RC - 579 - Sessão: 05/05/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso criminal interposto por MILTON JOSÉ MENUSI contra sentença proferida pelo Juízo da 140ª Zona Eleitoral, que o condenou à pena de 1 (um) ano de reclusão e 5 dias-multa, à razão de um salário-mínimo nacional por dia, substituída a restritiva de liberdade por prestação pecuniária, entendendo comprovada a prática do crime previsto no artigo 299 do Código Eleitoral em relação ao segundo fato delituoso, assim descrito na denúncia (fls. 02-04v.):

SEGUNDO FATO

No dia 24 de fevereiro de 2012, por volta das 09h50min, na Rua Pedro Garcia n. 330, neste Município (leia-se: Município de Campo Novo, RS), o denunciado MILTON JOSÉ MENUSI, na condição de pretenso candidato a Prefeito Municipal de Campo Novo/RS, deu à Presidente da Direção Municipal do Partido Popular Socialista (PPS), MARIA ALTAIR PRETTO, a quantia de R$ 1.000,00 (um mil reais) para obter voto.

Na ocasião, o denunciado compareceu à residência da Presidente e lhe entregou o mencionado valor, bem como adesivos de campanha, os quais foram apreendidos pela autoridade policial conforme auto de apreensão (fl. 10 do I.P.).

Para perpetrar o delito, o denunciado deu-lhe a mencionada quantia em dinheiro, prometendo, ainda, caso eleito, a função de Chefe de Gabinete do Poder Executivo Municipal.

Após entregar a quantia, o denunciado foi preso em flagrante e encaminhado à Delegacia de Polícia para a lavratura do auto respectivo.”

A investigação criminal foi instaurada a partir da notícia da prática de compra de votos prestada pela própria eleitora aliciada, Maria Altair Pretto, ao Ministério Público Eleitoral, ocasião em que informou ter o recorrente lhe oferecido a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) em dinheiro, além de um possível cargo público acaso eleito, em troca de apoio à sua candidatura ao cargo de prefeito. Na oportunidade, foi requerida autorização para interceptação telefônica, captação e interceptação ambiental (fls. 27-31).

Deferidos os pedidos (fls. 50-52), foi instaurada a operação policial denominada “Mala Preta” (fl. 58), que culminou com a prisão em flagrante de Milton José Menusi no dia 24.02.2012 (fls. 59-72), por corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral).

Relatado o inquérito policial com conclusão pelo indiciamento (fls. 126-128), foi oferecida denúncia (fls. 02-04v.), recebida em 06 de março de 2012 (fls. 136-137).

Recusada a proposta de suspensão condicional do processo (fls. 143-144), apresentada resposta à acusação (fls. 192-196v.) e inquirida parte das testemunhas arroladas (fls. 209-238v.), foi o feito remetido a este TRE em virtude da diplomação do recorrente como prefeito de Campo Novo (fl. 360 e verso).

Após o prosseguimento da instrução e retorno das cartas precatórias inquiritórias (fls. 371-407v.), o réu foi interrogado (fls. 461-463 e verso), e os autos baixaram ao juízo a quo em razão da perda do foro privilegiado de Milton José Menusi, por cassação de diploma determinada em acórdão deste Tribunal nos autos da ação de investigação judicial eleitoral AIJE 259-52 (fls. 482-483 e acórdão às fls. 484-490).

Recebidos os autos, o juízo de origem abriu prazo para alegações finais (fls. 511-525v. e 533-545) e prolatou sentença condenatória na qual assentou restarem comprovadas a autoria e a materialidade delitivas em relação ao segundo fato narrado na denúncia: imputação de entrega de R$ 1.000,00 e de oferta de chefia de gabinete do Poder Executivo municipal à Sra. Maria Altair Pretto em troca de seu voto e de apoio eleitoral (fls. 547-553v.).

