RE - 1487 - Sessão: 15/08/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por CACO SAIBREIRA e TRANSPORTES LTDA. contra a decisão do Juízo da 123ª Zona Eleitoral que julgou parcialmente procedente representação por doação acima do limite legal (fls. 39-42) promovida pelo Ministério Público Eleitoral e condenou-o à multa de R$ 40.000,00. Fundamentalmente, a insurgência restringe-se a preliminar de inépcia da inicial e cerceamento de defesa, ao argumento de que a representação contém fundamentos genéricos, desacompanhados de documentos comprobatórios da doação.

Com as contrarrazões (fls. 47-50), os autos subiram a esta instância e foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual se manifestou pelo desprovimento do recurso e pela reforma – de ofício – da sentença para fixar a multa dentro dos limites legais (fls. 52-58). Em sessão, consignou que, caso não seja adotado esse entendimento, seja anulada a sentença.

É o relatório.

 

VOTO

De início, o recurso versa sobre doação realizada por pessoa jurídica, prática vedada a partir do advento da Lei n. 13.165, em 29 de setembro de 2015: o art. 15 revogou o então vigente art. 81 da Lei n. 9.504/97, que permitia doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais até o limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

Friso: no caso, será seguida a jurisprudência pacificada desta Corte (e de tantas outras) no sentido de aplicação da lei da época dos fatos, de modo que a análise se dará conforme a redação então vigente - art. 81 da Lei n. 9.504/97. Esse caminho tem sido trilhado, aliás, em relação a outras alterações trazidas também pela Lei n. 13.165/15 (suspensão das quotas do Fundo Partidário, doadores originários), sendo paradigmas os acórdãos de relatoria do Des. Paulo Roberto Lessa Franz e do Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, respectivamente:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Arts. 4º, caput e 14, inc. II, “n”, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014.

A abertura de conta bancária é obrigatória, independentemente de ter havido movimentação financeira no período. Falha de natureza grave que impede a apresentação de extratos bancários correlatos, os quais são imprescindíveis para demonstrar a origem e a destinação dada aos recursos financeiros, bem como para comprovar a alegada ausência de movimentação financeira. Irregularidade insuperável, a comprometer, modo substancial, a fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral.

As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/15, que deram nova redação ao art. 37 da Lei n. 9.096/95, suprimindo a sanção de suspensão de novas contas do Fundo Partidário, não têm aplicação retroativa aos fatos ocorridos antes da sua vigência.

Redimensionamento, de ofício, do quantum de suspensão das cotas, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Provimento negado. (RE 31-80.2015.6.21.0008, julgado em 08 de outubro de 2015.) (Grifei.)

 

Prestação de contas de candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.406/14. Eleições 2014.

Arrecadação de recursos sem a emissão de recibo eleitoral; despesas com combustível sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos ou publicidade com carro de som; divergências e inconsistências entre os dados dos fornecedores lançados na prestação de contas e as informações constantes na base de dados da Receita Federal; pagamentos em espécie sem a constituição do Fundo de Caixa; pagamento de despesa sem que o valor tivesse transitado na conta de campanha; inconsistência na identificação de doador originário.

Conjunto de falhas que comprometem a transparência e a regularidade da contabilidade apresentada. Entendimento deste Tribunal, no sentido da não retroatividade das novas regras estabelecidas pela Lei n. 13.165/2015, permanecendo hígida a eficácia dos dispositivos da Resolução TSE n. 23.406/2014. A ausência de discriminação do doador originário impossibilita a fiscalização das reais fontes de financiamento da campanha eleitoral, devendo o recurso de origem não identificada ser transferido ao Tesouro Nacional.

Desaprovação. (PC 2066-71.2014.6.21.0000, julgado em 20 de outubro de 2015.)

Ainda, ressalvo que o STF, na ADI n. 4650, declarou inconstitucionais os comandos que autorizavam contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, em decisão que projeta os efeitos para as vindouras eleições de 2016.

Decorre daí, até mesmo logicamente, que permanecem válidas as disposições de regência das doações de pessoas jurídicas no pleito de 2014, especialmente o art. 81 da Lei n. 9.504/97.

 

Tempestividade

O recurso é tempestivo. O recorrente foi intimado da sentença em 1º-10-2015, quinta-feira (fl. 42v.), e apresentou recurso em 05-10-2015, segunda-feira (fl. 43).

