RE - 3507 - Sessão: 08/03/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra decisão da 77ª Zona Eleitoral, que afastou a preliminar de ilicitude da prova e julgou improcedente a representação por doação eleitoral acima do limite legal, ajuizada em desfavor de EDI PAULO FERRARI, em função de doação de R$ 30.400,00 para campanha eleitoral.

O juízo a quo considerou que o limite de 10% para doações a campanhas não foi extrapolado em razão da soma dos rendimentos brutos do recorrido e de sua esposa, casados sob o regime de comunhão universal de bens, e do acréscimo de renda decorrente da quota de capital relativa à liquidação de empresa, que totalizam rendimentos no valor de R$ 376.307,80 (fls. 226-228).

Em suas razões, o Ministério Público Eleitoral sustenta que não foi observado o conceito fiscal de rendimento bruto, que é restrito aos rendimentos tributáveis, não tributáveis, isentos e sujeitos à tributação exclusiva, pois a sentença levou em conta os demais bens e direitos integrantes da massa patrimonial do doador. Afirma que a operação relativa à liquidação de empresa não gerou lucro ao recorrido, razão pela qual não deveria ter sido considerada como rendimento bruto, pois apenas o eventual ganho de capital decorrente da compra e venda de bens é sujeito à tributação. Ressalta que o limite de doação deve ser auferido de forma isolada, sem a soma dos rendimentos dos cônjuges, e que o total de rendimentos do doador alcançou o montante de R$ 201.973,85, motivo pelo qual poderia doar apenas R$ 20.197,38. Assevera que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não podem ser invocados para afastar a condenação, mas apenas para o cálculo da dosimetria da pena de multa. Requer a reforma da decisão com a condenação do recorrido (fls. 230-236).

Em contrarrazões, Edi Paulo Ferrari reprisa a preliminar de ilicitude da prova decorrente da quebra do seu sigilo fiscal. No mérito, afirma que o valor doado não representou abuso de poder. Sustenta que o conceito de rendimentos brutos entendido pelos tribunais eleitorais para fins de doação para campanhas compreende todos os valores da declaração do imposto de renda e não somente os tributáveis, e que obteve ganho de capital decorrente da liquidação de quotas de empresa. Requer a extinção do processo sem julgamento do mérito ou, alternativamente, o desprovimento do recurso (fls. 242-256).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo parcial provimento do recurso e consequente reforma da sentença, para o fim de ser julgada procedente a representação por excesso de doação no valor de R$ 3.446,02, entendendo equivocado o cálculo de excesso efetuado pelo recorrente, no montante de R$ 10.202,62, em virtude da soma da renda bruta do casal (fls. 264-268v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. O recorrente foi intimado da decisão em 11 de novembro de 2015 (fl. 229) e interpôs o recurso no dia 13 do mesmo mês, dentro do tríduo legal previsto no art. 81, § 4º, da Lei n. 9.504/97.

 

Preliminar de prova ilícita por quebra do sigilo fiscal

Nas contrarrazões o recorrido renova a preliminar de ilicitude da prova aduzida na defesa, afirmando que houve quebra do seu sigilo fiscal e que a própria inicial admite que foi enviado material pela Receita Federal ao Ministério Público Eleitoral, dando conta de sua doação para campanha e dados fiscais.

No entanto, a prefacial não prospera, pois a informação quanto às doações para campanhas eleitorais e dados dos doadores são públicas e não são acobertadas por sigilo. Quanto aos dados fiscais do recorrido, há convênio firmado entra a Justiça Eleitoral e a Receita Federal tão somente prevendo a comunicação sobre excessos de doações verificadas quando do cruzamento de dados, sem envio de documentação alguma, conforme prevê o art. 25, § 4º, da Resolução TSE n. 23.406/14.

Tanto é assim que a própria inicial postula a quebra do sigilo fiscal do doador, para ser auferido o seu rendimento bruto no exercício anterior (fl. 6), requerimento deferido no despacho que recebeu a inicial (fl. 38).