Contra a condenação, Milton José Menusi interpõe o presente recurso criminal, alegando que o fato imputado se tratou de flagrante preparado ou armado, planejado pela líder do PPS, partido da oposição, Maria Altair Pretto. Maria teria induzido o recorrente a praticar conduta aparentemente delitiva por adotar postura provocadora. Sustenta que tratativas de apoio são normais dentro da vida política e que a entrega de valores não passou de um empréstimo. Afirma que as declarações de Maria Altair Pretto deveriam ser desconsideradas em razão do seu interesse político no feito. Refere que a sentença se baseou nos depoimentos de informantes vinculados à oposição. Assevera que não houve intenção de corromper o eleitor e que, durante o período em que praticado o fato, o apoio do PPS já era discutido entre os filiados do partido. Requer a reforma da decisão ou, alternativamente, a redução da pena pecuniária, que teria sido fixada em patamar desproporcional (fls. 565-577).

Com contrarrazões pelo Ministério Público Eleitoral (fls. 584-591v.), os autos foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 605-617).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Não havendo preliminares a analisar, passo ao exame do mérito.

Conforme consta dos autos, o recorrente Milton José Menusi foi eleito prefeito de Campo Novo pelo PSDB nas eleições de 2012 e foi condenado por corrupção eleitoral por ter supostamente praticado o segundo fato narrado na denúncia, no qual se afirma que, no mês de fevereiro, antes da eleição, com a intenção de formar coligação partidária e de obter auxílio para a sua candidatura, Milton passou a tratar com Maria Altair Pretto, presidente do diretório municipal do PPS, para quem entregou a quantia de mil reais e ofereceu um cargo público junto ao Executivo municipal, em troca de apoio político e do voto.

Sob o aspecto de infração cível eleitoral, o fato foi analisado por este Tribunal quando do julgamento do recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral em face da sentença de improcedência da ação de investigação judicial eleitoral, por prática de abuso de poder econômico, proposta contra Milton José Menusi, então candidato a prefeito, e seu candidato a vice-prefeito, Jocemar Scherer.

O acórdão concluiu pela reforma da sentença sob o fundamento de que “a busca pelo apoiamento, consoante restou provado nos autos, foi intentada não através da argumentação política, mas do oferecimento de vantagens e valores em espécie, concluo consubstanciado o abuso reprimido pela legislação eleitoral, porquanto a conduta em pauta, em tais circunstâncias, apresenta suficiente gravidade, ferindo, ademais, a igualdade de condições entre os candidatos e a lisura do pleito”. Transcrevo a ementa:

Recurso. Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso de poder econômico. Candidatos da chapa majoritária. Eleições 2012.Acervo probatório constituído de provas testemunhais, interceptação telefônica devidamente autorizada e gravação em vídeo, revelando, modo inequívoco, a conduta perpetrada pelo candidato, consubstanciada na entrega de dinheiro e promessa de cargo à presidente de agremiação partidária diversa, formadora de opinião e com potencial de influir filiados e simpatizantes. O apoio intramuros às candidaturas dos próprios filiados é presumida, mas a busca por pessoas externas ao partido, ou mesmo de adversários políticos, pode ensejar ao candidato mal intencionado o uso ilegal da promessa de vantagens e de dinheiro para angariar votos. Irrefutável que a entrega da primeira parcela foi o início do adimplemento de um valor maior prometido, o qual não alcançou o somatório total por força da ação policial que resultou na prisão em flagrante do representado. Estampada a gravidade da conduta, consubstanciada na utilização do poder financeiro para a obtenção de vantagem. Configurada a prática abusiva vedada pela legislação eleitoral, apta a comprometer a igualdade de condições entre os candidatos e a lisura do pleito. Reforma da sentença. Cassação dos diplomas da chapa majoritária. Declarada a inelegibilidade do prefeito cassado. Provimento.

(TRE-RS - RE: 25952 RS, Relator: DES. MARCO AURÉLIO HEINZ, Data de Julgamento: 17.12.2013, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 235, Data 19.12.2013, Página 4.)

Em razão da entrega de dinheiro e da promessa de cargo público à eleitora Maria Altair Pretto, benesses dirigidas não apenas ao apoiamento, mas também ao angariamento do seu voto, o fato consubstancia, ao menos em tese, também a prática de corrupção descrita no art. 299 do Código Eleitoral: “Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita”.

O fato foi materialmente comprovado por meio das interceptações telefônicas realizadas com autorização judicial (fls. 08-25), da mídia acostada no envelope da fl. 132, na qual consta a filmagem da reunião ocorrida entre Milton e Maria, que foi realizada pela polícia com autorização judicial (decisão das fls. 50-52), e dos autos relativos à prisão em flagrante de Milton (fls. 60-74).