As circunstâncias do caso são as seguintes: CACO SAIBREIRA e TRANSPORTES LTDA. não declarou à Receita Federal os rendimentos brutos auferidos no ano de 2013, conforme informação na fl. 31.

Porém, doou R$ 20.000,00 (vinte mil reais), em dinheiro.

A sentença a quo refutou as preliminares de inépcia da inicial e de cerceamento de defesa e julgou parcialmente procedente a representação do Ministério Público Eleitoral. Entendeu a magistrada ser de, no máximo, R$ 456,00 o valor que o representado poderia ter doado e, enquadrando-o na categoria de isento, aplicou-lhe multa de R$ 40.000,00, correspondente ao dobro do recurso doado.

O recorrente pleiteia a reforma da sentença, defendendo a tese de inépcia da inicial, por ausência dos requisitos do art. 282 do CPC/73.

A Procuradoria Regional Eleitoral, por sua vez, manifestou-se no sentido de majoração da multa fixada, de ofício, argumentando que, por tratar-se de matéria de ordem pública, não incidiria a reformatio in pejus.

 

Preliminares de cerceamento de defesa e de inépcia da inicial

O recorrente repisou preliminares afastadas pelo juízo a quo, de cerceamento de defesa e de inépcia da inicial. Sustenta que a ausência de informações indispensáveis e documentos comprobatórios do alegado pelo representante impediram-lhe o exercício do contraditório e da ampla defesa, questionando de quanto teria sido o valor excedido.

Sem razão.

Como bem referido pela Procuradoria Regional Eleitoral, de acordo com o art. 295 do CPC de 1973, vigente ao tempo do ajuizamento da representação, considera-se inepta a petição inicial (regra parcialmente mantida no art. 330, § 1º, do CPC em vigor) quando: a) faltar-lhe pedido ou causa de pedir; b) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; c) o pedido for juridicamente impossível; d) contiver pedidos incompatíveis entre si; o que não se verifica no caso sub judice.

No caso concreto, não se verificam os requisitos previstos no parágrafo único do art. 295 do CPC/73, ou no art. 330, § 1º, do CPC atual, para a declaração de inépcia.

Além disso, a peça inicial atende ao disposto no art. 96, § 1º, da Lei n. 9.504/97, relatando o fato e indicando provas, indícios e circunstâncias.

Mais precisamente, demonstra que, do cruzamento de dados realizados pela Secretaria da Receita Federal, em conformidade com o disposto no art. 25, § 4º, inc. II, da Resolução TSE n. 23.406/2014, foram detectados indícios de que a representada teria efetuado doação à campanha eleitoral, nas eleições de 2014, em valor superior ao limite de 2% do faturamento auferido no ano anterior, à época permitido pelo § 1º do art. 81 da Lei n. 9.504/97 e pede, no final, a aplicação das penalidades, explicitando-as.

Ademais, o pedido é decorrência lógica dos fatos e fundamentos jurídicos deduzidos na inicial e permitiram ao representado apresentar a sua defesa, tanto que diz, à fl. 21, que “não ultrapassou o limite permitido”.

Trago à colação julgado do Tribunal Superior Eleitoral a respeito do tema:

ELEIÇÕES 2010. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO EM EXCESSO. INÉPCIA DA INICIAL. NÃO OCORRÊNCIA. DECADÊNCIA NÃO VERIFICADA. CONFIGURAÇÃO DE MÁ-FÉ. DESNECESSIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Para que a petição inicial seja considerada apta, é suficiente que descreva os fatos que, em tese, configuram ilícitos eleitorais, e que haja estrita consonância entre os fatos narrados e o pedido, constituindo este decorrência lógica dos fatos e fundamentos jurídicos e permitindo o exercício pleno do direito de defesa dos representados. Precedente.

(...)

5. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 41648, Acórdão de 16.9.2014, Relatora Min. MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Volume -, Tomo 188, Data 07.10.2014, Página 55/56.)

Rejeito as preliminares. Inocorrente inépcia da inicial ou cerceamento de defesa.

 

Mérito.

Ainda que a insurgência recursal não contemple o mérito da decisão, passo a analisá-la, tendo em vista o efeito devolutivo do recurso, nos termos do art. 1.013 do Código de Processo Civil, in verbis: “a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”.

