RE - 2704 - Sessão: 28/04/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a decisão do Juízo da 21ª Zona – sediado na cidade de Estrela –, que julgou improcedente representação por doação acima do limite legal (fls. 59-65), apresentada contra RARO DYSCOS COMERCIAL FONOGRÁFICA LTDA. Fundamentalmente, discorda da decisão de 1º Grau por entender ultrapassado o limite de doações pela recorrida, argumenta que a prestação de serviços estimáveis em dinheiro também deve ser considerada para efeito da análise financeira das campanhas eleitorais, e que a exceção prevista no art. 23, § 7º, da Lei n. 9.504/97, deve ser aplicada tão somente às pessoas físicas. Requer a reforma do decisum mediante o provimento do recurso, aplicando-se multa e proibição de participar em licitações públicas pelo prazo de 5 anos (fls. 67-70).

Intimada para apresentar contrarrazões (fl. 72v.), a empresa recorrida restou silente, conforme certidão constante à fl. 73.

A Procuradoria Regional Eleitoral se manifesta pelo provimento parcial do recurso, para condenar a recorrida a multa pecuniária, no mínimo legal (fls. 83-85.).

É o relatório.

 

VOTO

De início, o recurso versa acerca de doação realizada por pessoa jurídica, prática vedada a partir do advento da Lei n. 13.165, em 29 de setembro de 2015: o art. 15 revogou o então vigente art. 81 da Lei n. 9.504/97, o qual permitia doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais até o limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

Friso apenas que, nesse caso, será seguida a jurisprudência pacificada desta Corte (e de tantas outras), no sentido de aplicação da lei da época dos fatos, de modo que a análise se dará conforme a redação então vigente - art. 81 da Lei n. 9.504/97. Esse caminho tem sido trilhado, aliás, em relação a outras alterações trazidas também pela Lei n. 13.165/15 (suspensão das quotas do Fundo Partidário, doadores originários), sendo paradigmas os acórdãos das relatorias do Des. Paulo Roberto Lessa Franz e do Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, respectivamente:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Arts. 4º, caput, e 14, inc. II, “n”, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014.

A abertura de conta bancária é obrigatória, independentemente de ter havido movimentação financeira no período. Falha de natureza grave que impede a apresentação de extratos bancários correlatos, os quais são imprescindíveis para demonstrar a origem e a destinação dada aos recursos financeiros, bem como para comprovar a alegada ausência de movimentação financeira. Irregularidade insuperável, a comprometer, modo substancial, a fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral.

As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/2015, que deram nova redação ao art. 37 da Lei n. 9.096/95, suprimindo a sanção de suspensão de novas quotas do Fundo Partidário, não têm aplicação retroativa aos fatos ocorridos antes da sua vigência.

Redimensionamento, de ofício, do quantum de suspensão das quotas, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Provimento negado. (RE 31-80.2015.6.21.0008, julgado em 08 de outubro de 2015.)

 

Prestação de contas de candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.406/14. Eleições 2014.

Arrecadação de recursos sem a emissão de recibo eleitoral; despesas com combustível sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos ou publicidade com carro de som; divergências e inconsistências entre os dados dos fornecedores lançados na prestação de contas e as informações constantes na base de dados da Receita Federal; pagamentos em espécie sem a constituição do Fundo de Caixa; pagamento de despesa sem que o valor tivesse transitado na conta de campanha; inconsistência na identificação de doador originário.

Conjunto de falhas que comprometem a transparência e a regularidade da contabilidade apresentada. Entendimento deste Tribunal, no sentido da não retroatividade das novas regras estabelecidas pela Lei n. 13.165/2015, permanecendo hígida a eficácia dos dispositivos da Resolução TSE n. 23.406/2014. A ausência de discriminação do doador originário impossibilita a fiscalização das reais fontes de financiamento da campanha eleitoral, devendo o recurso de origem não identificada ser transferido ao Tesouro Nacional.

Desaprovação. (PC 2066-71.2014.6.21.0000, julgado em 20 de outubro de 2015.)

Ainda, ressalvo que o STF, na ADI n. 4650, declarou inconstitucionais os comandos que autorizavam contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, em julgamento que projeta os efeitos para as vindouras decisões de 2016. Dessa forma, logicamente, permanecem válidas as disposições de regência das doações de pessoas jurídicas no pleito de 2014, especialmente o art. 81 da Lei n. 9.504/97.

Tempestividade

O recurso é tempestivo. O Ministério Público Eleitoral foi intimado da sentença em 17.8.2015 (fl. 66) e apresentou recurso em 19.8.2015 (fl. 67).