A primeira tese recursal é de que tudo não passou de um evidente flagrante armado.

A alegação estaria demonstrada pelos telefonemas travados entre Maria e seu primo, João Augusto Pretto, nos quais João pergunta se Maria já foi até a promotoria e se ela possui o equipamento para a filmagem, e no fato de os adesivos de “tucaninhos” terem sido solicitados por Maria.

A defesa afirma que Maria teria adotado uma postura provocadora a fim de manipular a conduta de Milton.

São diferentes as hipóteses de flagrante preparado, esperado e forjado ou provocado, cumprindo transcrever a lição doutrinária:

Quando a situação de flagrante sofrer a intervenção de terceiros, antes da prática do crime, é que se poderá falar na existência de um flagrante esperado e de um flagrante provocado, também denominado flagrante preparado.

A principal diferença entre ambos, segundo se verifica na doutrina e ainda na jurisprudência, é que a primeira situação, a do flagrante esperado, é considerada plenamente válida, enquanto a segunda, do flagrante preparado (ou provocado), não.

A rejeição ao flagrante dito preparado ocorre geralmente por dupla fundamentação, a saber: a primeira, porque haveria, na hipótese, a intervenção decisiva de um terceiro a preparar ou a provocar a prática da ação criminosa e, assim, do próprio flagrante; a segunda, porque dessa preparação, por parte das autoridades e agentes policiais, resultaria uma situação de impossibilidade de consumação da infração de tal maneira que a hipótese se aproximaria do conhecido crime impossível (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2015, p. 535).

Aponta-se que o flagrante “esperado” representa uma ação policial em que, informada a autoridade sobre a futura ocorrência de um crime, são tomadas as providências para tentar evitá-lo e conclui com a prisão do sujeito:

O flagrante esperado ocorre quando o sujeito age, independentemente de provocação ou induzimento de quem quer que seja, sendo preso por policiais (ou terceiras pessoas) que, simplesmente, já o aguardavam. Portanto, tendo os policiais conhecimento de que uma infração penal ocorrerá em determinado lugar, colocando-se de atalaia e aguardam a ocorrência da mesma, a hipótese será de flagrante esperado (RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 792).

No flagrante “preparado”, há indução ou provocação de alguém para que um terceiro pratique um crime, o que de fato acontece, para que possa ser preso justamente por conta do ato provocado. No flagrante “forjado”, quem comete o crime é a pessoa ou autoridade que simula uma situação ilícita atribuindo a propriedade de algo a alguém, colocando fraudulenta ou violentamente em seu poder objetos ou instrumentos de crime para que seja acusado de autoria (Brito, Alexis Couto de; FABRETTI, Humberto Barrionuevo; LIMA, Marco Antônio Ferreira. Processo penal brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 245).

Assim, no flagrante provocado ou preparado o agente é instigado a praticar o crime, situação em que terceiros facilitam as condições para que a infração seja perpetrada.

O verbete da Súmula 145 do STF proíbe o flagrante preparado ou provocado: “não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”.

No entanto, a doutrina aponta ser imprescindível a conjugação dos dois elementos mencionados na Súmula, sem os quais não há incidência da ressalva nela prevista: “a Súmula exige dois requisitos indispensáveis: preparação e não consumação do crime. Ou seja, se o flagrante for preparado, porém o crime se consumar, haverá crime e o agente pode ser preso em flagrante” (RANGEL, Paulo Direito processual penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 791).

Então, a prova deve ser examinada com vistas a concluir pela caracterização de flagrante esperado ou de flagrante preparado, no qual a entrega ou oferecimento das dádivas teriam sido provocadas pela polícia ou por Maria.

O exame do relatório das interceptações telefônicas efetuadas com autorização judicial (fls. 8-25) evidencia que Maria e Milton trocaram vários telefonemas para tratar da coligação entre o PPS e o PSDB e do apoio político que Maria e seus correligionários poderiam propiciar, merecendo apontar que, na ligação do dia 22.2.12 (fls. 14-16), Maria diz para Milton “quinta-feira, junto com o dinheiro, eu quero os adesivos”, e Milton afirma que prefere vê-la dirigindo seu automóvel com o “adesivo tucano”.