Nestes termos, bem andou a sentença ao afastar a alegação (fls. 226v.-227):

b) Quebra de sigilo fiscal:

Inexiste a nulidade do processo pela alegada quebra do sigilo fiscal do representeado sem autorização judicial, na medida em que, antes mesmo do deferimento judicial de requisição das declarações de rendimento do representado, no despacho inaugural, fl. 38, o próprio representado apresentou suas declarações de Imposto de Renda ao Ministério Público, fls. 18-36, cuja Agente, até então, não tinha conhecimento desses documentos, mas tão somente da notícia, por via da Receita Federal, de que havia, o representado, excedido o limite máximo para doações a fim de financiar campanha eleitoral, conforme fl. 11, e postulou esse pedido de quebra judicial, certamente para confrontar com as cópias apresentadas pelo representado.

Nesse rumo, inexiste quebra de sigilo fiscal sem ordem judicial.

Os dados informados pela Receita Federal restringiram-se ao CPF, nome do doador, endereço, título eleitoral e valor da doação, o que pode ser facilmente verificado na fl. 10. Ou seja, os documentos se limitaram a informar a identificação nominal do doador, não contendo nenhum dado protegido por sigilo fiscal.

Assim, a prova é lícita, merecendo ser rejeitada a prefacial.

No mérito, o recurso ministerial insurge-se contra a soma dos rendimentos brutos do recorrido e de sua esposa, considerada pelo juiz sentenciante devido ao casamento sob regime da comunhão universal de bens, e contra a conclusão de que o valor decorrente da quota de liquidação de empresa insere-se no conceito de rendimento bruto, afirmando que a operação não gerou ganho de capital, devendo ser desconsiderada.

Em relação à soma das rendas, está correta a conclusão da sentença no sentido de que o regime da comunhão universal de bens possibilita que o casal seja considerado como grupo familiar para efeito de aferição de limites de doação para campanhas. Nesse sentido a jurisprudência desta Corte e do TSE:

Recurso. Representação. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal. Pessoa Física. Art. 23, § 1º, I, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014.

Julga-se improcedente a representação por doação acima do limite legal quando, considerado o regime de comunhão universal de bens, o valor doado não ultrapasse 10% do somatório dos rendimentos auferidos pelo casal no exercício fiscal anterior ao pleito.

Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 4564, Acórdão de 02.12.2015, Relatora DRA. MARIA DE LOURDES GALVÃO BRACCINI DE GONZALEZ, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 223, Data 4.12.2015, Página 4).

 

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CARGO. PREFEITO. VICE-PREFEITO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA NATURAL. IMPOSSIBILIDADE DE CONJUGAÇÃO DOS RENDIMENTOS DO CASAL. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. LIMITE DE 10% SOBRE O RENDIMENTO BRUTO, ISOLADAMENTE CONSIDERADO, AUFERIDO NO ANO ANTERIOR AO DA ELEIÇÃO. ART. 23, § 1º, I, DA LEI N. 9.504/97. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DESPROVIMENTO.

1. A conjugação dos rendimentos do casal, para fins de verificação do limite de doação de campanha eleitoral, apenas é admitida na hipótese de regime de comunhão universal.

2. In casu, o TRE/PR consignou que os cônjuges adotaram regime de comunhão parcial de bens, nestes termos (fl. 377): "Dilamar José Rodrigues da Silva extrapolou o limite legal, pois sua doação de R$ 51.000,00 não se encontra no limite de 10% a que se refere a legislação eleitoral, já que sua esposa teve rendimentos de R$ 17.530,00 (fl. 199), que somados aos seus rendimentos, considerando que é casado em regime de comunhão parcial (fl. 207), no montante de R$ 158.706,49 (fl. 197), totalizam a quantia de R$ 176.236,49".

3. Ademais, a única jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral colacionada pelos Agravantes, a fl. 621, versa sobre a possibilidade de comunicação dos bens do casal, para servir de base de cálculo para as doações de campanha, que esteja submetido ao regime de comunhão universal de bens.

4. Agravo regimental desprovido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 45663, Acórdão de 24.3.2015, Relator Min. LUIZ FUX, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 188, Data 02.10.2015, Página 29-30).

