Ag/Rg - 21560 - Sessão: 28/01/2016 às 17:00

RELATÓRIO

COTREL TERRAPLANAGEM E PAVIMENTAÇÕES LTDA. interpõe agravo regimental contra a decisão das fls. 528-531v., exarada em regime de plantão pelo Des. Luiz Felipe Brasil Santos, que extinguiu sem apreciação do mérito a ação rescisória ajuizada pela agravante, nos termos do art. 267, VI, do CPC, sob o fundamento de que a teor do art. 22, inc. I, letra “j”, do Código Eleitoral, a ação rescisória somente pode ser proposta nesta Justiça especializada perante o Tribunal Superior Eleitoral e contra decisão de mérito daquela Corte que versar sobre inelegibilidade, não se prestando, desse modo, a rescindir sentença proferida em representação por doação acima do limite legal, motivo pelo qual a ação deve ser extinta sem exame do mérito.

Em suas razões, afirma que a propositura de ação rescisória perante Tribunal Regional Eleitoral é cabível quando tratar de matéria não eleitoral, classe processual que está prevista na Resolução TSE n. 22.676/08, norma que regulamenta os registros processuais no âmbito da Justiça Eleitoral. Sustenta que o objeto da ação é o afastamento das penalidades de multa e de proibição de participar de licitações públicas cominadas em sede de representação por doação acima do limite legal, sanções que não guardariam relação com o Direito Eleitoral. Defende que o art. 1º do Código Eleitoral estabelece o objeto do Direito Eleitoral, limitando-o, de forma sintética, ao direito de votar e de ser votado, e que a ação rescisória não versa sobre direitos políticos, eleições, partidos, registro de candidatura ou propaganda eleitoral, mas apenas sobre a penalidade aplicada a uma pessoa jurídica que jamais seria detentora de mandato eletivo. Colaciona jurisprudência que confortaria sua tese e requer a reforma da decisão com o prosseguimento do feito.

É o relatório.

 

VOTO

O presente agravo regimental é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

A agravante invoca precedentes jurisprudenciais que tratam da possibilidade de propositura de ação rescisória perante Tribunais Regionais Eleitorais quando o seu objeto não versar sobre matéria eleitoral, entendendo ser admissível a presente ação uma vez que não trataria de questão afeta ao Direito Eleitoral.

Com efeito, há jurisprudência consolidada no âmbito da Justiça Eleitoral no sentido de que, em matéria não eleitoral, é admissível a ação rescisória de julgado de Tribunal Regional Eleitoral, aplicando-se, na espécie, a legislação processual civil comum.

Esse entendimento foi firmado pelo TSE nos autos do Recurso Especial n. 19764, relator o Min. Luiz Carlos Lopes Madeira (DJ de 8.8.2003, p. 156), que analisou questão tributária. A ação rescisória foi ajuizada com o objetivo de descontar contribuição social dos servidores da Justiça Eleitoral ao respectivo sindicato. Confira-se a ementa:

RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA NÃO ELEITORAL. AÇÃO RESCISÓRIA. ADMISSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO NÃO CONHECIDO. - Em matéria não eleitoral, admissível a ação rescisória de julgado de Tribunal Regional Eleitoral, aplicando-se, na espécie, a legislação processual civil. - Não se conhece de recurso especial se não satisfeitos os pressupostos de admissibilidade.

(TSE - RESPE n. 19764 MA, Relator: LUIZ CARLOS LOPES MADEIRA, Data de Julgamento: 13.5.2003, Data de Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 8.8.2003, Página 156)

No entanto, a presente ação rescisória foi ajuizada com a finalidade de afastar as penalidades impostas em decisão prolatada nos autos de representação por doação eleitoral acima do limite legal, julgada procedente.

Embora as razões deduzidas no agravo, a representação por doação acima do limite legal e seus consectários, em caso de procedência dos pedidos, são matéria que diz inegável respeito ao Direito Eleitoral, pois a ação é um dos instrumentos utilizados pela Justiça Eleitoral para combater o abuso e a influência do poder econômico nas eleições, a fim de garantir a isonomia e a lisura do pleito.

Prevista originariamente no art. 81 da Lei das Eleições, dispositivo revogado pela Lei n. 13.165/15 para impedir que pessoas jurídicas contribuam para as campanhas eleitorais, a representação estabelecia que as pessoas jurídicas poderiam efetuar doações a partidos e candidatos até o limite de dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição, e previa como penalidades às empresas que ultrapassassem esse limite o pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso e a proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos.

A representação em virtude da doação de recursos acima do limite legal visa, nas palavras de Elmana Viana Lucena Esmeraldo, impedir o abuso de poder econômico e proteger a igualdade entre os candidatos e a higidez das campanhas eleitorais (ESMERALDO, Elmana Viana Lucena. Processo Eleitoral – Sistematização das Ações Eleitorais. 2. ed. Leme: J. H. Mizuno, 2012, p. 217).

