RE - 3233 - Sessão: 28/07/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT de Erechim contra sentença que desaprovou sua prestação de contas referente ao exercício financeiro de 2014 e aplicou a penalidade de suspensão de repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de um ano, em virtude da falta de manutenção de conta bancária e de apresentação dos respectivos extratos contemplando todo o período do exercício (fls. 93-96).

Em suas razões (fls. 102-114), o recorrente suscita a preliminar de cerceamento de defesa, ao argumento de que o partido e seu procurador constituído não teriam sido notificados para juntar os documentos faltantes aos autos. No mérito, sustenta que o partido possuía conta bancária, a qual foi encerrada automaticamente pela instituição financeira por ausência de movimentação, do que também decorre a falta de extratos de todos os meses do exercício, tendo sido apresentados apenas três extratos. Requer o provimento do recurso para o fim de serem aprovadas as contas.

O Ministério Público Eleitoral apresentou contrarrazões pela manutenção da sentença (fls. 117 e verso).

A Procuradoria Regional Eleitoral opinou, preliminarmente, pela nulidade da sentença por ausência de citação dos responsáveis para oferecimento de defesa, conforme prevê a Resolução TSE n. 23.432/14. No mérito, manifestou-se pelo afastamento da preliminar de cerceamento de defesa e pelo desprovimento do recurso (fls. 120-124v.).

O órgão técnico prestou informação sobre o processo às fls. 132-134.

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes (relator):

O recurso é tempestivo e merece ser conhecido. A sentença foi publicada em 22.9.2015 (fl. 99) e o recurso foi interposto em 24.9.2015 (fl. 102), dentro do prazo de três dias previsto no art. 53, § 1º, da Resolução TSE n. 23.432/14.

Passo ao enfrentamento das preliminares suscitadas pelo recorrente e pela Procuradoria Regional Eleitoral, e adianto que não prosperam.

 

a) Preliminar de nulidade da sentença

A Procuradoria Regional Eleitoral suscitou preliminar de nulidade da sentença em face da ausência de observância do art. 38 da Resolução TSE n. 23.432/14, que prevê a citação dos dirigentes partidários em caso de parecer técnico ou ministerial pela desaprovação das contas.

Sobre a questão, há entendimento consolidado no âmbito deste Tribunal no sentido de que o litisconsórcio previsto na nova regulamentação de contas partidárias, por ser regra que interfere no exame do mérito do processo, é matéria que só deve ser aplicada nas prestações de contas dos exercícios financeiros do ano de 2015 em diante, nos termos do caput do art. 67 da Resolução TSE n. 23.432/14: “As disposições previstas nesta Resolução não atingirão o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2015”. Com esse entendimento o seguinte precedente:

Agravo Regimental. Partido político. Omissão quanto a apresentação das contas com relação ao exercício financeiro de 2014. Interposição contra decisão monocrática que determinou a exclusão dos dirigentes partidários do feito, mantendo-se apenas a agremiação como parte. Vigência da novel Resolução TSE n. 23.432/14, instituindo mudanças de procedimentos, como a formação de litisconsórcio necessário entre partido e dirigentes. Previsão inserida no novo texto legal, limitando a sua aplicação em matéria que envolva o mérito das prestações de contas de exercícios anteriores a 2015, a fim de evitar eventual descompasso com o princípio basilar da segurança jurídica e da estabilidade das relações processuais. A alteração da natureza da responsabilidade dos dirigentes partidários pelas irregularidades nas contas dos partidos reflete diretamente no exame do mérito das contas, extrapolando o conteúdo processual das disposições com aplicação imediata. Prevalência do princípio do tempus regit actum. Aplicação, in casu, das disposições da Resolução TSE n. 21.841/04, que não previa a apuração da responsabilidade solidária aos dirigentes partidários no julgamento das contas. Provimento negado.

