RE - 2151 - Sessão: 13/04/2016 às 17:00

RELATÓRIO

VALDIR BASSO interpõe o presente recurso eleitoral de sentença proferida pelo juízo da 3ª Zona Eleitoral, pela qual restou condenado ao pagamento de multa no montante de R$ 2.168,65, em razão de doação à campanha do candidato a deputado estadual Ivar Pavan no valor de R$ 2.000,00, a qual teria excedido o limite máximo em R$ 433,73.

Segundo a julgadora da 3ª Zona Eleitoral, a recorrente agiu em contrariedade ao art. 23, § 1º, inc. I, da Lei n. 9.504/97, o qual estabelece o limite de doação para campanhas eleitorais em 10% dos rendimentos brutos auferidos pela pessoa física no exercício fiscal anterior ao do pleito.

Em sede preliminar, o recorrente alega ter havido descumprimento de prazos prescricionais, na medida em que o TSE teria desrespeitado a disposição do art. 25, § 4º, inc. I e II, da Resolução TSE n. 23.406/14, a qual estabelece a data limite para aquele Tribunal enviar à Receita Federal informações sobre valores doados nas Eleições de 2014 e, consequentemente, o prazo que a Receita teria para remeter, após o cruzamento de dados obtidos do TSE com os declarados pelos doadores, ao Ministério Público Eleitoral, os casos em que houvesse indícios de excesso. Argui, também, ter havido nulidade por cerceamento de defesa pela ausência de indicação na inicial do valor excedido na doação, assim como pela não aceitação, pelo Juízo de origem, de declaração substitutiva ao depoimento da testemunha Volmir Farina. No mérito, narra que realizou a doação em conjunto com sua esposa Carmen Peracchi Basso, com quem é casado há 12 anos em regime de comunhão parcial de bens. Em virtude disso, sustenta que a renda do casal no ano de 2013 atingiu o montante de R$ 73.807,61, motivo pelo qual a doação no valor de R$ 2.000,00 não extrapolou o limite de 10% permitido em lei. Reitera, ainda, que "o montante da doação não teve o condão de influenciar no pleito e tampouco teve a potencialidade de caracterizar eventual abuso de poder econômico". Requer, portanto, a improcedência da representação, ou, alternativamente, seja afastada a multa em face da ausência de abuso de poder econômico, em prol dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (fls. 145-153).

Em contrarrazões (fls. 157-159v.), o Ministério Público Eleitoral defendeu a manutenção da sentença recorrida.

Nesta instância, os autos foram encaminhados em vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 168-175).

É o breve relatório.

 

VOTO

Eminentes colegas:

1. Admissibilidade

1.1. Tempestividade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo previsto no art. 81, § 4º, da Lei n. 9.504/97.

1.2. Preliminares

Registro que as preliminares já foram analisadas pelo juízo originário, motivo pelo qual entendo que devam ser rejeitadas com base nos próprios fundamentos daquela decisão (fls. 134-135).

1.2.1. Descumprimento dos prazos previstos no art. 25, § 4º, inc. I e II, da Resolução TSE n. 23.406/14 (fl. 134)

O representado alega, em sede de preliminar, o descumprimento dos prazos previstos na Resolução 23.406/2014, em seu art. 25, §4º, incisos I e II, quais sejam, o prazo para o TSE enviar à Receita Federal informações sobre valores doados nas Eleições de 2014, e o prazo que a Receita teria para remeter, após o cruzamento de dados obtidos do TSE com os declarados pelos doadores, ao MPE os casos em que houvesse indícios de excessos. O representado trata de tais prazos como marcos “prescritivos/decadenciais”. Ocorre que o único prazo decadencial que fulmina o direito de representação do legitimado, que é o Ministério Público Eleitoral, é o prazo de 180 (cento e oitenta dias) dias após a diplomação dos eleitos, prazo este devidamente cumprido pelo representante. Os prazos constantes no art. 25 da aludida Resolução, são meramente procedimentais, não havendo que se falar em prescrição ou decadência em caso de descumprimento. Ademais, o representado teria o ônus de provar a alegação de descumprimento, do que não se desincumbiu. Por fim, cabe mencionar que o descumprimento de tais prazos não teria o condão de causar qualquer prejuízo ao representado. Pelo contrário, caso alguém fosse prejudicado pelo descumprimento, seria o titular do direito de representação, o qual cumpriu com o prazo estipulado para a propositura da representação. Com tais fundamentos, afasto a presente preliminar.