Depois disso, na conversa do dia 23.2.2016, Milton fala para Maria: “nós não conversemo tudo (sic), eu vou te dá cifra de dois, hoje” e “daí depois o resto pra semana que vem”.

No dia da reunião, que acabou acontecendo na sexta-feira, dia 24, Milton foi até a residência de Maria portando R$ 1.000,00 (um mil reais) em dinheiro, quantia que deixou em cima do sofá antes de sair para buscar os adesivos, momento em que foi preso em flagrante pela Polícia Civil (auto de prisão em flagrante das fls. 65 e seguintes).

Na mídia acostada no envelope da fl. 132 está gravada a reunião ocorrida entre Milton e Maria, filmagem que foi realizada pela polícia com autorização judicial (decisão das fls. 50-52). No envelope também estão depositados os exemplares de adesivos com o desenho de um tucano e a palavra “sim”.

Assisti toda a gravação. No início da conversa, Milton afirma que esqueceu dos adesivos “tucaninhos”, que ficaram no carro, e começa a tratar de assuntos políticos, mencionando os nomes das pessoas que manifestaram apoio a sua candidatura e cogitando sobre quem poderia integrar sua chapa na condição de vice-prefeito. Depois disso, Maria pergunta a Milton se ele trouxe os dois mil reais e ele diz que trouxe apenas mil reais.

Todo o diálogo travado entre os dois versa sobre apoio político e a formação da coligação entre o partido de Milton, PSDB, e o de Maria, PPS, tendo Milton afirmado que ambos “estão juntos” e que Maria tem força suficiente para conseguir a aprovação da coligação. Quando Maria pergunta se Milton já decidiu o cargo que ela receberia, ele responde que pensa em designá-la para chefe de gabinete. No final da conversa, Milton pergunta se os adesivos serão utilizados e sobre o apoio do cunhado de Maria, e então afirma “nós vamos ganhar” e que Maria, “a partir de agora”, seria procurada para sair e “ir pra campanha”.

De todo esse contexto, verifica-se que Maria, juntamente com a polícia, preparou a filmagem da atuação criminosa de Milton, que se iniciou não apenas com a busca da câmera para gravar o vídeo em questão, mas com seu comparecimento à promotoria eleitoral para denunciar o ocorrido.

Ou seja, não foi o cometimento do crime o que foi preparado, mas sim a gravação da sua prática, para fins de prova. Essa situação é legítima e está ao abrigo da lei.

O delito não foi provocado por Maria ou pela polícia. Maria recebeu os diversos telefonemas de Milton, registrados nos autos, em que Milton tratava da entrega do dinheiro e manifestava sua intenção de obter o apoio eleitoral de pessoas cooptadas por Maria. Não houve qualquer indução que pudesse sugerir ser o flagrante ilegítimo. Milton foi até a residência de Maria voluntariamente, ou seja, porque quis, e até ela levou a quantia de R$ 1.000,00, dinheiro que foi manifestamente entregue com o objetivo de conquistar o seu voto e o seu apoio eleitoral.

Na residência de Maria, a polícia, vigilante, estava apenas aguardado o desenrolar dos fatos para, no momento oportuno, efetuar a prisão, o que de fato ocorreu.

Idêntica conclusão foi alcançada pelo julgador monocrático na sentença, cujo raciocínio adoto como razões de decidir (fls. 551v.-552v.):

Por derradeiro, deve também ser rechaçado o argumento de que “o flagrante realizado não passou de uma armação planejada por Maria Pretto” e que, por isso, estaria eivado de nulidade. Ora, de acordo com o histórico das investigações, depreende-se que em nenhum momento o réu foi induzido a praticar o delito, mas sim, apenas foi monitorado pela equipe de inteligência do Ministério Público, a qual teria implementado escutas telefônicas e, num segundo momento, instalado equipamentos de filmagem e escuta ambiental, ciente de que o réu praticaria o crime na data do fato. Tal constatação pode ser obtida a partir dos diálogos telefônicos interceptados, especialmente dos trechos coletados em 22 e 23/02/2012. Na primeira data, Milton fala para Maria que “(...) queria sair na frente, daqui um pouco nós estaríamos abraçados (…...) eu prefiro ver a Maria andando com o golzinho dela, com o adesivo tucano, quero ver o Clécio, com o adesivo, isso eu vou querer, dentro do nosso acordo (…...). Já no dia seguinte, o réu foi explícito ao referir ao telefone que “(...) até que nossas conversação tá andando ali, nós não conversemo tudo, eu vou te dá cifra de dois, hoje (...…) daí depois o resto pra semana que vem (...…) tá tudo bem encaminhado (...…) amanhã eu te entrego (...)” (fls. 15/16).