(TRE-RS, AgReg 11508, deste relator, DEJERS de 08.92015)

Com efeito, a inteligência de que a Resolução TSE n. 23.432/14 trouxe alteração significativa no plano jurídico, ao prever a formação de litisconsórcio necessário entre os responsáveis pelas contas e o partido político, coloca em dúvida a validade da aplicação da nova regra em processos relativos a exercícios anteriores a sua vigência, como ocorre no caso em tela.

Esse entendimento de forma alguma poderia caracterizar malferimento dos princípios da ampla defesa e do contraditório, pois, se não serão alcançados pela decisão judicial que julgar a presente prestação de contas, não há porque os responsáveis exercerem o contraditório nos autos, o que não importa prejuízo nem reflete nulidade do feito, restando a eles assegurado o postulado da segurança jurídica. 

Além disso, a declaração de nulidade e a consequente baixa dos autos para reabertura da instrução nem sequer teria utilidade ao feito, pois as contas foram reprovadas unicamente em face da ausência de extratos contemplando todos os meses do período sob exame, havendo registro de que o partido não movimentou recursos em espécies e apenas obteve recursos estimáveis em dinheiro.

Nem sequer há determinação de restituição de valores ao Fundo Partidário ou de recolhimento de qualquer quantia ao Tesouro Nacional.

No processo eleitoral vige o princípio do prejuízo, máxima expressamente prevista no art. 219 do Código Eleitoral: “Na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo”.

No caso concreto, a citação dos responsáveis teria o condão de modificar o exame das contas, caso houvesse apuração de falhas que pudessem ser esclarecidas pelos dirigentes partidários ou de dívida que pudesse ser cobrada destes enquanto pessoas físicas.

Porém, considerando que a própria agremiação reconhece que a conta bancária foi encerrada pela instituição financeira e que não foi apontada, durante o exame, a necessidade de recolhimento de valores, porquanto nem sequer houve movimentação financeira por parte da agremiação, eventual declaração de nulidade não aproveitaria ao resultado útil do processo, razão pela qual rejeito a preliminar.

 

b) Cerceamento de defesa

O recorrente alega que o partido político e o procurador constituído não foram notificados para juntar os extratos bancários aos autos.

No entanto, a alegação não prospera, pois o advogado da agremiação foi efetivamente notificado sobre o parecer de exame de contas, nos termos do art. 43 da Resolução TSE n. 23.432/14, que dispõe: “Todas as intimações do órgão partidário e dos seus dirigentes serão realizadas à pessoa do seu advogado, mediante publicação no Diário da Justiça Eletrônico ou, onde ele não existir, por meio de fac-símile para o número previamente indicado no momento da apresentação das contas”.

O relatório para expedição de diligências (fl. 59) solicita ao partido a apresentação de extratos bancários consolidados e definitivos, ressaltando tratar-se de documentos imprescindíveis para a fiscalização da escritura contábil pela Justiça Eleitoral.

Na sequência, o juízo a quo determinou a intimação do órgão partidário para manifestação no prazo de trinta dias, o que foi cumprido por meio da nota de expediente n. 039/2015, publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do RS no dia 19.6.2015 (fls. 61-62).

Na intimação constam os nomes do partido e do procurador habilitado, com o respectivo número da OAB, não havendo que se falar em cerceamento de defesa por ausência de intimação.

Além disso, foi certificado nos autos que, embora devidamente intimado, o partido não se manifestou sobre o parecer técnico (fl. 63).

Portanto, afasto a preliminar.

No mérito, o Partido Democrático Trabalhista – PDT de Erechim teve as contas relativas ao exercício de 2014 desaprovadas em razão da ausência de manutenção de conta bancária e dos respectivos extratos, vindo a ser sancionado com a suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de um ano.

Em suas razões, a agremiação sustenta que a falha se deve ao encerramento automático da conta corrente pelo banco, em função da falta de movimentação financeira, não havendo, no seu entender, mácula capaz de comprometer a transparência da contabilidade, pois o partido não recebeu recursos em dinheiro nem quotas do Fundo Partidário, apenas recursos estimáveis.

