RC - 477 - Sessão: 31/03/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em processo-crime eleitoral interposto por LUCAS NOGUEIRA BATISTA (fls. 245-248) contra decisão do Juízo Eleitoral da 47ª Zona, que condenou o recorrente pela prática de transporte irregular de eleitores, tipificado no art. 11, III, c/c art. 5º, ambos da Lei n. 6.091/74, em razão do seguinte fato, assim descrito na denúncia:

No dia 05 de outubro de 2014, LUCAS NOGUEIRA BATISTA promoveu, no dia da eleição, com o fim de fraudar o exercício do voto, a concentração de eleitores, através do fornecimento gratuito de transporte coletivo.

Na ocasião, o denunciado estava conduzindo o veículo Gm/Prisma, de cor prata, placa FFV-0207, quando foi abordado pela Polícia Federal transportando eleitores que ainda não haviam votado e que votariam no Centro Nativista Boitatá.

O veículo foi abordado nas proximidades do Centro Nativista Boitatá com dois eleitores, quais sejam, Ademir Gavião Bastarrache e Cristiano Silveira.

Dentro do veículo, foram apreendidos os documentos constantes das fls. 17/23, conforme auto das fls. 15/16.

A denúncia foi recebida no dia 6 de fevereiro de 2015 (fl. 89).

Citado (fl. 93), o denunciado ofereceu resposta, com rol de testemunhas (fl. 100). Realizada instrução e interrogado o réu (fls. 136-137, 144-145, 157-158), foram apresentadas alegações finais.

Na sentença (fls. 179-212), o juízo julgou procedente a denúncia, considerando comprovadas a materialidade e autoria do delito. Registrou que o transporte ao local de votação foi flagrado por policiais militares, confirmado pelos eleitores transportados e pelo próprio acusado. Fundamentou haver elementos demonstrando o transporte de outros eleitores, além daqueles flagrados. Justificou que o acusado atuou na campanha eleitoral e possuía materiais de propaganda no veículo. Condenou o réu à pena de quatro anos de reclusão, em regime inicial aberto, e pena de multa no valor de 200 dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo, substituindo a pena privativa por duas restritivas de direitos.

Em suas razões recursais (fls. 245-248), LUCAS NOGUEIRA BATISTA aduz não ter havido dolo de fraudar o exercício do voto, circunstância confirmada pelas testemunhas. Argumenta que o transporte se limitou a auxiliar conhecidos, sem qualquer pedido de voto. Requer a absolvição.

Com as contrarrazões (fls. 250-261v.), nesta instância, os autos foram remetidos em vista ao Ministério Público Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 266-272v.).

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes (Relator):

O juízo de primeiro grau considerou comprovada a prática do delito tipificado no art. 11, III, combinado com o art. 5º, da Lei n. 6091/74, entendendo que o recorrente Lucas Nogueira Batista realizou transporte gratuito de eleitores com a finalidade de fraudar o exercício do voto. Transcrevo os dispositivos legais em questão:

Art. 11. Constitui crime eleitoral:

III - descumprir a proibição dos artigos 5º, 8º e 10:

Pena - reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias multa (art. 302 do Código Eleitoral)

 

Art. 5º. Nenhum veículo ou embarcação poderá fazer transporte de eleitores desde o dia anterior até o posterior à eleição, salvo:

I - a serviço da Justiça Eleitoral;

II - coletivos de linhas regulares e não fretados;

III - de uso individual do proprietário, para o exercício do próprio voto e dos membros da sua família;

IV - o serviço normal, sem finalidade eleitoral, de veículos de aluguel não atingidos pela requisição de que trata o art. 2º.

Trata-se de crime formal, prescindindo de resultado naturalístico para a sua caracterização, mas exige que o transporte ocorra com a finalidade específica de fraudar o exercício do voto.

Leciona Suzana de Camargo Gomes que o delito de transporte de eleitores constitui conduta criminosa, desde que realizado com finalidade eleitoral, ou seja, desde que a vontade deliberada do agente seja no sentido de obter vantagem de ordem eleitoral com o transporte (Crimes Eleitorais, 4. ed., 2010, p. 214).