Dessa forma, a renda bruta auferida por Zilma Ferraz Ferrari, esposa do recorrido, cujo casamento adota o regime da comunhão universal de bens, conforme certidão da fl. 72, deve ser somada ao seu rendimento bruto.

No ano de 2013, Zilma percebeu rendimentos brutos na ordem de R$ 67.565,96, conforme declaração de imposto de renda acostada aos autos (fls. 78-84), e não R$ 76.714,74, conforme afirma o recorrido em suas contrarrazões.

Quanto ao conceito de rendimento bruto, ressalta-se que a definição da Justiça Eleitoral alinha-se ao entendimento tributário e fiscal. Em recente decisão, o TSE bem analisou a questão, invocando o conceito legal previsto no art. 37 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n. 3.000/99), dispositivo que toma por base o art. 43, inc. I e II, e art. 3º, § 1º, da Lei n. 7.713/88, que regulamenta a tributação dos rendimentos e ganhos de capital, concluindo que o rendimento bruto compreende apenas as receitas auferidas no exercício:

O conceito de rendimento bruto, portanto, deve ser extraído do direito tributário e comprovado pela declaração de imposto de renda.

O art. 37 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n. 3.000/99), fundado no art. 43, inc. I e II, e no art. 3º, §1º, da Lei n. 7.713/88, estabelece:

Art. 37. Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados.

Daí já se vê que o conceito de rendimento bruto compreende apenas as receitas, não incluindo a dedução correspondente às despesas incorridas. Caso fossem levadas em consideração também as despesas dedutíveis não mais se estaria a tratar, na linguagem tributária - e, em razão da remissão legal, tampouco na eleitoral -, de rendimento bruto, mas sim de renda.

Especificamente a respeito dos rendimentos de atividade rural, o art. 61 do Regulamento do Imposto de Renda, por sua vez, estabelece que "a receita bruta da atividade rural é constituída pelo montante das vendas dos produtos oriundos das atividades definidas no art. 58, exploradas pelo próprio produtor-vendedor" .

Já o resultado da atividade rural consiste, nos termos do art. 63 do Regulamento do Imposto de Renda, na "diferença entre o valor da receita bruta recebida e o das despesas pagas no ano-calendário, correspondente a todos os imóveis rurais da pessoa física" .

Como mencionado, para a legislação tributária (e, por força do art. 23 , § 1º, I, da Lei n. 9.504/1997, também para a eleitoral), o conceito de rendimento bruto está vinculado à noção de receita - e não de renda.

(TSE, RESPE - Recurso Especial Eleitoral n. 154311, Decisão monocrática de 3.12.2015, Relatora Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico - 10.12.2015 - Página 65-67).

Ultrapassada a questão conceitual, cumpre enfrentar a controvérsia relativa à liquidação da empresa de propriedade do recorrente e sua incorporação ao rendimento bruto do exercício fiscal de 2012, anterior ao do pleito.

Foram juntadas aos autos, no anexo 1, as cópias das declarações do imposto de renda do recorrido, importando ao feito a relativa ao ano de 2013 (fls. 29-36), que aponta os seguintes rendimentos brutos, de acordo com a definição já referida:

- R$ 66.689,86 – rendimentos percebidos de pessoa jurídica;

- R$ 13.031,65 – rendimentos de cadernetas de poupança e letras hipotecárias;

- R$ 2.252,34 – 13º salário;

- R$ 120.000,00 – atividade rural.

Total: R$ 201.973,85

Ressalto que o saldo da conta-corrente e da conta-poupança do recorrido não integram o conceito de rendimento bruto.

Especificamente quanto à empresa EP Ferrari & Cia LTDA., a declaração de imposto de renda é clara ao especificar que a liquidação da pessoa jurídica foi registrada na Junta Comercial em 3.01.2013, operação que resultou no valor de R$ 106.767,99, que é idêntico ao informado na própria declaração como correspondente ao valor do capital em 31.12.2012. A operação está registrada, na declaração do recorrido, como geradora de lucro zero, não havendo tributação alguma (fl. 32 do anexo):

QUOTA DE CAPITAL NA EMPRESA EPFERRARI & CIA LTDA. CNPJ N. 88.102.280/0001-90 CFE ALTERAÇÃO DE CONTRATO SOCIAL, REG NA MM JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL SOB O N. 19 3 7217 EM SESSÃO DE 08/05/2000, REC REF LIQUIDAÇÃO DA EMPRESA E P FERRARI & CIA LTDA CFE REGISTRO NA JUNTA COMERCIAL SOBR NO 3738847 EM 03/01/2013. VALOR R$ 106.767,99. 