De fato, os autos da prestação de contas demonstram que, durante o exercício de 2014, o partido realizou apenas despesas operacionais no valor de R$ 675,00, todas adimplidas com doação de bens estimáveis em dinheiro em valor igual.

A movimentação financeira é toda constituída de termos de doação de bens estimáveis em dinheiro: a) serviços de consultoria jurídica, no valor de R$ 150,00 (fl. 27); b) serviços de consultoria contábil, no valor de R$ 250,00 (fl. 28); c) material de expediente, no valor de R$ 25,00 (fl. 29); d) combustível, no valor de R$ 100,00 (fl. 30); e e) locação de veículo, no valor de R$ 150,00 (fl. 31).

Todos esses gastos, somados, alcançam o valor declarado nas contas, de R$ 675,00, estão devidamente documentados, e a conta fecha.

Na fl. 32 está informado o número da conta bancária do partido, mas o documento da fl. 33 informa que a conta foi encerrada por falta de movimentação em fevereiro de 2014.

Posteriormente, a conta foi eliminada em março de 2014. Na fl. 34 foi juntado o extrato bancário relativo ao mês de janeiro de 2014, que está zerado.

O único motivo para a desaprovação das contas apontado pelo juízo a quo é a ausência de juntada da íntegra dos extratos bancários.

Estou ciente da jurisprudência deste Tribunal, que há muito tempo tem exigido dos partidos políticos a abertura de conta bancária e a apresentação de extratos zerados a fim de provar a alegação de falta de movimentação financeira. Pela lealdade ao debate, colaciono precedentes nesse sentido:

Recurso. Prestação de contas. Exercício 2008. Aprovação com ressalvas no juízo originário. Ausência de abertura de conta bancária específica. Irresignação ministerial consignando a ocorrência de vício insanável.

Providência imprescindível para a aferição da movimentação financeira do partido e para comprovar, através dos extratos bancários, a alegada ausência de receitas e despesas. Circunstância que torna inviável o exame de regularidade das contas, impondo a sua desaprovação.

Aplicação da suspensão das cotas do Fundo Partidário, de acordo com o art. 37, § 3º, da Lei n. 9.096/95, com a redação dada pela Lei n. 12.034/09. Dosimetria da sanção após consideração de critérios objetivos, consistentes na análise da gravidade das falhas, dos precedentes jurisprudenciais, do conjunto de irregularidades e do correspondente percentual impugnado em face do total movimentado pela agremiação. Razoabilidade e proporcionalidade para estipular em oito meses a perda das cotas do referido fundo.

Provimento.

(TRE-RS, Prestação de Contas n. 195243, Acórdão de 11.11.2011, Relatora DESA. FEDERAL MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 197, Data 16.11.2011, Página 9.)

 

Recurso. Prestação de contas anual de partido político. Arts. 10 e 13, parágrafo único, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2010.

Aprovação no juízo originário.

1. Contas zeradas. A apresentação de contas sem movimentação afronta a norma de regência.

2. A ausência de abertura de conta bancária inviabiliza a verificação da destinação dos recursos movimentados pelo partido, comprometendo a regularidade e a transparência da demonstração contábil.

Omissões que ensejam a desaprovação das contas.

Suspensão do recebimento das cotas do Fundo Partidário por quatro meses.

Provimento parcial.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 4861, Acórdão de 26.11.2013, deste Relator, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 220, Data 28.11.2013, Página 4.)

 

Recurso. Prestação de contas anual. Partido político. Art. 4º, caput, da Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2014. Falta de abertura de conta bancária para o registro da movimentação financeira e da apresentação dos extratos bancários correspondentes. Providências imprescindíveis, seja para demonstrar a origem e a destinação dada aos recursos, seja para comprovar a alegada ausência de movimentação financeira à Justiça Eleitoral. Inaplicabilidade da norma que desobriga a apresentação das contas por órgãos partidários que não tenham movimentação financeira e que exclui a sanção de suspensão de quotas do Fundo Partidário, haja vista a irretroatividade dos efeitos das alterações decorrentes da Lei n. 13.165/15, conforme entendimento firmado por este Tribunal. Readequação, de ofício, do prazo de suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário para 1 (um) mês. Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n. 3350, Acórdão de 25.01.2016, Relator DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D`AZEVEDO AURVALLE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 16, Data 29.01.2016, Página 4.)