Nesse mesmo sentido é a jurisprudência:

AÇÃO PENAL. CRIME ELEITORAL. TRANSPORTE DE ELEITORES. ART. 11, III, DA LEI Nº 6.091/74. CANDIDATO A PREFEITO E VEREADOR. PLEITO DE 2008.

1. Na linha da jurisprudência desta Corte Superior "a prova do elemento subjetivo, da intenção de obter votos, pode ser revelada mediante o contexto verificado" (HC nº 432-93, rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 22.3.2013). Tal assertiva não afasta a firme orientação no sentido de que o tipo do art. 11, III, da Lei nº 6.091/74 tem como elemento subjetivo específico a exigência de o transporte ser concedido com o fim explícito de aliciar eleitores. Precedente: AgR-REspe n. 28.517, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJe de 5.9.2008; AgR-REspe n. 21.641, rel. Min. Luiz Carlos Madeira, DJ de 5.8.2005.

2. De acordo com as premissas do acórdão regional, que reformou a sentença de improcedência da denúncia, verifica-se ser incontroverso que houve apenas o transporte de quatro eleitores de uma mesma família, no dia da eleição, não restando evidenciadas outras circunstâncias que comprovassem o dolo específico de interferir na vontade dos eleitores mediante o fornecimento de transporte no dia da eleição.

Recurso especial provido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 305, Acórdão de 4.8.2015, Relator Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação DJe - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 201, Data 22.10.2015, Páginas 25-26).

 

Recurso criminal. Transporte irregular de eleitores. Art. 11, inc. III, c/c art. 5º, ambos da Lei n. 6.091/74. Vereador. Eleições 2012.

Procedência da denúncia no juízo originário.

Afastada matéria prefacial. A preliminar de nulidade da sentença confunde-se com o mérito. Rejeitada de ofício a prefacial de nulidade do interrogatório, em obediência ao princípio da instrumentalidade das formas, pois sendo a decisão favorável ao réu despiciendo determinar o retorno dos autos à origem se não identificado o prejuízo da parte que seria beneficiada com a nulidade do ato.

Ausência de prova suficiente para condenação. Reconhecida a ocorrência do fato e da autoria, mas não comprovada a existência do elemento subjetivo do tipo consistente na vontade de aliciar os eleitores transportados. Para a caracterização do delito não basta a mera ação objetiva de transportar eleitores. A legislação veda o transporte de eleitores com o fim de obter-lhes o voto. Reforma da sentença. Abolvição do réu.

Provimento.

(TRE-RS, Recurso Criminal n. 23045, Acórdão de 01.10.2013, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, Publicação DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 183, Data 3.10.2013, Página 6).

 

RECURSO ESPECIAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. IMPUTAÇÃO DO CRIME DE TRANSPORTE ILEGAL DE ELEITORES. ARTIGO 11, III, C.C. O ART. 5º DA LEI Nº 6.091/74. CIRCUNSTÂNCIA NECESSÁRIA NÃO DESCRITA. DOLO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO NA PEÇA ACUSATÓRIA. ORDEM CONCEDIDA.

- O delito tipificado no art. 11, III, da Lei nº 6.091/74, de mera conduta, exige, para sua configuração, o dolo específico, que é, no caso, a intenção de obter vantagem eleitoral, pois o que pretende a lei impedir é o transporte de eleitores com fins de aliciamento.

- Circunstância necessária não descrita, ausente na peça acusatória indicação da possibilidade de existência do elemento subjetivo.

- Agravo regimental a que se nega provimento.

(AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 28517, Acórdão de 7.8.2008, Relator Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJ - Diário da Justiça, Data 5.9.2008, Página 17 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 19, Tomo 3, Página 255).

Ainda acerca da finalidade eleitoral da conduta, merecem ser transcritas as considerações tecidas pelo Ministro Luiz Carlos Madeira no julgamento do RESPE 21.641:

Exige o tipo penal não somente a prática do traslado, mas a demonstração de interferência no pleito eleitoral com intento de fraude, ou seja, necessário evidenciar a execução de atos, tais como propagandas e pedidos, com o intuito de obter dividendos quanto à vontade do eleitor.

Na hipótese dos autos, de fato, não restam dúvidas acerca do transporte de eleitores e da autoria do recorrente.