Assim, descabido o entendimento de que as sanções aplicadas em sede de representação eleitoral não seriam matéria de Direito Eleitoral, pois o bem jurídico protegido pela norma e os reflexos do financiamento privado das campanhas eleitorais no resultado das eleições demonstram, estreme de dúvidas, que a matéria tratada nos autos de representação acima do limite legal guarda perfeita sintonia com o objeto do Direito Eleitoral.

Além disso, quanto à afirmativa de que o Direito Eleitoral estaria limitado ao direito de votar e de ser votado, anoto a lição de Fávila Ribeiro, para o qual o Direito Eleitoral dedica-se ao estudo das normas e procedimentos que organizam e disciplinam o funcionamento do poder de sufrágio popular, de modo a que se estabeleça a precisa equação entre a vontade do povo e a atividade governamental  (RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral. 5. ed. Forense: Rio de Janeiro, 2000, p. 04).

Portanto, o argumento é frágil e não socorre a agravante, merecendo reprodução as razões de decidir já expostas na decisão recorrida, as quais agrego aos fundamentos da presente decisão:

Quanto ao conhecimento da presente ação, consigno que em matéria eleitoral não cabe o ajuizamento da rescisória prevista no Código de Processo Civil, conforme entendimento já sufragado no âmbito desta Especializada, segundo o qual é incabível a rescisória no processo eleitoral.

Com efeito, o Código Eleitoral contempla a ação rescisória apenas nos casos relativos à inelegibilidade, sendo ainda ressalvada a competência exclusiva do Tribunal Superior Eleitoral para examinar esses feitos, em face de seus próprios julgados.

Essa a dicção do art. 22, I, “j” do Código Eleitoral:

Art. 22 - Compete ao Tribunal Superior:

I - Processar e julgar originariamente:

[...]

j) a ação rescisória, nos casos de inelegibilidade, desde que intentada dentro de cento e vinte dias de decisão irrecorrível, possibilitando-se o exercício do mandato eletivo até o seu trânsito em julgado. (Incluído pela LCP nº 86, de 14.5.1996).

Contrapondo-se a este entendimento, a autora sustenta o cabimento da presente ação rescisória, pois entende que a sentença originária constitui matéria “de natureza não eleitoral, uma vez que diz respeito à aplicação de penas de multa e de proibição de participação em licitações públicas e de contratar com o Poder Público, aplicadas à pessoa jurídica, sem qualquer relação com matérias típicas do Direito Eleitoral, portanto”.

E sendo matéria não eleitoral, na compreensão da autora, estaria coberta pelo disposto no inc. III do art. 3º da Resolução TSE n. 22.766/08, o qual estabelece que “a classe Ação Rescisória (AR), nos tribunais regionais eleitorais, somente é cabível em matéria não eleitoral, aplicando-se a essa classe a legislação processual civil”.

Todavia, não vejo como acolher a tese da requerente.

A Representação por Doação de Campanha Acima do Limite é instrumento de índole estritamente eleitoral. Trata-se de mecanismo que possibilita sancionar eventual inobservância dos limites de doação impostos por lei.

Tais limites, por sua vez, tem por finalidade a fiscalização do financiamento privado de campanha, objetivando conter o abuso de poder econômico, conferindo isonomia ao processo eleitoral.

Portanto, não prospera a tese da autora de que tal matéria diz respeito à aplicação de penas de multa e de proibição de participação em licitações públicas e de contratar com o Poder Público, aplicadas à pessoa jurídica, sem qualquer relação com matérias típicas do Direito Eleitoral.

As multas aplicadas, assim como a proibição de participar de licitações e celebrar contratos com o Poder Público, nada mais são do que sanções decorrentes do descumprimento pelo doador dos limites impostos pela lei eleitoral.

O que a Representação busca averiguar é se de fato houve o descumprimento dos limites, configurando ilícito eleitoral. Confirmado o excesso, a sanção é aplicada.

Portanto, representação objetiva garantir um processo eleitoral isonômico, não podendo ser tratada, como postula a autora, como matéria de natureza não eleitoral.

Assim, a teor do art. 22, inc. I, letra “j”, do Código Eleitoral, a ação rescisória somente pode ser proposta nesta Justiça especializada perante o Tribunal Superior Eleitoral e contra decisão de mérito daquela Corte que versar sobre inelegibilidade, não se prestando, desse modo, a rescindir sentença proferida em representação por doação acima do limite legal, motivo pelo qual a ação deve ser extinta sem exame do mérito.

Com tal entendimento, os seguintes julgados deste Tribunal:

Ação rescisória. Decisão que condenou a autora por infringência do art. 45, IV, da Lei n. 9.504/97.

Incompatibilidade do procedimento rescisório com o Direito Eleitoral.

Extinção do processo sem julgamento do mérito.

(TRE-RS, processo Cl. 24, n. 12003, rel. Dr. Rolf Hanssen Madaleno, DJE 25.9.2003, p. 116).

 

Ação rescisória contra sentença do juízo a quo que condenou o autor ao pagamento de multa por propaganda irregular. Intempestividade, no segundo grau, do recurso concernente à decisão rescindenda.

Não cabe ação rescisória no processo eleitoral, salvo nos casos de inelegibilidade, e contra julgados do TSE. Ausência de previsão de rescisória de julgados no Código Eleitoral. Procedimento incompatível com a celeridade dos julgamentos no âmbito eleitoral e inadmissível como sucedâneo de recurso cujo prazo se escoou.

