RE - 6831 - Sessão: 14/04/2016 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe recurso (fls. 46-52) contra decisão do Juízo da 1ª Zona Eleitoral – Porto Alegre – que julgou improcedente a representação por doação acima do limite legal interposta contra a empresa JOÃO DERLY ESPORTES LTDA., ao argumento de que o art. 81 da Lei n. 9.504/97 – o qual dispunha sobre a doação de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais – restou revogado pela alteração legislativa trazida pelo advento da Lei n. 13.165/15 (fl. 42 e verso).

Embora nas alegações finais o ente ministerial tenha se manifestado pela improcedência da ação com base na alteração legislativa, o Promotor Eleitoral retificou sua posição anterior ao interpor o presente apelo, motivo pelo qual agora requer a procedência da ação, condenando-se a representada ao pagamento da multa prevista no art. 81, § 2º, da Lei n. 9.504/97, em sua redação vigente à época do fato (fls. 46-52).

Por sua vez, em contrarrazões, a representada JOÃO DERLY ESPORTES LTDA. suscita, em preliminar, a impossibilidade jurídica do pedido, sob o argumento de que o art. 81 da Lei n. 9.504/97 – o qual dispunha sobre a doação de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais – foi expressamente revogado pelo art. 15 da Lei n. 13.165/15, não havendo, em sua visão, base legal para a aplicação da penalidade proposta pelo Ministério Público Eleitoral. Sustenta que o argumento central do recurso ministerial baseia-se na alegação de que a retroatividade benéfica aplica-se somente ao Direito Penal e não ao Direito Eleitoral. Todavia, discorda do entendimento do Parquet, pois a compreensão da representada é de que "O instituto da retroatividade benéfica aplica-se a todos os ramos do direito punitivo do Estado, por força do artigo 5º, § 1º, da CF/88, que determina que todos os direitos constitucionais de primeira geração devem ser interpretados em sentido amplo e extensivo". Prequestiona a violação deste dispositivo constitucional. Alega que "a tese exposta no recurso eleitoral não é uma posição unânime do Ministério Público Eleitoral, mas do Procurador Eleitoral que subscreve o recurso". Assevera que "seu colega que emitiu parecer em primeira instância possui entendimento oposto, ou seja, o mesmo da sentença recorrida".

No mérito, a representada reconhece ter-se equivocado quanto à interpretação da legislação eleitoral: entendia que à referida doação aplicar-se-ia a regra do inc. I do art. 25 da Resolução TSE n. 23.406/14, cujo limite era de dez por cento. Sob esta ótica, afirma que a recorrida não tinha consciência da ilicitude, tendo sido o "erro praticado sem dolo e por culpa leve. Sustenta, ainda, ser o caso sob análise análogo ao crime de bagatela, suficiente para afastar a ilicitude em si ou para aplicar a penalidade em grau mínimo". Por todas estas razões, requer seja improvido o recurso ministerial (fls. 61-68).

Nesta instância, os autos foram encaminhados à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo provimento do recurso (fls. 71-75v.).

É o relatório.

 

VOTO

Eminentes colegas:

1. Admissibilidade

1.1. Tempestividade

O recurso é tempestivo.

1.2. Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido

A representada suscita, em preliminar, a impossibilidade jurídica do pedido, sob o argumento de que o art. 81 da Lei n. 9.504/97 – o qual dispunha sobre a doação de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais – foi expressamente revogado pelo art. 15 da Lei n. 13.165/15, não havendo, em sua visão, base legal para a aplicação da penalidade proposta pelo Ministério Público Eleitoral.

Cumpre, de início, tecer algumas considerações diante das alterações legislativas havidas acerca das doações realizadas por pessoas jurídicas e recente decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema em comento.

Em 29 de setembro de 2015, foi publicada a Lei n. 13.165, chamada Minirreforma Eleitoral ou Reforma Política. O art. 15 da aludida norma revogou expressamente o art. 81 da Lei n. 9.504/97, que permitia doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais até o limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

Nessa ordem, surge questão de direito intertemporal no sentido de se verificar se a nova norma teria aplicação retroativa para alcançar as doações realizadas na vigência do art. 81 da Lei n. 9.504/97, hoje revogado expressamente.

No plano doutrinário, Carlos Maximiliano (Direito intertemporal ou teoria da retroatividade das leis. 2ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 28) refere que "Os preceitos sob cujo império se concretizou um ato ou fato estendem o seu domínio sobre as consequências respectivas; a lei nova não atinge consequências que, segundo a anterior, deviam derivar da existência de determinado ato, fato ou relação jurídica, ou melhor, que se unem à sua causa como um corolário necessário e direto".

