RC - 8160 - Sessão: 08/03/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em processo-crime eleitoral interposto por CLÉCIO ROVEDA, VANDERLEI ANTÔNIO MORESCO e LEANDRO DAMETTO (fls. 617-640) contra decisão do Juízo Eleitoral da 67ª Zona, que condenou os recorrentes pela prática de corrupção eleitoral, tipificado no art. 299 do Código Eleitoral em razão do seguinte fato, assim descrito na denúncia:

Em horário e data não perfeitamente especificados no incluso Inquérito Policial, mas certamente antes do dia 5.10.2008, em período pré-eleitoral, por diversas vezes, os denunciados VANDERLEI ANTÔNIO MORESCO, CLÉCIO ROVEDA, DIRCEU SPERANDIO, LEANDRO DAMETTO, GILBERTO ÂNGELO CAVAGNOLI e JOÃO BATISTA ROVEDA deram, para diversas pessoas, vantagens com o intuito de obterem votos.

Nas oportunidades, os denunciados entregaram vantagens diversas como dinheiro em espécie, vale-combustível, bem como agendamento de consultas médicas, para os eleitores do Município de Anta Gorda em troca de votos para suas candidaturas ou de seu partido político.

A denúncia foi recebida no dia 15 de setembro de 2014 (fl. 391).

Citados (fls. 412v.-413), os denunciados ofereceram resposta, com rol de testemunhas (fls. 414-420). Realizada instrução e interrogados os réus (fls. 520-522), foram apresentadas alegações finais.

Na sentença (fls. 591-601), o juízo julgou parcialmente procedente a denúncia, considerando comprovada a materialidade e autoria do delito de corrupção eleitoral pela interceptação telefônica. Consignou que a prova testemunhal não contribuiu para o esclarecimento dos fatos. Afastou a alegação defensiva de que os acusados não participaram dos diálogos gravados, pois a semelhança da voz é facilmente perceptível. Entendeu demonstrada a prática de vários delitos em continuidade delitiva pelos réus Vanderlei Moresco, Clécio Roveda e Leandro Dametto. Fundamentou não haver provas a respeito da pretendida formação de quadrilha, pois não demonstrado o ajuste prévio entre os acusados. Condenou Vanderlei Moresco, Clécio Roveda e Leandro Dametto à pena de 2 anos, 6 meses e 10 dias de reclusão, no regime semiaberto, substituída por duas restritivas de direitos, e multa no valor de 7 dias-multa, à razão de um salário mínimo.

Opostos embargos (fls. 609-613), os aclaratórios foram desacolhidos (fl. 616).

Em suas razões recursais (fls. 617-640), VANDERLEI MORESCO, CLÉCIO ROVEDA e LEANDRO DAMETTO aduziram, preliminarmente, a ilicitude da interceptação telefônica, pois deferida por juiz de primeiro grau para investigar prefeito, detentor de cargo com prerrogativa de função e determinada com base, exclusivamente, em notícia de crime pelo partido da oposição, sem a realização de outros atos de investigação. Alegam ter havido cerceamento de defesa, pois foi negada perícia de voz nas gravações. No mérito, argumentam que lhes foi imputada conduta atípica, tendo em vista que não foram identificados os eleitores supostamente corrompidos. Alegam excesso na pena-base, pois foi fixada próxima ao termo médio, sem fundamento para tanto. Requerem, sucessivamente, seja decretada a ilicitude das interceptações telefônicas; a decretação de nulidade do feito, por cerceamento de defesa; a reforma do juízo condenatório; e, por fim, a redução da pena imposta.

Com as contrarrazões (fls. 642-646), nesta instância, os autos foram remetidos em vista ao Ministério Público Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 649-651).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. Os recorrentes foram intimados da decisão dos embargos declaratórios em 20 de outubro de 2015 (fl. 616) e o recurso foi interposto no dia 26 do mesmo mês (fl. 617), dentro, portanto, do prazo de dez dias estatuído no art. 362 do Código Eleitoral.

