RE - 2024 - Sessão: 19/04/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso interposto por R DE C NOGUEIRA - EPP contra a decisão do juízo da 114ª ZE – Porto Alegre, que julgou procedente representação por doação acima do limite legal, condenando a empresa ao pagamento da multa de R$ 75.000,00 (fls. 60-63).

A recorrente suscita, em preliminar, cerceamento de defesa, nulidade de notificação, e questiona a necessidade da quebra do sigilo fiscal e da decretação do segredo de justiça. No mérito, alega que devem ser somados os valores referentes ao faturamento da pessoa jurídica (R DE C NOGUEIRA – EPP, Empresa de Pequeno Porte, Empresário Individual) ao rendimento da pessoa física (Ricardo de Campos Nogueira) e aplicado o percentual de 10%, e não 2%. Aponta, ainda, erro material concernente ao valor da multa cominada pela julgadora singular (fls. 89-113).

Com as contrarrazões (fls. 135-137), os autos foram encaminhados à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual opina pela rejeição das preliminares, pelo não conhecimento do mérito, em face de inovação de tese jurídica em grau recursal, e pela correção, de ofício, de erro material na sentença, a fim de que seja retificado o valor da multa arbitrada, de R$ 75.000,00 para R$ 67.612,70 (fls. 146-148).

É o relatório.

VOTO

O apelo é tempestivo, razão pela qual dele conheço.

1. Alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/2015.

Cumpre esclarecer, de início, que esta Corte assentou entendimento de que as alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/2015, que revogaram o art. 81 da Lei n. 9.504/97, não têm aplicação aos fatos ocorridos antes da sua vigência.

2. Preliminares

2.1 Cerceamento de defesa

Sustenta que somente teve acesso aos autos um dia antes do fim do prazo recursal, circunstância que lhe teria causado prejuízo.

Registro que a recorrente opôs embargos de declaração à sentença, desacolhidos em decisão publicada no DEJERS (Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do RS) de 30.11.2015. Assim, o prazo para recurso teve início no dia 1º.12 (terça-feira), findando em 3.12.

O recurso foi protocolado tempestivamente, com a dedução de extensas e inúmeras razões em vinte laudas (fls. 89-113).

Sabe-se que à configuração do cerceamento de defesa é necessária a demonstração do prejuízo sofrido, bem como o nexo de causalidade entre este fato e sua tese defensiva. Como nenhuma das circunstâncias restou evidenciada, em verdade não houve cerceamento de sua defesa.

2.2 Nulidade de notificação

Argumenta que a carta de notificação recebida por AR, para apresentação de defesa, estava acompanhada tão somente da peça vestibular, sem as cópias dos documentos oferecidos junto com a inicial.

Os documentos que acompanham a representação são informações advindas da quebra de sigilo fiscal da empresa, em razão do deferimento da liminar pleiteada pela promotoria eleitoral.

De notar que, antes mesmo de ingressar com a representação, o Parquet notificou a empresa para apresentar os documentos fiscais, ocasião em que foram prestadas as informações das fls. 9-20 do Anexo 1.

Assim, havia conhecimento prévio dos documentos pela representada, além de estarem disponíveis para consulta no cartório eleitoral.

Tratando-se de mera irregularidade no ato citatório, que não comprometeu o exercício do direito de defesa e do contraditório por parte da recorrente, rejeito a prefacial.

Alega, também, que diante da inconsistência da peça vestibular não teve oportunidade de se manifestar quanto às razões de mérito.

Novamente não merece acolhida a tese delineada.

A representação foi instruída com documento indispensável à respectiva propositura, como bem assinalou a julgadora monocrática (fl. 61).

Entretanto, a peça defensiva deduziu apenas matérias preliminares, sem adentrar na questão de fundo, requerendo prazo à manifestação de mérito.

Consabido que as defesas processuais e materiais devem ser arguidas na contestação, à luz do art. 336 do CPC.

Assim, não procede a preliminar.