Extinção do processo, sem exame do mérito.

(TRE-RS, processo Cl. 24, n. 792002, rel. Dr. Tasso Caubi Soares Delabary, DJE 10.6.2003, p. 67).

No mesmo sentido, julgados de outros Regionais:

Eleitoral e Processual civil. Ação rescisória. Agravo interno voltado contra decisão monocrática do Relator que indeferiu a petição inicial. Impossibilidade jurídica do pedido e ausência de interesse processual do autor. Fundamentos autônomos da decisão agravada não atacados. Desprovimento do recurso.

I. A teor do art. 22, inc. I, letra j, do Código Eleitoral, a ação rescisória somente pode ser proposta nesta Justiça especializada perante o Tribunal Superior Eleitoral e contra decisão de mérito daquela Corte que versar sobre inelegibilidade, não se prestando, desse modo, a rescindir sentença proferida em representação por doação acima do limite legal (art. 23, § 3º, da Lei das Eleições). Precedentes.

II. A falta de similar previsão na legislação eleitoral que atribua competência para o julgamento da ação rescisória aos Tribunais Regionais Eleitorais configura hipótese de silêncio eloquente e não de lacuna legislativa, motivo que afasta a aplicação por analogia do Código de Processo Civil, diploma que somente deve ser utilizado nos processos eleitorais quando existir omissão na legislação específica.

III. Não tendo sido impugnada razão de decidir relevante da decisão agravada, aplica-se ao caso em julgamento, por analogia, o Enunciado n. 182 da Súmula do STJ.

IV. Inviável o ajuizamento de ação rescisória na pendência de discussão sobre o trânsito em julgado da decisão rescindenda. As vias impugnativas das decisões judiciais são autônomas e excludentes entre si, de modo que a ação rescisória não tem a mesma serventia processual dos recursos. Precedentes.

V. Desprovimento do recurso de agravo legal.

(TRE-RJ - AR n. 374563 RJ, Relator: EDSON AGUIAR DE VASCONCELOS, Data de Julgamento: 15.9.2014, Data de Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 231, Data 18.9.2014, Página 82-86).

 

AÇÃO RESCISÓRIA. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. DOAÇÃO DE BEM ESTIMÁVEL EM DINHEIRO A CANDIDATO ACIMA DO LIMITE. IMPOSSIBILIDADE. EXTINÇÃO. Na Justiça Eleitoral, a ação rescisória só é cabível para desconstituir acórdãos do TSE que contenham declaração de inelegibilidade (art. 22, I, j, do Código Eleitoral). A interposição de ação rescisória no Tribunal Regional Eleitoral para desconstituir decisão de primeiro grau transitada em julgado é manifestamente incabível. Extinção sem resolução de mérito.

(TRE-PB - PET n. 32702 PB, Relator: HELENA DELGADO RAMOS FIALHO MOREIRA, Data de Julgamento: 11.7.2013, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 22.7.2013).

Por fim, transcrevo ementas de decisões do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral na mesma direção:

Agravo regimental. Recurso especial. Representação por doação acima dos limites legais. Ação rescisória. Cabimento.

1. Nos termos do art. 22, I, j, do Código Eleitoral, a ação rescisória somente terá cabimento perante o Tribunal Superior Eleitoral e em casos que versarem sobre inelegibilidade, não se prestando, portanto, a rescindir acórdão proferido em sede de representação por doação acima dos limites legais já transitado em julgado. Precedentes: AgR-AR n. 169-27, rel. Min. José de Castro Meira, DJE de 28.8.2013; AgR-AR n. 9-02, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 26.8.2013.

2. É incabível o ajuizamento de "ação declaratória de nulidade", que pretende, na realidade, a rescisão de acórdão proferido em sede de representação por doação acima dos limites legais - já transitado em julgado -, com fundamento na ilicitude da prova e na não ocorrência do ilícito, matérias já amplamente discutidas e fundamentadamente decididas no âmbito da referida representação. Agravo regimental não provido.

(AgR-AI n. 499467 GO, rel. Min. Henrique Neves, julgamento: 20.2.2014, publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 070, data 11.4.2014, Página 92-93).

 

Ação Rescisória. Decadência. Configuração. Cabimento. Hipótese de inelegibilidade. 1. Conforme prevê o art. 22, inc. I, alínea j, do Código Eleitoral, a ação rescisória, no âmbito da Justiça Eleitoral, deve ser proposta no prazo de 120 dias da decisão irrecorrível, não tendo sido respeitado tal prazo, no caso. 2. A rescisória somente é admissível para desconstituir julgados que versem sobre causa de inelegibilidade, não se prestando para desconstituir decisão de desaprovação de contas de campanha. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgR-AR n. 59017, rel. Min. Henrique Neves. Em 2.10.2013).

Ante o exposto, julgo extinta a presente ação, sem apreciação do mérito, nos termos do art. 267, inc. VI, do CPC.

Forte nessas razões, VOTO pelo desprovimento do agravo regimental.