No caso dos autos, todavia, e sem propor uma modificação da jurisprudência consolidada da Corte, entendo que essa posição pode ser flexibilizada porque o partido, efetivamente, abriu a conta bancária, a qual foi fechada pela instituição bancária a sua revelia, justamente, por falta de movimentação bancária.

Tendo em conta a ausência de notícia de indícios de fraude ou má-fé, proponho que sejam aplicados ao feito os precedentes do TSE que consideram a possibilidade de aprovação das contas com ressalvas quando a irregularidade não se revele de magnitude necessária a atrair a desaprovação das contas de partido político se não houve movimentação financeira no exercício.

A Corte Superior Eleitoral, em hipóteses específicas, como a dos autos, nas quais se analisam contas com valores módicos ou irrisórios, admite até mesmo a mitigação da obrigatoriedade de abertura de conta bancária, quando a prova da falta de movimentação financeira puder ser suprida por outros meios igualmente idôneos, situação verificada nos autos, pois a própria instituição financeira afirma ter encerrado a conta bancária em virtude da ausência de movimentação:

O TRE/MT consignou, ainda, que “o partido político não teve lucro nem prejuízo acumulado ao longo do exercício; não tem patrimônio próprio; não teve despesas; não tem obrigações a pagar [e] não distribuiu recursos de fundo partidário a nenhum candidato ou integrante da legenda” (fl. 75).

Em hipóteses como a dos autos, o Tribunal Superior Eleitoral tem mitigado a exigência de abertura da conta bancária. Nesse sentido, os seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2010. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. DESPROVIMENTO.

1. A jurisprudência desta Corte admite a mitigação da obrigatoriedade de abertura de conta bancária, quando a falha não impede o controle das contas pela Justiça Eleitoral, em razão da ausência de movimentação financeira - inexistência de arrecadação de recursos e realização de despesas -, como afirmado pelo Tribunal Regional. [...]

(AgR-REspe 66-98/MT, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 23.5.2014.) (sem destaque no original).

[...] - Ainda que se tenha averiguado a ausência de abertura de conta bancária específica por diretório municipal, tal fato, por si só, não enseja a desaprovação das contas do partido, consideradas as peculiaridades do caso, em que foi reconhecida pelo Tribunal Regional Eleitoral a realização de uma única despesa, de valor diminuto, relativa ao exercício financeiro. [...]

(AgR-REspe 30-93/DF, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 17/10/2012)

(TSE, RESPE 353620116110041, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 1.8.2014).

Portanto, a falha não impediu o controle das contas pela Justiça Eleitoral, havendo manifesta falta de arrecadação de recursos em espécies no período em exame.

A Lei n. 13.165/15, que institui a reforma eleitoral, incorporou esse entendimento ao incluir o § 4º ao art. 32 da Lei n. 9.096/1995, que dispõe: “os órgãos partidários municipais que não hajam movimentado recursos financeiros ou arrecadado bens estimáveis em dinheiro ficam desobrigados de prestar contas à Justiça Eleitoral, exigindo-se do responsável partidário, no prazo estipulado no caput, a apresentação de declaração da ausência de movimentação de recursos nesse período”.

Com muito respeito ao pensamento contrário, entendo que, por ser a razão do encerramento da conta a falta de movimentação financeira, deve ser considerada comprovada a ausência de recebimento de recursos em espécie, conclusão que se afigura muito mais razoável e proporcional do que o juízo de desaprovação.

Diante do exposto, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo provimento parcial do recurso para o fim de aprovar as contas com ressalvas.