Por fim, a recorrente se insurge quanto à falta de intimação acerca da sentença. A decisão singular foi publicada no DEJERS de 06.11.15 (fls. 84-85), razão pela qual vai rejeitada a prefacial.

2.3 Da quebra do sigilo fiscal

A quebra do sigilo fiscal foi deferida pela magistrada, a pedido do Ministério Público Eleitoral.

A Resolução TSE n. 23.406/2014 autorizou, expressamente, que a Justiça Eleitoral possa solicitar à Receita Federal a relação de doadores que excederam o limite legal para doações, haja vista a sua função fiscalizatória.

Ademais, os dados específicos a respeito do faturamento da empresa, constantes do Anexo I, vieram aos autos devidamente amparados por decisão judicial autorizando o afastamento do sigilo fiscal (fl. 22).

Assim, não vislumbro qualquer indício de prova ilícita.

2.4 Da decretação e do levantamento do segredo de justiça.

A inconformidade reside quanto ao status sigiloso de documentos, ao argumento de ter impedido o acompanhamento da tramitação do processo.

Cabe referir que as informações – rendimentos/faturamentos brutos auferidos no ano-calendário de 2013, bem como o montante doado - estão acobertadas por sigilo fiscal.

O sistema de acompanhamento processual da Justiça Eleitoral é meramente informativo, cumprindo ao procurador da parte a consulta dos autos em cartório.

Afasto, portanto, todas as preliminares.

 

3. Mérito

A empresa recorrente apresenta tese jurídica em grau recursal, assinalando que, na condição de empresário individual, plausível o somatório dos rendimentos da EPP (R DE C NOGUEIRA) e da pessoa física (Ricardo de Campos Nogueira), com a aplicação do limite de doação em 10% sobre os rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição.

O Ministério Público Eleitoral opina pelo não conhecimento da tese, por ser inovadora, diante de supressão de instância.

De fato, o argumento trazido é novo, no entanto, não vejo óbice em examiná-lo, máxime sendo o Direito Eleitoral ramo do Direito Público e a matéria deduzida exclusivamente de direito.

Registro que a doutrina (Tiago Batista dos Santos) tem defendido que a negativa de conhecimento ao recurso, no todo ou em parte, sob a justificativa de inovação recursal, aparentemente gera conflito entre os princípios da ampla defesa e iura novit curia.

Para solver esse aparente choque de princípios, o intérprete deve dar prevalência àquele que melhor realize os objetivos do ordenamento jurídico.

Com o fito de harmonização desses dois princípios tem sido proposta o seguinte solução: em sede de instância originária, o princípio iura novit curia deve prevalecer sobre o princípio da ampla defesa, no sentido de que o julgador pode solver a lide utilizando fundamento jurídico não suscitado pelas partes; na instância revisora, o contrário, ou seja, prevalece o princípio da ampla defesa, o que gera o não conhecimento da argumentação inovadora.

Nesse sentido colaciono o seguinte precedente que, em sede ordinária, foi conhecida tese jurídica nova, sem que se possa cogitar de supressão de instância:

EMENTA - RECURSO ELEITORAL. AIJE. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. INTERESSE RECURSAL. PEDIDO INICIAL DE CONDENAÇÃO POR INFRAÇÃO AO ART. 73 DA LEI 9.504/97. RECURSO POR INFRAÇÃO AO ARTIGO 22, XIV, DA LC 64/90. DECISÃO DO TSE - CONHECIMENTO DO RECURSO. LC 64/90. LITISCONSÓRCIO PASSIVO COM O AGENTE PÚBLICO. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA FINALIDADE ELEITORAL E DA GRAVIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS. INEXISTÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS. ATO ABUSIVO NÃO CONFIGURADO. RECURSO DESPROVIDO.

1. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, não sendo possível a condenação pelas condutas descritas no art. 73 da Lei 9.504/97, objeto do pedido, é possível a análise da tese recursal de abuso de poder, prevista no art. 22, XIV da LC 64/90, o que não redunda em supressão de instância nem em cerceamento de defesa.