Lucas Nogueira foi abordado pela Polícia Federal quando deixava dois eleitores, Ademir Gavião e Cristiano Silveira, em frente aos seus locais de votação, conforme se verifica pelo auto de prisão em flagrante (fl. 9). Da mesma forma, tanto o acusado quanto os eleitores transportados admitiram em juízo que a carona foi dada para que pudessem votar.

Conforme se extrai dos testemunhos prestados, o eleitor Cristiano Silveira entrou em contato com sua avó, Florentina Minhos, que trabalhava na campanha eleitoral de Ana Amélia e Frederico Antunes, perguntando se não havia um conhecido que pudesse lhe dar carona para votar. Passado algum tempo, Lucas, também vinculado à campanha dos candidatos, apareceu na casa de Cristiano para levá-lo, juntamente com seu amigo Ademir Gavião, ao local de votação, onde foram abordados pela polícia.

Não obstante tais fatos, também se extrai das provas a ausência de pedido de votos ou propaganda eleitoral no curso do transporte.

Perguntado sobre eventual aliciamento por parte de Lucas, Ademir Gavião negou o fato:

Ministério Público: E ele falou alguma coisa de candidato, alguma coisa no carro?

Testemunha: Não, eu já tinha os meus votos já.

Ministério Público: Viu algum santinho dentro do carro, alguma coisa?

Testemunha: Não.

No mesmo sentido foi o testemunho de Cristiano Silveira. Ao ser perguntado se o acusado falou de política no carro, o eleitor respondeu: “não”.

As versões apresentadas em juízo estão em conformidade com os depoimentos prestados perante a autoridade policial logo após a abordagem, momento no qual os eleitores negaram ter falado sobre política ou visto material de campanha no veículo (fls. 13 e 16).

Verifica-se, portanto, de forma coerente e segura, que o transporte não foi utilizado com a finalidade específica de aliciar os eleitores Ademir e Cristiano, tanto que assuntos políticos não foram tratados no trajeto nem lhes foram apresentadas as propagandas eleitorais que se encontravam no interior do veículo. Destaque-se que o transporte foi solicitado pelo próprio eleitor, por meio de sua avó, Florentina Minhos, que trabalhava na campanha eleitoral, pois não conseguiria comparecer à seção eleitoral por causa da chuva, e não há evidências de que, neste contato, sua progenitora tenha tentado cooptar seu voto.

Existem ainda elementos nos autos apontando para a realização de transporte de outros eleitores por Lucas. Os policiais que o abordaram em frente a seção eleitoral observaram seu deslocamento, constando que outros dois cidadãos estavam sendo transportados para outra seção. Transcrevo o testemunho de José Antero Viana no ponto:

Testemunha: Eu sou da parte de inteligência da Brigada Militar, aí a gente recebeu denúncia de que o veículo Prisma estaria carregando eleitores, denúncia por telefone, aí nós, no Boitatá, próximo ao Boitatá, aí a gente, nós ficamos ali perto do Boitatá e Olavo, aí o Prisma...

Ministério Público: Em viatura discreta?

Testemunha: Discreta, viatura discreta.

Ministério Público: Você estava junto com quem?

Testemunha: Sargento Gibicoski, Laurindo Adão Gibicoski.

Ministério Público: Pode continuar.

Testemunha: Daí nós ficamos ali nas proximidades, aí quando o Prisma chegou e largou duas pessoas no Olavo Bilac.

Ministério Público: Mas tu viu, era o mesmo veículo que vocês tinham recebido a informação?

Testemunha: Sim, sim, pela placa né.

Ministério Público: Aham.

Testemunha: Aí nós acompanhamos, ele pegou duas pessoas no Boitatá e levou até a Rua Dom Pedro, se não me engano, ali ele liberou as duas pessoas e nós fizemos o retorno e viemos pra frente do Boitatá de novo, aí mais tarde ele chegou com mais duas pessoas que aí o pessoal da Federal estava junto que apreendeu o veículo.

Ministério Público: Mais tarde quanto tempo?

Testemunha: Cerca de, o que, dez minutos por aí, dez, quinze minutos.

Ocorre que nenhuma das pessoas transportadas recebeu pedido de voto ou de propaganda eleitoral. Rozane Dornelles entrou em contato com Florentina Minhos porque não tinha como votar, solicitando que esta lhe providenciasse uma carona. Tempo depois, Lucas apareceu para levá-la ao seu local de votação, mas, durante o percurso, a testemunha não notou a presença de santinhos, nem falou com o réu sobre matéria eleitoral:

Ministério Público: E dentro do carro qual foi a conversa, onde que a senhora vota?