A Receita Federal regulamenta a tributação dos rendimentos brutos percebidos em função da liquidação de empresas por meio da Portaria MF n. 550/94, que disciplina a tributação do ganho de capital auferido por residentes ou domiciliados no exterior em razão da alienação de ações ou quotas, redução de capital para restituição aos sócios ou liquidação de empresas.

A norma é clara ao dispor sobre a tributação apenas em caso de ganho de capital, conforme dispõe o caput do seu art. 1º:

Art. 1º - Ressalvado o disposto em normas especiais, incidirá imposto de renda, à alíquota de 25%, sobre o ganho de capital auferido por residentes ou domiciliados no exterior em razão da alienação de ações ou quotas, redução de capital para restituição aos sócios ou liquidação de empresas.

O valor declarado como relativo à quota de capital da empresa já integrava o patrimônio do recorrido em exercícios anteriores. Na declaração de imposto de renda do ano de 2012, por exemplo, o mesmo valor de R$ 106.767,99 está declarado como relativo à “QUOTA DE CAPITAL NA EMPRESA EPFERRARI & CIA LTDA” (fl. 168 do anexo). Naquele ano, conforme se observa da declaração, a empresa não gerou lucro.

Assim, correto o entendimento recursal no sentido de que a operação não representa acréscimo ao rendimento bruto do doador.

Idêntica conclusão foi alcançada pela Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 265v.- 267):

Merece provimento o recurso do MPE no ponto.

O valor decorrente da liquidação da empresa do recorrido não pode ser considerado como renda auferida no ano calendário de 2013, haja vista que, conforme se depreende da Declaração de Imposto de Renda juntada à fl. 31, o bem já integrava o patrimônio do doador em 31/12/2012.

A Lei das Eleições limita as doações em 10% dos rendimentos não fazendo menção a bens e direitos do doador. Assim, impende distinguir patrimônio de renda. Por rendimento bruto se entende a quantia auferida por um certo tempo, já o patrimônio é o conjunto de bens e direitos de titularidade da pessoa.

Nessa seara, cumpre trazer à lume elucidativo acórdão do Superior Tribunal de Justiça, com minudente análise do conceito de rendimento bruto:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ADESÃO DE EMPREGADO (INICIATIVA PRIVADA) À PROGRAMA DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA - PDV. NÃO INCIDÊNCIA. LIBERALIDADE DO EMPREGADOR. INOCORRÊNCIA. MONTANTE PAGO PARA GARANTIR O MÍNIMO EXISTENCIAL DO ADERENTE. A VERBA INDENIZATÓRIA DECORRENTE DO PDV NÃO TEM NATUREZA JURÍDICA DE RENDA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 153, III, § 2º, I, E 145, § 1º, DA CF/88, C/C ARTIGO 43, DO CTN. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. ACÓRDÃO REGIONAL QUE PUGNA PELA EXISTÊNCIA DE ADESÃO A PDV. JULGAMENTO, PELA PRIMEIRA SEÇÃO, DE RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (RESP 1.112.745/SP).

1. O imposto de renda não incide sobre o montante decorrente da adesão de empregado de iniciativa privada a programa de demissão voluntária - PDV, uma vez não configurada hipótese de incidência do tributo (Precedente da Primeira Seção submetido ao rito do artigo 543-C, do CPC: REsp 1.112.745/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 23.09.2009, DJe 01.10.2009).

2. O imposto de renda, em sua configuração constitucional, incide sobre renda e proventos de qualquer natureza (artigo 153, III, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).

[...]