Ainda em sede de preliminar, verifica-se que a denúncia não preencheu os requisitos necessários para seu regular processamento quanto à imputação de corrupção eleitoral, correspondente ao 2º fato delituoso descrito na inicial acusatória. Ao descrever a conduta de compra de votos, a denúncia não identificou os eleitores supostamente corrompidos, circunstância fundamental para apreciar a efetiva prática do delito e garantir o exercício da ampla defesa pelos acusados.

A peça inicial descreveu a conduta nos seguintes termos:

Em horário e data não perfeitamente especificados no incluso Inquérito Policial, mas certamente antes do dia 5.10.2008, em período pré-eleitoral, por diversas vezes, os denunciados VANDERLEI ANTÔNIO MORESCO, CLÉCIO ROVEDA, DIRCEU SPERANDIO, LEANDRO DAMETTO, GILBERTO ÂNGELO CAVAGNOLI e JOÃO BATISTA ROVEDA deram, para diversas pessoas, vantagens com o intuito de obterem votos.

Nas oportunidades, os denunciados entregaram vantagens diversas como dinheiro em espécie, vale-combustível, bem como agendamento de consultas médicas, para os eleitores do Município de Anta Gorda em troca de votos para suas candidaturas ou de seu partido político.

A denúncia imputou aos réus a prática do delito de corrupção eleitoral, previsto no art. 299 do Código Eleitoral, cujo teor segue:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Na lição de Suzana de Camargo Gomes, a norma penal visa resguardar a liberdade do sufrágio, a emissão do voto legítimo, sem estar afetado por qualquer influência menos airosa (Crimes Eleitorais, 4. ed., 2010, p. 196). Dessa forma, somente com a certeza de que a pessoa corrompida é eleitora apta a votar será possível analisar se a oferta de dádivas em troca de voto tinha efetivo potencial de ofender o bem jurídico tutelado pelo tipo penal. Afigura-se imprescindível, para tanto, a individualização e identificação do eleitor corrompido. Nesse sentido já se manifestou o egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

HABEAS CORPUS. CRIME DE CORRUPÇÃO ELEITORAL. ELEIÇÕES DE 2004. PREFEITO. DISTRIBUIÇÃO DE CARTÕES-SAÚDE E ITENS ESCOLARES. AUSÊNCIA. INDIVIDUALIZAÇÃO. ELEITOR. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO. DOLO ESPECÍFICO. INEXISTÊNCIA. JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO. AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.

1. Para a configuração do crime de corrupção eleitoral, além de ser necessária a ocorrência de dolo específico, qual seja, obter ou dar voto, conseguir ou prometer abstenção, é necessário que a conduta seja direcionada a eleitores identificados ou identificáveis e que o corruptor eleitoral passivo seja pessoa apta a votar. Precedentes.

2. Na espécie, os supostos corruptores passivos nem mesmo seriam identificáveis, porquanto a distribuição de itens escolares e cartões-saúde - decorrentes de programas sociais custeados pela Prefeitura, então chefiada pelo ora impetrante - teria alcançado mais da metade da população, consoante se extrai dos termos da denúncia, o que afasta o dolo específico.

3. Ordem concedida para trancar a ação penal.

(Habeas Corpus n. 69358, Acórdão de 11.6.2013, Relator Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 172, Data 9.9.2013, Páginas 45-46).

Decorre logicamente dessa característica a necessidade da individualização dos eleitores corrompidos na denúncia, sob pena de inviabilizar a análise da prática do delito e o exercício da ampla defesa pelos réus. Sem essa identificação, a denúncia deixa de descrever o fato criminoso “com todas as suas circunstâncias”, como exige o art. 41 do Código de Processo Penal, causando inequívoco prejuízo para a defesa, que não tem conhecimento da exata imputação que lhe é feita.

Nesse sentido é a jurisprudência, como se verifica pelas ementas que seguem:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DO ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IDENTIFICAÇÃO DOS ELEITORES. AUSÊNCIA. PROVIMENTO.