1.2.2. Nulidade por cerceamento de defesa (fls. 134-135)

Alega o representado que houve cerceamento de defesa, primeiramente, pela falta de indicação na inicial do valor excedido na doação. Ocorre que o valor excedido foi demonstrado a partir da quebra de sigilo fiscal, que está sob reserva de jurisdição. Assim, não há que se falar em cerceamento de defesa, ainda mais que as alegações finais pelo Ministério Público Eleitoral, só foram sendo reiteradas, tendo sido apresentadas inclusive antes da instrução, de modo que a defesa teve plena ciência dos argumentos do representante e pode utilizá-los inclusive para produzir as provas que entendeu necessárias. Além disso, aduz o representado que houve cerceamento de defesa porque não foi aceita declaração substitutiva ao depoimento da testemunha Volmir Farina. Entretanto, como já referido na decisão de fl. 119, a declaração firmada pela então testemunha foi produzida de forma unilateral, sem que tenha obedecido ao contraditório e, portanto, não pode servir como elemento de prova e tal indeferimento não configura cerceamento de defesa, porquanto é ônus da parte produzir a prova de forma legal, atendendo aos princípios constitucionais e ao ordenamento vigente. Por tais razões, refuto a preliminar de cerceamento de defesa.

2. Mérito

Quanto ao mérito, o recorrente foi condenado ao pagamento de multa no montante de R$ 2.168,65, em razão de doação à campanha do candidato a deputado estadual Ivar Pavan no valor de R$ 2.000,00, a qual teria excedido o limite em R$ 433,73.

Em suas razões, o apelante pugna pela consideração dos rendimentos auferidos por ambos os cônjuges como rendimentos da família. Dessa maneira, o limite determinado no art. 23, § 1º, inc. I, da Lei n. 9.504/97, incidiria sobre toda renda do casal e não somente sobre a sua, como na sentença recorrida.

Informa que sua cônjuge recebeu rendimentos no ano de 2013 no total de R$ 58.144,85, quantia que, somada aos seus ganhos (R$ 15.662,76), resulta no montante de R$ 73.807,61, superior ao mínimo necessário para que a doação eleitoral realizada (no valor de R$ 2.000,00) se enquadre dentro do limite definido no art. 23, § 1º, inc. I, da Lei n. 9.504/97, de 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição.

Pois bem.

Pela documentação juntada ao anexo 1 dos autos é possível atestar a veracidade das informações prestadas pelo recorrente quanto aos ganhos de sua esposa no ano de 2013.

No mesmo sentido, pela certidão de casamento acostada aos autos (fl. 45), é inegável que o recorrente, VALDIR BASSO, e sua esposa, CARMEM PERACCHI BASSO, constituem matrimônio há mais de 12 anos, sendo que o regime de bens escolhido quando da constituição da sociedade foi o da comunhão parcial de bens.

Não resta dúvida, portanto, que os valores percebidos por ambos em 2013 foram recebidos na constância do casamento, relação jurídica iniciada em 23.7.2003, conforme comprovado pela certidão de casamento (fl. 45).

Assim, não me parece justo que neste caso prevaleça o entendimento pacificado no Tribunal Superior Eleitoral pela legalidade da doação eleitoral de um dos cônjuges, realizado na constância do casamento, somente quando o regime de bens escolhido pelo casal for o da comunhão universal.

Entendo que a mesma regularidade se aplica à doação eleitoral realizada por um dos cônjuges no caso da comunhão parcial de bens, enquanto durar a sociedade conjugal.

Nesse sentido, transcrevo ementa de julgado de nosso Tribunal de Justiça, da lavra da eminente Desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro, firmando a compreensão de que os rendimentos, ainda que decorrentes de bens de propriedade exclusiva de um dos cônjuges, comunicam-se, nos termos do art. 1.660, V, do Código Civil:

APELAÇÃO. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO. PARTILHA. DOAÇÃO. O valor principal, de propriedade exclusiva da apelada, não pode ser partilhado. Porém, os rendimentos, sim, pois, como se sabe, os frutos decorrentes de bens particulares comunicam-se, nos termos do art. 1.660, V, do Código Civil, até a data da separação das partes. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível n. 70065864308, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 26.8.2015).