Mérito

São as circunstâncias do caso: RARO DYSCOS COMERCIAL FONOGRÁFICA LTDA. faturou, no ano de 2013, o total de R$ 95.591,44 (noventa e cinco mil quinhentos e noventa e um reais com quarenta e quatro centavos), o que lhe permitiria doar R$ 1.911,83 (mil novecentos e onze reais com oitenta e três centavos), valor equivalente a 2% (dois por cento) do faturamento.

A empresa doou R$ 840,00 (oitocentos e quarenta reais) em dinheiro. E, cerne da controvérsia, doou também R$ 3.000,00 (três mil reais), via doação estimável em dinheiro, mais precisamente na produção e gravação de jingle, tema musical, para a campanha.

A sentença a quo julgou improcedente a representação do Ministério Público Eleitoral, fundamentalmente, porque a d. magistrada aplicou a (então) reiterada jurisprudência deste próprio TRE, no sentido de estender, por analogia, a exceção do art. 23, § 7º, da Lei n. 9.504/97, às pessoas jurídicas.

A tese albergada por este Regional (e aplicada na sentença) era, em suma, a de separação das importâncias doadas em espécie daqueles bens meramente estimáveis em dinheiro, para fins de consideração dos limites de doação às campanhas eleitorais. Bem sabemos que, para as eleições de 2014, os limites eram de 10% dos rendimentos auferidos no ano de 2013 (pessoa física) e 2% do faturamento bruto do ano de 2013 (pessoa jurídica).

O art. 23, § 7º, da Lei n. 9.504/97 também é notório, traz uma exceção: assevera que as doações estimáveis em dinheiro, realizadas por pessoas físicas, no limite de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), não se submetiam ao limite de 10% dos rendimentos auferidos no ano anterior ao da eleição:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.

§ 1º As doações e contribuições de que se trata este artigo ficam limitadas:

I – no caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição;

[…]

§ 7º O limite previsto no inciso I do §1 não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). (Redação dada pela Lei n. 12. 034, de 2009) (Grifei.)

Menciono, apenas por respeito à regra vigente: a Lei n. 13.165/15 aumentou para R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) a tolerância para tal espécie de doação realizada pelas pessoas físicas.

De qualquer maneira, no que importa ao caso posto, o TRE-RS vinha aplicando a exceção também naqueles casos de doação estimável em dinheiro realizada por pessoa jurídica, muito embora, claro está, que o dispositivo se refere às doações realizadas por pessoas físicas.

Foi proferida a sentença em 19 de agosto de 2015, data na qual, repito, esta Corte ainda se posicionava favoravelmente à aplicação analógica já citada.

Entretanto, o Tribunal Superior Eleitoral tem reformado sistematicamente as decisões do TRE-RS. Tal circunstância já foi salientada, nesta Corte, no julgamento do RE n. 34-90.2015.6.21.0022, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DEJERS de 20.11.2015. Na ocasião, foi referido trecho da decisão de relatoria da Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, no Processo n. 61-72.2013.621.0045, o qual igualmente transcrevo, pela clareza:

Com efeito, o entendimento do TRE do Rio Grande do Sul diverge da jurisprudência desta Casa, a qual entende que o § 7° do artigo 23 da Lei das Eleições não é aplicável às pessoas jurídicas, cujas doações estão restritas ao valor de 2% (dois por cento) do faturamento bruto anual. Nesse sentido, transcrevo ementas de julgados desta Corte Superior:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DOAÇÃO ESTIMÁVEL ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA . ART. 23, § 7º, DA LEI Nº 9.504/97. INAPLICABILIDADE. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DESPROVIMENTO.

1. Os limites a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador para campanhas eleitorais (i.e., limitadas R$ 50.000,00 cinquenta mil reais), ex vi do art. 23, § 7°, da Lei n° 9.504/97, aplicam-se apenas e tão somente a pessoas naturais, não incidindo sobre pessoas jurídicas, cuja doação deve observar o limite de 2% do seu faturamento bruto do ano anterior ao da eleição, tal como exige o art. 81, § 1°, da aludida lei. Precedentes: AgR-AI n° 2110-57/SP, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 5.8.2014; AgR-AI n° 183-61/PR, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 4.8.2014; AgR-AI n° 68-22/SP, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 22.4.2014.

2. O limite do valor de doação por pessoa previsto no art. 81, § 1º, da Lei nº 9.504/97 inclui tanto as em espécie quanto as estimáveis. Precedente: AgR-Al nº 3097-53, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 6.2.2012.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgR-REspe n. 27-68/GO, rel. Min. LUIZ FUX, DJE de 27.10.2014.)