1. Na acusação da prática de corrupção eleitoral (Código Eleitoral, art. 299), a peça acusatória deve indicar qual ou quais eleitores teriam sido beneficiados ou aliciados, sem o que o direito de defesa fica comprometido (RHC n. 45224, Rel. Min. Laurita Vaz, Rel. designado Min. Henrique Neves, DJe de 25.4.2013).

2. In casu, ausente a adequada identificação do corruptor eleitoral passivo, fato esse que impede a aferição da qualidade de eleitores, como impõe o dispositivo contido no art. 299 do Código Eleitoral, devem ser reconhecidas a inépcia da denúncia e a ausência de justa causa para submissão do paciente à ação penal.

3. Recurso conhecido e provido para concessão do pedido de habeas corpus negado na origem.

(Recurso em Habeas Corpus n. 13316, Acórdão de 17.12.2013, Relatora Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 34, Data 18.02.2014, Páginas 95-96).

 

HABEAS CORPUS. CRIME DE CORRUPÇÃO ELEITORAL. ELEIÇÕES DE 2004. PREFEITO. DISTRIBUIÇÃO DE CARTÕES-SAÚDE E ITENS ESCOLARES. AUSÊNCIA. INDIVIDUALIZAÇÃO. ELEITOR. FALTA DE DEMONSTRAÇÃO. DOLO ESPECÍFICO. INEXISTÊNCIA. JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO. AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.

1. Para a configuração do crime de corrupção eleitoral, além de ser necessária a ocorrência de dolo específico, qual seja, obter ou dar voto, conseguir ou prometer abstenção, é necessário que a conduta seja direcionada a eleitores identificados ou identificáveis e que o corruptor eleitoral passivo seja pessoa apta a votar. Precedentes.

2. Na espécie, os supostos corruptores passivos nem mesmo seriam identificáveis, porquanto a distribuição de itens escolares e cartões-saúde - decorrentes de programas sociais custeados pela Prefeitura, então chefiada pelo ora impetrante - teria alcançado mais da metade da população, consoante se extrai dos termos da denúncia, o que afasta o dolo específico.

3. Ordem concedida para trancar a ação penal.

(Habeas Corpus n. 69358, Acórdão de 11.6.2013, Relatora Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 172, Data 9.9.2013, Página 45-46).

 

HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL ELEITORAL - CORRUPÇÃO ELEITORAL - ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL - FALTA DE QUALIFICAÇÃO DOS ELEITORES SUPOSTAMENTE CORROMPIDOS - IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO POSTERIOR NO CURSO DA AÇÃO PENAL - ALEGADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL - INÉPCIA DA DENÚNCIA - CONFIGURAÇÃO - ÓBICE AO EXERCÍCIO DA PLENA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO - PRECEDENTES DO TSE - CONCESSÃO DA ORDEM.

(TRE-SC, HABEAS CORPUS n. 1569, Acórdão n. 30456 de 9.3.2015, Relator CARLOS VICENTE DA ROSA GÓES, Publicação: DJE - Diário de JE, Data 13.3.2015).

 