12. O imposto sobre a renda incide sobre o produto da atividade de auferir renda ou proventos de qualquer natureza, que constitua riqueza nova agregada ao patrimônio do contribuinte e deve se pautar pelos princípios da progressividade, generalidade, universalidade e capacidade contributiva, nos termos do artigos 153, III, § 2º, I, e 145, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Sob o viés da matriz constitucional, foi recepcionado o conceito do artigo 43, do CTN, de renda e proventos, que contém em si uma conotação de contraprestação pela atividade exercida pelo contribuinte.

13. O conceito doutrinário de renda tributável é, assim, cediço:

"Estamos notando, assim, que para o Direito, os conceitos de renda e proventos não coincidem com os da Economia, que considera qualquer acréscimo patrimonial passível de sofrer a tributação em pauta. Nas hostes jurídicas tais conceitos tem uma extensão bem mais restrita: acréscimo patrimonial, experimentado durante certo lapso de tempo, que só pode ser levado à tributação quando atende aos princípios da isonomia, da capacidade contributiva e da não confiscatoriedade - e, portanto, prestigia a vida, a dignidade da pessoa humana e a propriedade, preservando 'o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos' valores supremos que levaram os representantes do Povo Brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, a inscrevê-los já no Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil."

[…]

Deveras, parece-nos que dentre os diversos conceitos de renda e proventos de qualquer natureza, fornecido pela Ciência Econômica, pode o legislador ordinário apenas optar por um deles, e, ainda assim, desde que sua escolha permita compatibilizar a incidência com os princípios constitucionais que norteiam tal tributação, máxime o da capacidade contributiva. É que, de acordo com a Constituição , renda e proventos de qualquer natureza devem representar ganhos ou riquezas novas. Do contrário, não será atendido o princípio da capacidade contributiva.

Realmente, os conceitos de renda e proventos de qualquer natureza precisam levar em conta, dentre outros princípios, o da capacidade contributiva do sujeito passivo tributário. [...] Porque o princípio da capacidade contributiva informa a tributação por via de impostos (art. 145, § 1º da CF).

Nesse sentido a lição escorreita de Antonia Agulló Agüero: 'Uma definição fiscal de renda há de ser apta a medir a capacidade contributiva e esta característica é precisamente o que a diferencia de outras definições que, como a contábil ou a estritamente econômica, perseguem fins tais como a comparação entre os resultados de vários exercícios econômicos ou o cômputo de valor agregado num processo de produção. [...] Mesmo cientes disto, observamos, de bom grado, que o próprio Código Tributário Nacional, desde que interpretado de modo adequado, não ultrapassou os limites constitucionais." (Carrazza, Roque Antônio, in "Imposto sobre a renda (perfil constitucional e temas específicos)", São Paulo: Malheiros, 2005, p. 48, 52/53 e 55).

[...]

18. Embargos de divergência providos.

(EREsp 1057912/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23.02.2011, DJe 26.4.2011).

 

Semelhante entendimento é adotado nesse Tribunal Regional:

Recurso. Doação de recursos acima do limite legal. Pessoa Física. Representação julgada procedente no juízo originário. Aplicação de sanção pecuniária. [...] Adoção das regras estabelecidas pela legislação tributária para estabelecer o conceito de rendimento bruto, alinhado aos princípios constitucionais, em especial, ao da capacidade contributiva do sujeito passivo. Inviável o alargamento de sua compreensão para incluir no limite estabelecido pelo § 1º do artigo 23 da Lei n. 9.504/97, o valor representado pelos bens e direitos do doador. Relevância, para o enquadramento legal, apenas dos rendimentos auferidos em certo lapso de tempo, constituídos de ganhos ou riquezas novas, sem incidência de qualquer dedução. Impossibilidade de descaracterizar o excesso apontado na inicial, com a composição do rendimento bruto acrescido do quantitativo do patrimônio declarado. Provimento negado. (Grifei.)

(Recurso Eleitoral n. 3864, Acórdão de 24.01.2012, Relatora DESA. FEDERAL MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 012, Data 26.01.2012, Página 01).

Na mesma senda, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, consoante o precedente a seguir colacionado:

Doação. Limite. Lei n. 9.504, de 1997, artigo 23, § 1º. As doações para campanhas eleitorais estão limitadas, quando feitas por pessoas físicas, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição, sendo irrelevante o valor de seu patrimônio. (Grifei.)