Ou seja, através das conversações que vinham sendo estabelecidas entre o denunciado e Maria Altair Pretto, percebe-se claramente que o primeiro tencionava, a todo custo, trazer Maria para o seu lado e fazer com que convencesse os demais filiados de seu partido, em especial o Sr. Clécio Weber, a lhe apoiar. Paralelo a isso, nota-se que Maria, embora até tenha alimentado esse propósito e conduzido os diálogos para que a concretização do ato ocorresse em sua residência, para então viabilizar o flagrante pela polícia, não chegou propriamente a induzir o réu a praticar o crime. Já os agentes policiais que atuaram na operação nada mais fizeram do que monitorar os diálogos mantidos entre os envolvidos, a partir dos quais lograram identificar quando e onde ocorreria o encontro, passando orientações a Maria e deslocando-se até o local para efetivar o flagrante.

Tal contexto fático, sem nenhuma dúvida, traduz hipótese típica do chamado flagrante “esperado”, o qual é totalmente aceito em nosso ordenamento jurídico e não se confunde com o flagrante “preparado” ou “provocado”. Esta última modalidade, ao contrário daquela, é ilegal, visto que o autor, em verdade, é induzido à prática do delito por obra de um agente provocador, o que, a rigor, caracterizaria crime impossível, devido à ineficácia absoluta do meio. Já o flagrante esperado afigura-se legítimo, pois nele a autoridade policial apenas se limita a aguardar o momento da prática do delito, tal como ocorrido no caso em apreço.

Segundo a pertinente lição de TOURINHO FILHO,

““(...) com relação ao flagrante esperado, pode-se entender sua ocorrência quando uma autoridade policial ou terceiro previamente informado acerca de um crime, trata de promover diligências a fim de prender o agente que poderá praticar o crime, sendo a prática da autoridade policial ou de terceiro apenas a espera da ocorrência do crime, sem qualquer provocação (...…) Nesse sentido, conclui-se que no flagrante esperado não há a figura do agente provocador, como ocorre no flagrante preparado, sendo que o papel da autoridade policial ou do terceiro reside em simples aguardo, vigilância, não havendo positiva atuação no cometimento do crime, sendo apenas uma ação monitorada e sem nenhum tipo de interferência” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal; 21 Ed. São Paulo: Saraiva, 1999).

Na mesma senda, por oportuno, colaciono a jurisprudência: “

"Recurso eleitoral. Flagrante preparado. Inocorrência. Compra de votos. Art. 299, do Código Eleitoral. Dupla valoração do concurso formal e da continuidade delitiva. "Bis in idem". Inocorrência. Pena de multa. Fixação. Regime semi-aberto. Reincidente específico. I - Não há que se confundir flagrante preparado com esperado, neste a polícia tão somente espera pela prática da infração, sem que haja instigação e tampouco a preparação do ato, mas apenas o exercício de vigilância na conduta do agente criminoso. II - O art. 299, do Código Eleitoral, protege o livre exercício do voto, comete crime de corrupção eleitoral aquele que dá, oferece, promete, solicita ou recebe, para si ou para outrem dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem com a intenção de obter votos. III - Não ocorre "bis in idem" na dupla valoração do concurso formal e da continuidade delitiva quando o agente, mediante a prática de mais de dois crimes de compra de votos, o executa reiteradamente de forma continuada, em oportunidades diversas. IV - A pena de multa, com fundamento no art. 286, do Código Eleitoral, deve ser fixada segundo o prudente arbítrio do juiz, sendo razoável a pena aplicada em treze dias multa, a um salário mínimo cada dia multa, aplicado quando se trata de réu com comprovada capacidade econômica, uma vez que a finalidade da norma e da punição é que seja sentida pelo condenado sem contudo lhe deixar em desamparo. V - Ao condenado reincidente a pena inferior a quatro anos de reclusão não lhe pode ser aplicado o regime aberto, todavia, não lhe nega direito a fixação do regime no semi-aberto as disposições da letra c, do § 2º do art. 33 do Código Penal". (RECURSO CRIMINAL nº 9529, Acórdão nº 33/2014 de 09/04/2014, Relator(a) ADOLFO THEODORO NAUJORKS NETO, Publicação: DJE/TRE-RO - Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, Tomo 65, Data 15/4/2014, Página 2/3)