Conclui-se, portanto, que a doação ocorreu ao tempo em que a relação jurídica estava sob o império do art. 81 da Lei n. 9.504/97, sendo este o dispositivo legal a ser aplicado. Se houver excesso ao limite permitido pela lei (2%), ficará o doador sujeito às consequências do seu ato, no caso, as previstas nos §§ 2º e 3º do art. 81 da Lei n. 9.504/97.

Esse é o entendimento desta Corte em relação às alterações trazidas pela Lei n. 13.165/15. Como paradigmas, aponto os acórdãos das relatorias do Desembargador Paulo Roberto Lessa Franz e do Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, respectivamente:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Arts. 4º, caput e 14, inc. II, “n”, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014.

A abertura de conta bancária é obrigatória, independentemente de ter havido movimentação financeira no período. Falha de natureza grave que impede a apresentação de extratos bancários correlatos, os quais são imprescindíveis para demonstrar a origem e a destinação dada aos recursos financeiros, bem como para comprovar a alegada ausência de movimentação financeira. Irregularidade insuperável, a comprometer, modo substancial, a fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral.

As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/2015, que deram nova redação ao art. 37 da Lei n. 9.096/95, suprimindo a sanção de suspensão de novas cotas do Fundo Partidário, não têm aplicação retroativa aos fatos ocorridos antes da sua vigência.

Redimensionamento, de ofício, do quantum de suspensão das cotas, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Provimento negado.

(RE 31-80.2015.6.21.0008, julgado em 08 de outubro de 2015.)

 

Prestação de contas de candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.406/14. Eleições 2014.

Arrecadação de recursos sem a emissão de recibo eleitoral; despesas com combustível sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos ou publicidade com carro de som; divergências e inconsistências entre os dados dos fornecedores lançados na prestação de contas e as informações constantes na base de dados da Receita Federal; pagamentos em espécie sem a constituição do Fundo de Caixa; pagamento de despesa sem que o valor tivesse transitado na conta de campanha; inconsistência na identificação de doador originário.

Conjunto de falhas que comprometem a transparência e a regularidade da contabilidade apresentada. Entendimento deste Tribunal, no sentido da não retroatividade das novas regras estabelecidas pela Lei n. 13.165/2015, permanecendo hígida a eficácia dos dispositivos da Resolução TSE n. 23.406/2014. A ausência de discriminação do doador originário impossibilita a fiscalização das reais fontes de financiamento da campanha eleitoral, devendo o recurso de origem não identificada ser transferido ao Tesouro Nacional.

Desaprovação.

(PC 2066-71.2014.6.21.0000, julgado em 20 de outubro de 2015.)

Por fim, cumpre ressaltar que o STF, em recente decisão proferida na ADI n. 4650, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais; todavia, restou assente que os efeitos dessa decisão apenas seriam aplicáveis às eleições de 2016.

Consequentemente, hígidas estão as disposições que normatizavam as doações de pessoas jurídicas no pleito de 2014, inclusive o art. 81 da Lei n. 9.504/97.

Por esses argumentos, não vejo como aplicar a tese da recorrida, no sentido de que houve violação ao disposto no artigo 5º, § 1º, da CF/88, pois a campanha eleitoral, além de um instrumento para a consecução da democracia, é também uma competição. Assim, sob pena de ser discriminatória, a retroatividade não pode trazer benefício justamente àqueles que descumpriram a norma.

Por fim, a alegação de que "a tese exposta no recurso eleitoral não é uma posição unânime do Ministério Público Eleitoral, mas do Procurador Eleitoral que subscreve o recurso" e de que "seu colega que emitiu parecer em primeira instância possui entendimento oposto, ou seja, o mesmo da sentença recorrida", em nada contribui para a temática defensiva. Primeiramente porque, ao contrário do afirmado, o Promotor Eleitoral que subscreve o recurso (fl. 52) é o mesmo signatário das alegações finais (fl. 40v.), podendo mudar seu entendimento sem que isso acarrete em nulidade processual. Em segundo lugar porque, ainda que fossem promotores diversos, ambos atuam sob a garantia do princípio da independência funcional, segundo o qual os membros do Ministério Público não devem subordinação intelectual ou ideológica a quem quer que seja, podendo atuar segundo os ditames da lei, do seu entendimento pessoal e da sua consciência.

Portanto, pelos fundamentos aqui expostos, tenho por rejeitar a preliminar suscitada.

Por consequência, conheço do recurso e passo ao exame do mérito.

3. Mérito

Da leitura dos autos é possível concluir que a doação ultrapassou o limite de 2% do faturamento auferido no ano anterior à eleição. A própria representada, como já consignado no relatório, não nega a doação em excesso, mas argumenta que houve equívoco na interpretação da legislação eleitoral: entendia que à referida doação aplicar-se-ia a regra do inciso I do art. 25 da Resolução TSE n. 23.406/14, cujo limite era de dez por cento. Sob esta ótica, afirma que não tinha consciência da ilicitude, tendo sido o "erro praticado sem dolo e por culpa leve". Por fim, sustenta ser o caso sob análise "análogo ao crime de bagatela, suficiente para afastar a ilicitude em si ou para aplicar a penalidade em grau mínimo".

