RE - 767 - Sessão: 10/03/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES de Marcelino Ramos contra sentença que desaprovou suas contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2014, em virtude do recebimento de doações de fonte vedada, consoante o disposto no art. 31, II, da Lei n. 9.096/95, determinando o recolhimento do valor de R$ 6.468,79 ao Fundo Partidário (fls. 166-174).

Em sua irresignação (fls. 176-189), o recorrente argumenta que a Resolução n. 21.841/2004 estabelecia que ocupantes de cargos em comissão não eram considerados autoridade pública, sem que tal disposição sofresse modificação expressa. Assevera que a Resolução n. 23.432/14, a qual veio proibir a doação de ocupantes de cargos de direção, não pode ser aplicada na espécie, pois somente entrou em vigor em 2015, após transcorrido o exercício de 2014, objeto do presente processo. Sustenta que a consulta respondida pelo TSE, não pode alterar as regras das suas Resoluções. Nega a natureza de chefia ou direção dos cargos elencados na sentença, pois desprovidos de poder de decisão. Argumenta ser desproporcional a pena de suspensão de quotas do Fundo Partidário. Requer sejam aprovadas as contas.

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo parcial provimento do recurso (fls. 201-206v.).

É o sucinto relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A decisão foi publicada no dia 19 de outubro de 2015 (fl. 175) e o recurso interposto na data de 22 de outubro de 2015 (fl. 176), dentro do prazo previsto pelo art. 258 do Código Eleitoral.

No mérito, as contas da agremiação recorrente foram desaprovadas em razão do recebimento de recursos provenientes de fonte vedada, consistente em doações de pessoas ocupantes de cargos de chefia e direção na Prefeitura de Marcelino Ramos.

Correta a decisão recorrida. O art. 31, II, da Lei n. 9.096/95 veda o recebimento de doações procedentes de autoridades públicas, como se verifica por seu expresso teor:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:
II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38.

No conceito de autoridade pública, prevista no artigo referido, inserem-se os detentores de cargos em comissão que desempenham função de chefia e direção, conforme assentou o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, com a Resolução n. 22.585/07, editada em razão da resposta à Consulta n. 1428, cuja ementa segue:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 6.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, Página 172.) (Grifei.)

Reproduzo trechos extraídos do referido julgado, que bem explicitam a decisão:

[…] podemos concluir que os detentores de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta da União, e por via reflexa os dos Estados e dos Municípios, são considerados autoridade pública, ante a natureza jurídica dos cargos em comissão, bem como das atividades dele decorrentes.

O recebimento de contribuições de servidores exoneráveis ad nutum pelos partidos políticos poderia resultar na partidarização da administração pública. Importaria no incremento considerável de nomeação de filiados a determinada agremiação partidária para ocuparem esses cargos, tornando-os uma força econômica considerável direcionada aos cofres desse partido.

Esse recebimento poderia quebrar o equilíbrio entre as agremiações partidárias. Contraria o princípio da impessoalidade, ao favorecer o indicado de determinado partido, interferindo no modo de atuar da administração pública. Fere o princípio da eficiência, ao não privilegiar a mão de obra vocacionada para as atividades públicas, em detrimento dos indicados políticos, desprestigiando o servidor público. Afronta o princípio da igualdade, pela prevalência do critério político sobre os parâmetros da capacitação profissional.

[…]

[...] Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

[…]

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

[…]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o art. 37, inc. V.

[…]

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

Não prospera a argumentação tecida pelo recorrente no sentido de que a Resolução n. 21.841/04, a qual disciplinava a prestação de contas partidárias, permitia a doação por ocupantes de cargos em comissão. A consulta foi publicada em forma de Resolução (n. 22.585), assumindo a mesma natureza da Resolução n. 21.841/04. Trata-se, portanto, da relação intertemporal de regras, em que norma posterior revoga a anterior com ela incompatível, sem a necessidade de supressão formal do diploma normativo.

Veja-se, ademais, que a vedação das referidas doações não foi introduzida pela recente Resolução n. 23.432/14, a qual apenas explicitou a regra. A vedação decorre do entendimento firmado pela Corte Superior na aludida consulta, e vem sendo confirmada pelos Tribunais, como se verifica pelas seguintes ementas:

Recurso. Prestação de contas. Partido político. Doação de fonte vedada. Art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Exercício financeiro de 2013.

Desaprovam-se as contas quando constatado o recebimento de doações de servidores públicos ocupantes de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, que detenham condição de autoridade, vale dizer, desempenhem função de direção ou chefia.

Redução, de ofício, do período de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, conforme os parâmetros da razoabilidade. Manutenção da sanção de recolhimento de quantia idêntica ao valor recebido irregularmente ao Fundo Partidário.

Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 2346, Acórdão de 12.3.2015, Relator DR. INGO WOLFGANG SARLET, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 45, Data 16.3.2015, Página 02.)

 

Recurso. Prestação de contas de partido político. Doação de fonte vedada. Exercício financeiro de 2008.

Doações de autoridades titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, prática vedada pela Resolução TSE n. 22.585/07 e pelo inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95.

Desaprovação das contas pelo julgador originário.

Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Razoável e proporcional a aplicação, de ofício, de 6 meses de suspensão das quotas do Fundo Partidário, a fim de colmatar lacuna da sentença do julgador monocrático.

Provimento negado.

(TRE-RS, RE n. 100000525, Relatora Desa. Federal Elaine Harzheim Macedo, 25.4.2013.)

Na hipótese, a sentença elenca, uma a uma, as doações identificadas como vedadas, provenientes de Chefes de Departamento, Chefes de Serviço, Secretários e Coordenadores. A natureza das atividades exercidas evidenciam-se pela própria denominação dos cargos e pelas suas atribuições definidas na legislação eleitoral, mencionadas pelo próprio recorrente.

Neste ponto, o órgão ministerial manifesta-se no sentido de considerar regulares as doações realizadas por titulares dos cargos descritos apenas como “Função Gratificada” (fls. 170-174), pois, pela sua denominação, não seria possível aferir se o respectivo ocupante exerce função de chefia ou mero assessoramento.

Nada obstante, outros elementos trazidos aos autos demonstram a natureza dos cargos apontados como “Função Gratificada”.

Guilherme Kipper exerce as funções de “Dirigente de equipe dos profissionais da área de medicina” e Jair Zeferino Beal atua como “Chefe de compras”, conforme se extrai das suas respectivas portarias de nomeação (fls. 191-192).

Quanto aos demais doadores “Ocupantes de Função Gratificada”, a própria parte, tanto nas alegações finais quanto nas razões recursais, esclarece a natureza de chefia e coordenação de seus cargos. Com efeito, Daniela da Costa exerce atividade de “Chefe de elaboração de projeto”; Katia Roll atua como Coordenadora do setor de Recursos Humanos e Claiton Isoton e Diego Cezari coordenam “os serviços de plantão, escalonando os demais motoristas para o exercício da função” (fls. 162-163 e 186). Tais atribuições são próprias de chefia e direção, devendo-se manter o juízo de irregularidade também sobre as doações realizadas pelos ocupantes de Função Gratificada.

Correta, portanto, a sentença condenatória, devendo ser mantida a determinação de recolhimento do valor de R$ 6.468,79 para o Fundo Partidário, conforme expressa determinação da Resolução n. 21.841/04, cujas disposições de direito material regem a presente prestação de contas.

No tocante à suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, fixado pelo prazo de um ano na sentença, este Tribunal tem entendido pela aplicação dos parâmetros estabelecidos no §3º do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, que prevê suspensão pelo prazo de 1 a 12 meses, adotando-se os critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

No mesmo sentido, o Tribunal Superior Eleitoral utiliza tais parâmetros, a fim de verificar a adequação da sanção. Destaco o seguinte precedente:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PARTIDO. DOAÇÃO DE FONTE VEDADA. ART. 31, II, DA LEI 9.096/95. SUSPENSÃO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 36, II, DA LEI 9.504/97. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA.

1. Na espécie, o TRE-SC, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, concluiu que o recebimento de recursos no valor de R$ 940,00 oriundos de fonte vedada de que trata o art. 31, II, da Lei n. 9.096/95 – doação realizada por servidor público ocupante de cargo público exonerável ad nutum – comporta a adequação da pena de suspensão de quotas do Fundo Partidário de 1 (um) ano para 6 (seis) meses.

2. De acordo com a jurisprudência do TSE, a irregularidade prevista no art. 36, II, da Lei n. 9.096/95 – consistente no recebimento de doação, por partido político, proveniente de fonte vedada – admite a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na dosimetria da sanção.

3. Agravo regimental não provido

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 4879, Acórdão de 29.8.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 180, Data 19.9.2013, Página 71.)

No caso dos autos, o partido arrecadou o total de R$ 17.106,16, dos quais R$ 6.468,79 são oriundos de fonte vedada, o que representa aproximadamente 37% do total de recursos arrecadados durante todo o exercício de 2014. Apesar da irregularidade, não há indícios de má-fé da agremiação, nem do propósito de prejudicar a fiscalização das contas. Dessa forma, afigura-se adequado para o caso fixar a pena de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de três meses.

Ante todo o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir a pena de suspensão de novas quotas do Fundo Partidário para três meses.