Tendo o recorrente doado a quantia de R$ 20.000,00 e não havendo nos autos prova de faturamento no ano de 2013, correta a sentença que considerou excessiva a doação em sua integralidade. A afirmação do representado, em sede de contestação, de que “não ultrapassou o limite permitido” veio desacompanhada de prova.

Correta a sentença pela procedência da demanda.

Todavia, a Procuradoria Regional Eleitoral, em sede de manifestação, opina pela majoração da multa, de ofício, e argumenta que, por  tratar-se de matéria de ordem pública, não incorreria em reformatio in pejus. Sustenta ainda que, em face da indivisibilidade do Ministério Público, “a parte que ajuizou a representação é a mesma que agora postula, ainda que na qualidade de custos legis, a reforma da sanção aplicada”.

De fato, equivocado o valor da condenação, de duas vezes o valor do excesso, pois o art. 81, § 2º, da Lei 9.504/97 fixa como pena mínima o equivalente a cinco vezes a quantia excedida.

Trata-se de norma que não comporta análise subjetiva do julgador.

Entretanto, é inviável a majoração pretendida. Isso porque, ainda que se tratando de matéria de ordem pública, o recurso não pode reverter em prejuízo à parte que o interpôs.

Vide o direito penal.

Trata-se de princípio consagrado no Direito brasileiro, adotado por todos os tribunais. No âmbito eleitoral, transcrevo os seguintes exemplos:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. PREFEITO E VICE-PREFEITO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS EM CAMPANHA. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. REFORMATIO IN PEJUS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Na hipótese julgamento de recurso exclusivo da defesa, a aplicação de sanções não consignadas na decisão recorrida ou a sua majoração configuram reformatio in pejus.

(...)

5. Recurso especial eleitoral parcialmente provido somente para excluir as sanções de cassação do registro, de multa e de majoração do prazo de inelegibilidade impostas pelo TRE/PI.

(Recurso Especial Eleitoral n. 256, Acórdão de 18.4.2013, Relatora Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 111, Data 14.6.2013, Página 57/58.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2008. CONDUTA VEDADA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. MULTA. REFORMATIO IN PEJUS. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. A reformatio in pejus constitui agravamento indevido da pena imposta, quando não houve recurso da parte contrária questionando a matéria.

(...)

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 128, Acórdão de 30.9.2014, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 198, Data 21.10.2014, Página 69/70.)

 

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2006. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA. "CARNACOPA" . APLICAÇÃO DE MULTA INFERIOR AO MÍNIMO LEGAL. ALEGAÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS. PRECEDENTES DA CORTE. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 279/STF E 7/STJ. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.

1.É vedada a aplicação de multa - para cada representado - no valor inferior ao mínimo legal.

2.Afronta o princípio da reformatio in pejus majorar a pena de multa se inexiste recurso que vise a aumentar o valor da sanção aplicada.

3.Infirmar o entendimento do acórdão regional demandaria reexame do conjunto fático-probatório dos autos. Tal providência, no entanto, é inviável em sede de recurso especial, a teor das Súmulas 7 do Superior Tribunal de Justiça e 279 do Supremo Tribunal Federal.

4.Recurso conhecido e provido parcialmente.

O Tribunal, por unanimidade, proveu o Recurso, na forma do voto do Relator.

(RESPE - RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 26402-Cuiabá/MT. Acórdão de 06.12.2007. Relator Min. AYRES DE BRITTO. Publicação Diário de justiça, Data 10.3.2008, p. 14.)

De outra banda, a indivisibilidade do Ministério Público Eleitoral deve ser considerada contextualmente.

Em outras palavras, se o promotor eleitoral, na qualidade de autor da ação, deixou de recorrer, a Procuradoria Eleitoral, ao intervir nos autos como fiscal da lei, não pode recorrer em nome daquele. Haveria transmutação das funções exercidas por diferentes órgãos do d. Parquet eleitoral. No que cabe ao Ministério Público autor do presente processo, o prazo de recurso transcorreu sem manifestação.

Por essas razões, é de ser mantida a sentença.

Diante do exposto, VOTO pela rejeição das preliminares e, no mérito, para negar provimento ao recurso.