(TJ-RS - AC 70065864308 RS, Relatora Liselena Schifino Robles Ribeiro, Data de Julgamento 26.8.2015, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação Diário da Justiça do dia 01.9.2015).

E na mesma direção segue o Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo voto, de lavra do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, consolida o entendimento de que "os frutos civis do trabalho são comunicáveis quando percebidos, sendo que a incomunicabilidade apenas atinge o direito ao seu recebimento":

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS. COMUNHÃO PARCIAL. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE CONTRIBUIÇÃO DE AMBOS OS CONVIVENTES. PATRIMÔNIO COMUM. SUB-ROGAÇÃO DE BENS QUE JÁ PERTENCIAM A CADA UM ANTES DA UNIÃO. PATRIMÔNIO PARTICULAR. FRUTOS CIVIS DO TRABALHO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INCOMUNICABILIDADE APENAS DO DIREITO E NÃO DOS PROVENTOS.

1. Ausência de violação do art. 535 do Código de Processo Civil, quando o acórdão recorrido aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide, com abordagem integral do tema e fundamentação compatível.

2. Na união estável, vigente o regime da comunhão parcial, há presunção absoluta de que os bens adquiridos onerosamente na constância da união são resultado do esforço comum dos conviventes.

3. Desnecessidade de comprovação da participação financeira de ambos os conviventes na aquisição de bens, considerando que o suporte emocional e o apoio afetivo também configuram elemento imprescindível para a construção do patrimônio comum.

4. Os bens adquiridos onerosamente apenas não se comunicam quando configuram bens de uso pessoal ou instrumentos da profissão ou ainda quando há sub-rogação de bens particulares, o que deve ser provado em cada caso.

5. Os frutos civis do trabalho são comunicáveis quando percebidos, sendo que a incomunicabilidade apenas atinge o direito ao seu recebimento.

6. Interpretação restritiva do art. 1.659, VI, do Código Civil, sob pena de se malferir a própria natureza do regime da comunhão parcial.

7. Caso concreto em que o automóvel deve integrar a partilha, por ser presumido o esforço do recorrente na construção da vida conjugal, a despeito de qualquer participação financeira.

8. Sub-rogação de bem particular da recorrida que deve ser preservada, devendo integrar a partilha apenas a parte do bem imóvel integrante do patrimônio comum.

9. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

(REsp 1295991/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 11.4.2013, DJe 17.4.2013). (Grifo nosso.)

Portanto, não vejo como excluir da comunhão os rendimentos advindos da renda de cada um dos cônjuges, sob pena de se desvirtuar a própria natureza do regime.

Lembro que o regime da comunhão parcial de bens funda-se na noção de construção de patrimônio comum durante a vigência do casamento, com separação, de forma geral, apenas dos bens adquiridos ou originados anteriormente.

Por fim, registro que recentemente este Tribunal já reconheceu, por maioria, em voto de minha relatoria no RE 49-04, julgado na Sessão de 27.01.2016, que os rendimentos auferidos por um dos cônjuges, na constância de casamento celebrado sob o regime de comunhão parcial de bens, constituem recursos comuns do casal:

Recurso. Representação. Doação acima do limite legal. Pessoa Física. Art. 23, § 1º, I, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014.

A ausência de rendimentos próprios na Declaração de Ajuste Anual de Imposto de Renda Pessoa Física do doador, ano calendário de 2013, não impede reconhecer que os rendimentos auferidos pelo seu cônjuge, na constância de casamento celebrado sob o regime de comunhão parcial de bens, constituem recursos comuns do casal.

Doação realizada dentro do limite de 10% dos rendimentos brutos auferidos no exercício fiscal anterior ao pleito. Reforma da sentença.

Provimento. (Grifei.)

Em face desses argumentos, entendo que deve ser julgada improcedente a representação, pois a doação eleitoral se encontra dentro do limite de 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo casal no ano-calendário de 2013.

Ante o exposto, afastadas as preliminares suscitadas pela defesa, VOTO pelo provimento do recurso, a fim de julgar improcedente a representação.

É como voto, Senhor Presidente.