Testemunha: Eu voto no Olavo.

Ministério Público: Ele pediu voto para alguém? Tinha santinho dentro do carro? A senhora não viu?

Testemunha: Não. Não tinha nada de santinho nem pediu nada de voto.

Ministério Público: A senhora não viu propaganda eleitoral lá dentro do carro?

Testemunha: Também não vi.

Ministério Público: E o que que vocês foram conversando? Conversaram sobre eleição, alguma coisa?

Testemunha: Não, nem conversamos sobre eleição, só ... me levou e pronto. Me deixou lá na frente só.

A testemunha foi transportada junto com seu namorado, Florêncio Silveira, o qual, a despeito de confirmar a carona, também asseverou a ausência de pedido de votos ou aliciamento eleitoral:

Ministério Público: E ali dentro do carro, houve algum pedido de voto? Ele tinha santinho?

Testemunha: Não.

Ministério Público: Ele falou alguma coisa sobre a política?

Testemunha: Comentar, comentário sempre tem né!? Mas nada dizendo pra quem tinha que votar ou dando sugestão.

Outra circunstância que afasta a finalidade de aliciamento eleitoral da carona é o fato de que Florêncio Minhos Silveira é filho de Florentina Minhos, a qual trabalhava na campanha dos candidatos Ana Amélia e Frederico Antunes, e que providenciou a carona para Florêncio e Rozanne.

Vê-se, portanto, que, entre os eleitores transportados, não há evidências de pedido de voto ou de aliciamento eleitoral. As propagandas eleitorais apreendidas no veículo não foram vistas por nenhum dos transportados e se encontravam, segundo afirma o acusado, dentro de uma mochila.

Importante registrar também que os eleitores conduzidos tinham, todos, alguma relação de parentesco com Florentina Minhos, pessoa que trabalhava na campanha eleitoral com o acusado, Lucas Batista. Cristiano é seu neto e foi transportado com seu amigo, Adão Bastarrache, para o local de votação. Florêncio Minhos Silveira, por sua vez, é filho de Florentina, e foi transportado com sua namorada, Rozanne.

Dessa forma, pelas provas produzidas em juízo, coerentes com os elementos de informação colhidos no decorrer do inquérito, as pessoas transportadas tinham relação de parentesco com Florentina e, ao que tudo indica, valeram-se dessa relação para conseguirem uma carona aos seus locais de votação, tendo em vista as dificuldades de deslocamento causadas pela chuva. Também é unânime a prova no sentido de que não houve pedido de votos ou aliciamento dos eleitores.

Outra circunstância objeto de investigação foi a apreensão de uma Relação dos 20 eleitores confirmados (fl. 27) que se encontrava no veículo do réu no momento do flagrante, na qual constam os nomes de vinte eleitores seguidos de seus números telefônicos.

A lista foi elaborada por Nelsi Steffen e relaciona, segundo seu testemunho, uma série de amigos e familiares que prometeram dar seus votos para os candidatos de Nelsi. Importante destacar, entretanto, que não consta, na aludida relação, o nome dos eleitores transportados e nem há evidências do transporte de qualquer das pessoas relacionadas no documento. Dentre os eleitores que constaram na lista, foram ouvidos em juízo Moises Flores e Santa Olívia dos Santos, os quais afirmaram expressamente não terem recebido carona de Lucas.

Dessa forma, os autos não comprovam o transporte de eleitores com a finalidade específica de seu aliciamento, conforme exigem a doutrina e a jurisprudência para a caracterização do delito em questão, motivo pelo qual deve ser dado provimento ao recurso, a fim de absolver o acusado.

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento do recurso, para o efeito de julgar improcedente a denúncia, e absolver Lucas Nogueira Batista, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal.

 

(Após votar o relator, provendo o recurso, no que foi acompanhado pelo Dr. Leonardo Tricot Saldanha, pediu vista a Dra. Gisele Anne de Azambuja. O Dr. Eduardo Bainy e o Des. Paulo Afonso Brum Vaz aguardam o pedido de vista.)