2. O art. 22 da LC 64/90 não faz qualquer menção à necessidade de formação de litisconsórcio entre o beneficiado e o agente público que supostamente contribuiu na prática da conduta abusiva.

3. A distribuição de vultuosa quantidade de passagens com fundamento em ações de saúde deve ter a finalidade eleitoral comprovada para que reste configurado ilícito a ser apurado nesta Justiça Especializada.

4. Não há abuso de poder quando o candidato apresentar, em sua propaganda eleitoral, as realizações de governo, já que esta ferramenta é inerente ao próprio debate desenvolvido em referida propaganda.

5. A mera alegação de que houve concessões de direito real de uso, com finalidade eleitoral, sem demonstração cabal de tais condutas, não é suficiente para que se caracterize o abuso de poder.

6. A continuidade de programa municipal de desenvolvimento econômico através do qual se concede direito real de uso a empresas não caracteriza abuso de poder se ausente a comprovação da finalidade eleitoral.

7. O direito de uso de bem imóvel concedido a título temporário a sindicato não configura abuso de poder quando não comprovada a gravidade e o impacto de tal conduta na campanha eleitoral.

8. Recurso desprovido.

(TRE/PR - RECURSO ELEITORAL nº 77719, Acórdão nº 49576 de 28/04/2015, Relator(a) RENATA ESTORILHO BAGANHA, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 04/05/2015 )


                          Assim, afasto a preliminar de não conhecimento do mérito recursal.

Com efeito, a empresa foi exitosa em demonstrar, no documento da fl. 126, sua situação cadastral como empresário individual. Tal circunstância já foi enfrentada em vários julgados desta Corte, restando assentado o entendimento de que o patrimônio do empresário individual confunde-se com o pessoal, de modo que corresponde a um só conjunto de bens, cujo domínio pertence à pessoa física.

A ilustrar, o RE 2894, de relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, julgado em 25 de setembro de 2014, com a seguinte ementa:

Recurso. Representação. Doação acima do limite legal. Pessoa física. Art. 23 da Lei 9504/97. Firma individual. Ausência de informação acerca dos rendimentos brutos. Eleições 2012.

A atividade de empresário individual exercida pelo doador não é causa de aquisição de personalidade jurídica distinta da pessoa física.

A doação de empresa individual tem por parâmetro as regras da doação efetuada por pessoa física. O limite é de dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição.

Ausente declaração anual de Imposto de Renda do doador aplica-se a presunção de que auferiu rendimentos no limite máximo para isenção da obrigação de declarar rendimentos ao Fisco. Doação que não extrapolou o valor limite estabelecido no art. 23, § 1º, I, da Lei n. 9.504/97. Provimento negado. (Grifei.)

 

Elucidativas as palavras de RUBENS REQUIÃO ao discorrer sobre o tema em comento:

(…) o comerciante singular, vale dizer, o empresário individual, é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civis, quer comerciais. A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para o efeito do imposto de renda (Curso de Direito Comercial, 1º vol., 14ª ed., pág. 64).

Portanto, a capacidade contributiva resulta no somatório dos rendimentos como pessoa física (fl. 131) - R$ 85.596,78 - e na condição de empresário individual (fl. 26) - R$ 73.873,23 -, o que totaliza R$ 159.470,01. Aplicável, na espécie, o percentual de 10%, previsto no art. 23, § 1º, I, da Lei 9.504/97, o que representa R$ 15.947,00. Como a doação foi de R$ 15.000,00, dentro do limite legal.

Prejudicada a análise de equívoco na apuração do quantum de multa atribuída pela juíza eleitoral, em face do provimento do apelo.

Diante do exposto, afasto as prefaciais, VOTO pelo provimento do recurso da R DE C NOGUEIRA – EPP, a fim de julgar improcedente a representação e afastar a multa imposta.

É o voto.