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 16385, Acórdão n. 16385 de 5.12.2000, Relator Min. FERNANDO NEVES DA SILVA, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 20.4.2001, Página 279).

Dessa forma, o valor de R$ 106.767,99 (cento e seis mil setecentos e sessenta e sete reais e noventa e nove centavos) não pode ser considerado como recurso auferido pelo recorrido em 2013.

[...]

Assim, deve ser considerado o valor auferido pela esposa do recorrido no total de R$ 67.565,96 (sessenta e sete mil, quinhentos e sessenta e cinco reais e noventa e seis centavos).

Entretanto, da análise do caso em tela, verifica-se que ainda que seja somado o rendimento da esposa ao rendimento do representado, ele terá extrapolado o limite de doação.

O rendimento bruto do casal, auferido no ano imediatamente anterior ao da eleição, totaliza o valor de R$ 269.539,81 (duzentos e sessenta e nove mil, quinhentos e trinta e nove reais e oitenta e um centavos). Logo, o recorrido poderia ter doado, no máximo, R$ 26.953,98 (vinte e seis mil, novecentos e cinquenta e três reais, e noventa e oito centavos) conforme previsão legal supracitada.

Portanto, o valor da doação – R$ 30.400,00 (trinta mil e quatrocentos reais) – extrapola o limite máximo estabelecido em R$ 3.446,02 (três mil, quatrocentos e quarenta e seis reais e dois centavos).

Assim, deve ser reformada a sentença, com aplicação de multa ao recorrido no valor de cinco vezes a quantia doada em excesso, ou seja, R$ 17.230,10 (dezessete mil, duzentos e trinta reais e dez centavos).

III – CONCLUSÃO

A Procuradoria Regional Eleitoral, por tais fundamentos, manifesta-se pelo provimento parcial do recurso interposto, a fim de que seja reformada a sentença e aplicada multa de cinco vezes o valor doado em excesso, ou seja, R$ 17.230,10 (dezessete mil, duzentos e trinta reais e dez centavos).

Assim, correto o entendimento recursal de que somente poderia ser considerado rendimento bruto a diferença positiva entre o valor recebido quando da liquidação e o aplicado, e não o valor do bem, que já integrava o patrimônio do doador no exercício anterior (2012).

Ademais, a dita quota de capital encontra-se declarada – como não poderia deixar de ser – no item “Declaração de Bens e Direitos”, e não em quaisquer dos itens “Rendimentos”, sejam tributáveis ou não.

Não há se falar, portanto, em rendimento proveniente de liquidação de empresa, devendo a decisão a quo ser reformada, nesse ponto.

Portanto, tendo em conta que o rendimento bruto do recorrido no ano de 2012 foi de R$ 201.973,85, e o de sua esposa alcançou o montante de R$ 67.565,96, tem-se que a renda bruta perfaz o total de R$ 269.539,81 (duzentos e sessenta e nove mil, quinhentos e trinta e nove reais e oitenta e um centavos).

O limite de doação, no caso concreto, era de R$ 26.953,98 (vinte e seis mil, novecentos e cinquenta e três reais, e noventa e oito centavos), conforme previsão legal supracitada, mas o valor da doação foi de R$ 30.400,00 (trinta mil e quatrocentos reais), quantia que excede o patamar de 10% em R$ 3.446,02 (três mil, quatrocentos e quarenta e seis reais e dois centavos).

A sentença merece reforma para o fim de ser julgada procedente a representação com a consequente condenação do recorrido ao pagamento de cinco vezes a quantia em excesso, ou seja, R$ 17.230,10 (dezessete mil, duzentos e trinta reais e dez centavos), penalidade mínima prevista no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97 para a reprovação da conduta.

Em face do exposto, afasto a preliminar e VOTO pelo parcial provimento do recurso para o fim de julgar procedente a representação e condenar o recorrido ao pagamento de multa no valor de R$ 17.230,10 (dezessete mil, duzentos e trinta reais e dez centavos), consignando que, no cálculo da doação acima do limite legal, foi considerada a soma dos rendimentos brutos auferidos pelo casal em virtude da existência de comunhão universal de bens.