perpetradas pelos recorrentes. Não vejo como condenar o filho e inocentar o pai.

A propósito, essa Corte enfrentou um caso recente de transporte de eleitores, RE 5315, de relatoria também do Dr. Leonardo, tendo eu, também naquela ocasião, proferido voto divergente, já que a meu sentir estava comprovado o fato ilícito, na qual fui acompanhada pelos demais colegas, e chamo atenção a esse julgado em razão do voto proferido pelo Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, no ponto em que aborda acerca do valor das provas indiciárias:

Cada contexto provocará cuidadosa ponderação das circunstâncias factuais e merecerá do juiz tratamento particular. Também por esse motivo, a conclusão de um julgador nem sempre será a mesma de outro.

O importante é deixar claro que o indício é, sim, meio de prova e, como tal, possui a aptidão necessária para, dentro de um contexto factual, embasar uma condenação.

Nesse sentido, o STF recentemente decidiu que “indícios e presunções, analisados à luz do princípio do livre convencimento, quando fortes, seguros, indutivos e não contrariados por contra indícios ou por prova direta, podem autorizar o juízo de culpa do agente” (AP 481, Relator Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 8.9.2011).

[…]

É sabido que nas manobras criminosas eleitorais os candidatos costumam utilizar-se de pessoas interpostas, deixando de atuar de forma direta na prática das condutas delituosas, o que torna muito difícil a individualização correta dos reais autores e partícipes. Assim, o postulante ao cargo político pode elaborar, organizar e dirigir a conduta criminosa sem, contudo, executá-la propriamente. Consequentemente, nos crimes eleitorais, em especial nos de boca de urna e trasporte de eleitores, depois de elaborar, organizar e dirigir as condutas, o candidato pode verificar a execução destas confortavelmente na poltrona de sua casa, em pleno domingo de eleição, aguardando o transcorrer do dia em que poderá sagrar-se eleito.

Por oportuno, reproduzo a análise procedida pela eminente julgadora singular, acerca do 1º Fato descrito na exordial acusatória:

Ora, as circunstâncias da prisão em flagrante já demonstram a prática ilícita por parte de José Nery, já que o casal de eleitores foi interpelado pela Promotora e esclareceu que estavam esperando o transporte para voltarem para casa e, note-se, esperando o transporte no comitê do denunciado e que o aludido transportador havia ido levar outros eleitores para casa, mas que quando retornassem os levariam para sua morada. Vale ressaltar que a proibição de transportar eleitores, sem as condições previstas no artigo 5º, inciso I a IV, da Lei 6091/74, atinge o dia que antecede, o dia da eleição até a sucessão do pleito, valendo dizer que é proibido o transporte para os que vão votar e para os que já votaram. Assim, tenho que necessário se faz reconhecer que o acusado José Nery praticou o ilícito eleitoral, na medida em que disponibilizou transporte a eleitores com o nítido propósito de angariar votos. Sobressaindo dos elementos contidos nos autos, a par da robustez das provas colhidas, a materialidade e a autoria do delito, consiste no transporte não autorizado de eleitores no dia da eleição, com comprovação, nos depoimentos colhidos nas fases policial e judicial, do qual se denota do contexto ter sido ele o mandando e o beneficiário da ilegalidade, resta, portanto, caracterizado o ilícito em questão pelo transporte não autorizado de eleitores, no dia da eleição, realizado no intuito de aliciar eleitores. Dessa forma, tenho que a condenação do réu é impositiva.

Por fim, cabe avaliar o pedido dos recorrentes, de substituição da pena restritiva de limitação de fim de semana por prestação de serviço à comunidade.

Plausível a substituição de uma pena restritiva de direitos por outra, razão pela qual acompanho o eminente relator, por ser medida mais adequada ao caso concreto e, até mesmo, para não discrepar de julgados dessa Casa, a exemplo do RC 6-91, de relatoria do Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, cuja pena de reclusão foi substituída por prestação pecuniária e prestação de serviço à comunidade.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso, ao efeito de acolher o pedido de substituição da pena restritiva de direitos de limitação de fim de semana por prestação de serviço à comunidade, em local a ser estabelecido pelo juízo de execução, restando mantidas as condenações dos recorrentes.

É como voto, Senhor Presidente.

 

(Após votar o relator, que dava parcial provimento ao recurso, votou a Dra. Gisele Azambuja, divergindo em parte, no que foi acompanhada pelo Dr. Silvio, pedindo vista o Des. Federal Paulo Afonso. Demais julgadores aguardam o voto-vista. Julgamento suspenso.)