 

"“APELAÇÃO CRIMINAL. CÓDIGO PENAL. ART. 158, § 1º. EXTORSÃO FLAGRANTE PREPARADO. INOCORRÊNCIA. VALIDADE DO FLAGRANTE ESPERADO. PRELIMINAR DE NULIDADE REJEITADA. TENTATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. EFETIVO CONSTRANGIMENTO DA VÍTIMA. SÚMULA Nº 96 DO STJ. DESNECESSIDADE DE OBTENÇÃO DE VANTAGEM INDEVIDA. MATERIALIDADE E COAUTORIA EVIDENCIADAS PELO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. Diversamente do flagrante preparado, o flagrante esperado não macula a materialidade do delito, pois não instiga o agente a realizar a conduta criminosa, apenas o acompanha, para surpreendê-lo no momento em que o delito se consuma. No caso em tela, os Policiais deram orientações à vítima apenas para garantir sua segurança, sem provocar qualquer interferência na intenção delituosa dos apelantes. Conforme a Súmula nº 96 do STJ, o crime de extorsão se consuma independentemente da obtenção da vantagem indevida, assim, não há falar em tentativa pela falta de proveito econômico. Trata-se de crime formal, que restou configurado com o ato de constranger a vítima a pagar valor indevido para ter restituído o bem que lhe fora furtado. Comprovada a materialidade e a autoria, correta a condenação dos réus pela prática delitiva. O concurso de agentes restou comprovado pelo conjunto fático-probatório atinente ao caso. DA DOSIMETRIA DA PENA. REDIMENSIONAMENTO, DE OFÍCIO. A culpabilidade, prevista no art. 59 do CP, não trata da imputabilidade - o pleno conhecimento da ilicitude dos atos e o agir de acordo com este entendimento - mas sim com a maior ou menor reprovação da conduta do agente. No caso, o agir dos réus não foge à normalidade do tipo penal, razão pela qual dito vetor não poderia ter sido considerado como negativo, implicando redimensionamento da pena-base. Inocorrência de reincidência, impondo-se o afastamento do aumento pela referida agravante na segunda fase do cálculo da pena. Penas definitivas dos réus redimensionadas, de ofício. PRELIMINAR REJEITADA E APELAÇÕES DESPROVIDAS. DE OFÍCIO, REDIMENSIONADAS AS PENAS DOS RÉUS". (Apelação Crime Nº 70062396825, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lizete Andreis Sebben, Julgado em 24/06/2015).

Portanto, descaracterizada a hipótese do aventado flagrante preparado, não há falar em crime impossível, tendo sido absolutamente legal e adequado o procedimento adotado pela autoridade policial ao efetivar a prisão do acusado, o qual, a toda evidência, foi surpreendido por câmera e escuta ambiental no exato momento em que procedeu à entrega de R$ 1.000,00, em dinheiro, à Sra. Maria Altair Pretto, devendo ser repelidas por completo todas as teses defensivas arvoradas.

A outra tese defensiva invocada nas razões recursais sustenta que a entrega de valores foi a título de empréstimo. No entanto, do conteúdo das conversas realizadas por telefone e no dia da prisão em flagrante não se extrai essa conclusão.

Não há nos autos elemento algum a indicar que, nos fatos analisados, Milton estava negociando com Maria um empréstimo de dinheiro.

Em juízo, Maria confirmou que Milton solicitou-lhe o voto, apoio político e auxílio para a formação de uma coligação partidária, entregando-lhe R$ 1.000,00 em dinheiro e prometendo-lhe um cargo público acaso fosse eleito (fls. 209-218).

João Augusto Pretto, primo de Maria, foi ouvido durante a instrução e afirmou que Maria lhe contou sobre a oferta de Milton, pedindo-lhe conselhos de como proceder (fls. 218v.-221v.).