Inicialmente, tenho que não merece prosperar o argumento de que houve erro de interpretação da legislação eleitoral e ausência de conhecimento da ilicitude da doação.

Isso porque a conduta tipificada no art. 81 da Lei n. 9.504/97 é objetiva, sendo desnecessário perquirir acerca do dolo específico do doador. Ou seja, a ilegalidade da doação para a campanha eleitoral independe da respectiva comprovação de dolo ou culpa. Consequentemente, uma vez provada a realização de doação acima do limite legal, impõe-se a aplicação da multa, independentemente da boa-fé do doador, pois a norma decorre de critério objetivo, e não subjetivo.

Assim, a alegação de ausência de dolo e da insignificância do valor doado não se aplica ao caso.

A ilustrar, julgados da Corte Superior Eleitoral por mim grifados:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL.

[…]

8. A aplicação de multa eleitoral por afronta ao art. 81 da Lei das Eleições decorre da inobservância do teto estabelecido na legislação eleitoral e não ofende os princípios da igualdade e da proporcionalidade, tendo em vista que estabelece critério objetivo e igualitário para todas as empresas.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 51093 - Rio De Janeiro/RJ. Acórdão de 13.10.2015. Relatora Min. MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA.)

 

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DOAÇÃO PARA CAMPANHA ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA.

1. É constitucional o art. 81, § 1º, da Lei nº 9.504/1997. Os limites de doação de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais seguem critérios objetivos proporcionais ao faturamento dos doadores.

2. A multa aplicada no mínimo legal não fere princípios constitucionais.

3. Afastada a condenação ao pagamento de correção monetária a partir da realização da doação. Necessidade do trânsito em julgado. Art. 3º da Res.-TSE nº 21.975/2004.

4. Agravo regimental parcialmente provido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 11591 - São Paulo/SP. Acórdão de 20.8.2015. Relator Min. GILMAR FERREIRA MENDES.)

 

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. AFASTAMENTO DA MULTA OU FIXAÇÃO DO SEU VALOR AQUÉM DO LIMITE MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O princípio da insignificância não encontra guarida nas representações por doação acima do limite legal, na medida em que o ilícito se perfaz com a mera extrapolação do valor doado, nos termos do art. 23 da Lei das Eleições, sendo despiciendo aquilatar-se o montante do excesso. Precedentes: AgR-REspe n° 713-45/BA, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 28.5.2014; AgR-AI nº 2239-62/SP, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 26.3.2014.

2. Os postulados fundamentais da proporcionalidade e da razoabilidade são inaplicáveis para o fim de afastar a multa cominada ou aplicá-la aquém do limite mínimo definido em lei, sob pena de vulneração da norma que fixa os parâmetros de doações de pessoas física e jurídica às campanhas eleitorais.

3. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 16628, Acórdão de 17.12.2014, Relator Min. LUIZ FUX, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 35, Data 23.02.2015, Página 53.)

Extrapolada a quantia, a multa a ser aplicada é aquela prevista no § 2º do art. 81 da Lei n. 9.504/97, in verbis:

§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de 5 a 10 vezes a quantia em excesso.

Restou incontroverso nos autos – haja vista que reconhecido pela representada (fls. 33-34) e consignado na sentença recorrida (verso da fl. 42) – a doação de campanha no valor de R$ 2.700,00.

Também restou comprovado, conforme informações prestadas pela Receita Federal (envelope anexo), que a empresa doadora declarou ter faturado R$ 68.000,00 no ano anterior ao pleito de 2014, razão pela qual o valor limite para que efetuasse doações de campanha (2% do faturamento bruto) era de R$ 1.376,00.

Portanto, tendo em vista que a doação realizou-se no montante de R$ 2.700,00, constata-se que o limite foi superado em R$ 1.324,00.

Portanto, configurado o excesso na doação e não vislumbrados motivos para afastar a pena do mínimo legal, tenho por fixá-la em R$ 6.620,00, valor correspondente a cinco vezes o montante em excesso, nos termos da antiga redação do § 2º do art. 81 da Lei n. 9.504/97.

Diante do exposto, afastada a prefacial suscitada pela recorrida, VOTO pelo provimento do recurso ministerial a fim de reformar a sentença para julgar procedente a representação e condenar a representada JOÃO DERLY ESPORTES LTDA. ao pagamento de multa no montante de R$ 6.620,00, equivalente a cinco vezes o valor excedente, penalidade mínima prevista no art. 81, § 2º, da Lei n. 9.504/97 para a reprovação da conduta.

É como voto, Senhor Presidente.