RECURSOS CRIMINAIS. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEL. SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE. CONDENAÇÃO POR CORRUPÇÃO ELEITORAL. 1. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA DECORRENTE DE AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS. AFASTADA. CONDUTAS INDIVIDUALIZADAS. 2. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL POR AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS ELEITORES ALICIADOS. ACOLHIDA. DENÚNCIA GENÉRICA. INSTRUÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL SEM CONEXÃO DIRETA COM A SEARA ELEITORAL. 3. USO DE VERBA PÚBLICA FEDERAL REPASSADA PELO INCRA, ATRAVÉS DA EMISSÃO DE CHEQUES PARA AQUISIÇÃO DE COMBUSTÍVEL EM PERÍODO BASTANTE ANTERIOR AO ELEITORAL E QUE PROSSEGUIU APÓS O PLEITO. 4. POSSÍVEL DESVIO DE VERBA REPASSADA POR CONVÊNIO PARA PROJETO DE ASSENTAMENTO, SEM CONEXÃO DIRETA COM O PLEITO ELEITORAL E SEM QUALQUER IDENTIFICAÇÃO DE ELEITORES AGRACIADOS. 5. CORRUPÇÃO ELEITORAL. A DENÚNCIA REFERENTE À CONDUTA DESCRITA NO ART. 299 DO CE DEVE IDENTIFICAR AS PESSOAS ALEGADAMENTE CORROMPIDAS. NÃO PREENCHIMENTO DO REQUISITO NO CASO CONCRETO. INÉPCIA DA INICIAL. ART. 395, I E II DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 6. PROVIMENTO DOS RECURSOS PARA ACOLHER A PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL, ANULANDO-SE O FEITO DESDE A DENÚNCIA SEM PREJUÍZO DO OFERECIMENTO DE NOVA DESDE QUE PREENCHIDOS OS REQUISITOS LEGAIS.

(TRE-SP, RECURSO CRIMINAL n. 8296, Acórdão de 12.11.2015, Relator ALBERTO ZACHARIAS TORON, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 23.11.2015).

 

RECURSO CRIMINAL - ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL - INÉPCIA DA DENÚNCIA - AUSÊNCIA DE IDENTIFICAÇÃO CONCRETA DOS BENEFICIÁRIOS DE DOAÇÕES COM A ESPECIAL DESTINAÇÃO DE CORROMPER OS VOTOS.

1. O tipo do art. 299, se não traz implicitamente a exigência de identificação do eleitor corrompido, o faz implicitamente, na medida em que nesse crime há um especial fim de agir, qual seja, o de macular o pleito eleitoral.

2. A denúncia que não aborda todos os elementos objetivos e subjetivos exigidos pelo art. 41, do CPP, não é apta a ensejar a condenação, uma vez que deixa de assegurar os princípios da ampla defesa e do contraditório.

3. Considerando que no direito processual penal exige-se, obrigatoriamente, a presença de todos os elementos do tipo penal, objetivos e subjetivos, é indispensável que da denúncia constasse não apenas o esquema corruptivo, mas também as supostas vítimas desse esquema (os fatos delitivos).

4. Nulidade da denúncia. Devolução dos autos ao Juízo de origem.

(TRE-PR, PROCESSO n. 218, Acórdão n. 41898 de 7.3.2012, Relator LUCIANO CARRASCO FALAVINHA SOUZA, Revisora ANDREA SABBAGA DE MELO, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 12.3.2012).

Importa registrar que, mesmo no decorrer da ação penal, os eleitores não foram perfeitamente identificados. A sentença pontua as interceptações telefônicas pelas quais entendeu evidenciada a compra de votos, mas tais diálogos não permitem a identificação precisa dos eleitores. Veja-se que as conversas, por vezes, falam de pedidos específicos de dinheiro ou combustível realizados por “eleitores”, sem sequer nominá-los.

Destaque-se, ainda, que a sentença considerou ter havido a prática da corrupção eleitoral em continuidade delitiva, na forma do art. 71 do Código Penal, mas sequer pode precisar por quantas vezes a conduta foi praticada.

Essas circunstâncias são reflexos da descrição imprecisa do fato imputado aos acusados, evidenciando a inépcia da denúncia, que prejudicou o exercício da ampla defesa, maculando a ação penal, desde o nascedouro até seu derradeiro ato, quanto ao segundo fato nela descrito.

Assim, é imperioso o reconhecimento da inépcia da denúncia, quanto ao segundo fato descrito, imputação de corrupção eleitoral, com a consequente anulação da ação penal no ponto, mantido o juízo absolutório quanto ao primeiro fato imputado aos acusados.

 

DIANTE DO EXPOSTO, voto por reconhecer a inépcia da denúncia, e anular a ação penal quanto à imputação de corrupção eleitoral.