[…]

Ante o exposto, com fundamento no artigo 36, § 7º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para restabelecer a sentença de primeiro grau, a qual reconheceu a procedência da representação em razão de doação acima do limite legal e aplicou à recorrida a multa prevista pelo artigo 81, § 2º, da Lei nº 9.504/97 em seu mínimo legal. (Grifei.)

Pois bem.

Conforme a antiga jurisprudência deste TRE, a recorrida RARO DYSCOS não teria doado em excesso.

Todavia, e de acordo com o posicionamento firmado a partir do mês de novembro de 2015, houve excesso de doação na ordem de R$ 1.928,17 (mil novecentos e vinte e oito reais com dezessete centavos), pois doou R$ 3.840,00 (três mil oitocentos e quarenta reais) quando poderia ter doado R$ 1.911,83 (mil novecentos e onze reais com oitenta e três centavos), valor equivalente a 2% do seu faturamento bruto no ano de 2013.

Posiciono-me de acordo com o novo entendimento desta Corte, para considerar, no total de doação, os R$ 3.000,00 repassados sob a forma de doação estimável de dinheiro, ressaltando que a mudança de posicionamento ocorreu por unanimidade. Aqui, a ementa do novo paradigma:

Recursos. Representação. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal. Pessoa jurídica. Art. 81, §§ 2º e 3º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014. Afastadas as preliminares de cerceamento de defesa e de intempestividade na apresentação da peça defensiva. Não vislumbrado prejuízo na referida ausência de intimação, já que a defesa teve a oportunidade de manifestar-se sobre o documento proveniente da Receita Federal. No tocante à tempestividade, não pode a omissão cartorária, relativa à ausência da data da juntada aos autos da notificação para contestar, vir em prejuízo à parte. Doação de bem estimável em dinheiro consistente em material gráfico para propaganda. Inviável a pretendida aplicação do disposto no art. 23, § 7º, da Lei n. 9.504/97, pois se trata de regramento direcionado às doações realizadas por pessoas físicas. Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral neste sentido. Ultrapassados os limites impostos, que restringe a doação a dois por cento do faturamento bruto auferido pela pessoa jurídica no ano anterior à eleição, há incidência objetiva de sanção eleitoral. As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/2015, que revogaram o art. 81 da Lei n. 9.504/97, não têm aplicação aos fatos ocorridos antes da sua vigência. Manutenção da multa imposta no patamar mínimo estabelecido pela legislação. Afastada, entretanto, a penalidade de proibição de licitar e contratar com o Poder Público, aplicável apenas nos casos de grave extrapolação dos limites impostos pelo parágrafo 2º do citado dispositivo. Provimento parcial ao apelo da empresa recorrente. Provimento negado ao recurso ministerial.

Finalmente, refiro o dispositivo legal que regulamentava as doações realizadas por pessoas jurídicas:

Art. 81 As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de 5 a 10 vezes a quantia em excesso.

§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa.

Assim, considerando como valor bruto auferido pela recorrida no ano de 2013, R$ 95.591,14 (fls. 13-16 do anexo I), sendo que o total de doações soma R$ 3.840,00 (fls. 17-18), o valor do excesso corresponde a R$ 1.928,17, pois poderia ter doado até o limite de R$ 1.911,83.

Portanto, a multa a ser cominada equivale a cinco vezes a quantia excedida, à luz do art. 81, § 2º, da Lei n. 9.504/97, no valor de R$ 9.640, 85 (nove mil seiscentos e quarenta reais com oitenta e cinco centavos).

No que se refere à proibição de participar de licitações públicas e de contratar com o poder público, requerida pelo Ministério Público em suas razões de recurso, firmou-se entendimento de que a sanção não deve decorrer automaticamente da prática do ilícito, mas depende da gravidade da situação e de um juízo de proporcionalidade, de forma a inexistir a obrigatoriedade de sua aplicação concomitante:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 81 DA LEI 9.504/97. DECADÊNCIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. FATURAMENTO. GRUPO EMPRESARIAL. DESPROVIMENTO.

[...]

2. As sanções previstas no art. 81, § 2º e 3º, da Lei n. 9.504/97 não são cumulativas, motivo pelo qual sua incidência conjunta deve ser pautada pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 14825 - Belo Horizonte/MG. Acórdão de 11.3.2014. Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA.)

Na espécie, não evidenciada a má-fé e, ademais, o montante da doação não revela gravidade a justificar a pena de suspensão, de forma que deve ser negado, no ponto, provimento ao recurso do Ministério Público.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso do Ministério Público Eleitoral, para entender caracterizado o excesso de doação de parte de RARO DYSCOS COMERCIAL FONOGRÁFICA LTDA., e aplicar multa no valor de R$ 9.640,85, patamar mínimo legal, equivalente a cinco vezes o excesso de doação.