O informante Clécio Weber, filiado a partido político adversário do recorrente, confirmou que era conhecido o interesse de Milton em formar a coligação partidária para a qual solicitava auxílio de Maria (fls. 222-225v.).

O vereador pelo PPS, Lori Rodrigues de Abreu, prestou depoimento e confirmou que o partido faria coligação com o partido de Milton, o PSDB, por intervenção de Maria, afirmando que a aliança não se confirmou. Disse que, após o flagrante, Maria mostrou-se arrependida e referiu ter sido usada para que a prisão de Milton ocorresse, e que Milton costumava “trocar” cheques de várias pessoas (fls. 225v.-229).

Luiz Doélio Briato afirmou em juízo que Milton já havia emprestado dinheiro a Maria, mencionando que, certa vez, ele “trocou” um cheque de R$ 210,00 (fls. 229v.-232v.).

O informante Flavio Schmitt afirmou que, até o dia do flagrante, estava praticamente definido que o PPS formaria coligação com o PSDB, e que não havia motivos para Milton tentar aliciar Maria ou comprar seu voto (fls. 233-237).

A testemunha Antonio Cleu de Almeida nada acrescentou sobre os fatos (fls. 237v.-238v.).

O policial civil José Meneghini Ferraresi foi ouvido por precatória e narrou ter participado da operação policial que realizou as escutas telefônicas e a filmagem que culminou com a prisão em flagrante de Milton. Afirmou que, do conteúdo das conversas, percebia-se a tentativa de formar uma coligação, e que a prisão só ocorreu após Milton entregar o dinheiro a Maria (fls. 403-404v.).

O policial militar Jairo Alberto Valler, que também participou da investigação policial, afirmou que durante as conversas Milton pedia o apoio político de Maria, por meio do voto, e o auxílio para a formação de uma coligação (fls. 404v.-405).

O policial Rômulo Valente de Almeida Júnior não participou da prisão em flagrante (fls. 405 e verso).

O policial civil Paulo Antônio de Oliveira Azevedo participou do monitoramento de vídeo realizado no dia da prisão em flagrante e relatou que o trabalho da polícia restringiu-se à observação da negociação, procedendo-se à prisão em flagrante apenas após encerrada a conversa e entregue o dinheiro (fls. 406v.-407v.).

Ao final, Milton José Menusi foi interrogado. Sobre os fatos, afirmou que, em diversas ocasiões, emprestou dinheiro a Maria, pois ela passa por dificuldades financeiras. Negou que tenha fornecido dinheiro em troca de voto e sustentou que Maria pediu-lhe R$ 1.000,00 emprestado, quantia que entregou a ela pessoalmente. Sobre a acusação, referiu que Maria “estava com espírito de fazer alguma armação em mim” (fls. 465-469v.).

Embora a referência de que Milton, em algumas oportunidades, tenha emprestado dinheiro a Maria, ou “trocado” cheques”, toda a prova colhida não deixa dúvidas de que Milton almejava o voto de Maria e o seu apoio político para formação da coligação.

Importante salientar que, nos casos de corrupção eleitoral, os depoimentos devem ser vistos por suas essências. Dissintonias quanto a aspectos circunstanciais são corriqueiras e não representam necessariamente um desvalor.

Porém, as alegações defensivas não são idôneas para demonstrar a ausência de finalidade eleitoral na entrega do dinheiro e promessa de cargo público.

A prova colhida durante a instrução conduz à formação de juízo seguro sobre a entrega de dinheiro e oferta de cargo público com o objetivo de obter voto e apoio político.

Nesses termos, após reexaminado o caderno probatório, considero que a prova é conclusiva no sentido da captação ilícita de sufrágio, merecendo ser mantida a condenação.

Por fim, diante da ausência de prova da impossibilidade de adimplemento ou de demonstração de que a quantia representa onerosidade excessiva, não há como acolher o pedido alternativo de redução do valor da prestação pecuniária substitutiva da pena privativa de liberdade, que foi fixada na sentença em R$ 30.000,00.

Há casos em que o réu fornece, juntamente com o recurso, elementos capazes de alterar a fixação imposta na sentença, demonstrando que o valor não reflete a possibilidade de sua situação econômica. Porém, não é essa a hipótese dos autos.

Ademais, o valor pode ser parcelado pelo recorrente no juízo da execução.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.