HC - 18962 - Sessão: 25/02/2016 às 17:00

RELATÓRIO

JOSÉ AMÉLIO UCHA RIBEIRO FILHO impetra Habeas Corpus em face da Juíza Eleitoral da 155ª Zona, com pedido de liminar, em favor de DARCI SALLET, pretendendo o trancamento de ação penal por atipicidade da conduta.

Afirma constrangimento por ato ilegal da autoridade coatora, nos autos da Ação Penal n. 34-79.2015.6.21.0155, pois foi denunciado por crime de formação de quadrilha cometido em 2012, entre três pessoas, quando o tipo penal previsto no art. 288 do Código Penal exige pelo menos quatro agentes.

Diz que o crime de associação criminosa definido pela Lei n. 12.850, de 02 de agosto de 2013, não tem aplicação no caso, em função da irretroatividade penal, já que mais gravosa ao paciente.

Refere que o paciente não foi indiciado pelo crime de corrupção eleitoral previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

O pedido liminar foi deferido.

Vieram aos autos as informações de estilo.

A Procuradoria Eleitoral manifestou-se pela parcial concessão da ordem.

É o relatório.

 

VOTO

Foi imputado o cometimento do delito de formação de quadrilha por 3 pessoas (Darci Sallet, Nelson Wille e Arnelio Jantsch), que teria ocorrido no período de 01.8.2012 a 07.10.2012.

No tempo do ato, portanto, vigente a redação do art. 288 do Código Penal, que exigia à caracterização do delito de quadrilha ou bando a associação de mais de 3 pessoas, circunstância superada pela Lei n. 12.850/13, que deu nova redação ao mencionado dispositivo legal, que exige a presença de 3 pessoas à configuração do crime de associação criminosa.

Considerando a irretroatividade da lei penal mais gravosa, imperiosa a manutenção do trancamento da ação penal no que refere a este delito, pois à sua caracterização, é indispensável a reunião de, no mínimo, quatro pessoas, com caráter estável e permanente, visando à prática de delitos, ainda que não os tenham efetivamente cometido.

Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO E QUADRILHA (ARTIGO 157, § 2º, INCISOS I E II, E ARTIGO 288 DO CÓDIGO PENAL). ALEGADA ATIPICIDADE DO DELITO DE QUADRILHA. NECESSIDADE DA ASSOCIAÇÃO DE MAIS DE TRÊS PESSOAS NO BANDO. ILÍCITO ATRIBUÍDO A QUATRO ACUSADOS. ABSOLVIÇÃO DE TRÊS DELES. JUSTA CAUSA NÃO CONFIGURADA.

1. Para a configuração da infração tipificada no artigo 288 do Código Penal, exige-se a presença de pelo menos 4 (quatro) indivíduos, uma vez que o tipo penal prevê que o ilícito resta caracterizado somente quando "mais de três pessoas" associam-se para o "fim de cometer crimes". Doutrina. Precedentes.

2. No caso dos autos, ainda que exista a suspeita de que outros dois indivíduos compunham a quadrilha integrada pelo recorrente, com a absolvição de 3 (três) dos corréus pela prática do referido delito, não se perfaz o número mínimo de pessoas exigido para a caracterização do ilícito previsto no artigo 288 do Código Penal, motivo pelo qual se revela imperioso o trancamento da ação penal quanto ao crime em questão.

 

PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. SEGURANÇA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. ACUSADO FORAGIDO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E CONSTITUCIONAL. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.

1. A fuga do paciente do distrito da culpa, após o cometimento do delito, é fundamentação suficiente a embasar a manutenção da custódia preventiva, ordenada para assegurar a aplicação da lei penal.

2. Recurso parcialmente provido apenas para determinar o trancamento da ação penal no que se refere ao delito de quadrilha.

(RHC 37.015/PE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 24.9.2013, DJe 02.10.2013.) (Grifei.)

Cumpre, entretanto, examinar, se a denúncia imputa outros delitos ao paciente, circunstância que ensejaria o prosseguimento da ação em relação a eles.

Em relação aos requisitos legais da inicial acusatória, segundo o escólio de Gilmar Mendes (Curso de Direito Constitucional. Saraiva: 2007, p. 528-529):

[...] a fórmula ideal para uma persecução penal adequada e legítima encontrou sua pedagógica sistematização em texto clássico de João Mendes de Almeida Júnior. Diz João Mendes que a denúncia: 'É uma exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação transitiva, como a pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxiliis), o malefício que produziu (quid), os motivos que o determinaram a isso (cur), a maneira por que a praticou (quimodo), o lugar onde a praticou (ubi), o tempo (quando). [...] Demonstrativa, porque deve descrever o corpo de delito, dar as razões de convicção ou presunção e nomear as testemunhas informantes.' [...] Em última análise, há de se evitar [que] a responsabilização penal [...] corresponda a indevida transposição de efeitos jurídicos do campo cível ou administrativo para uma área em que as ofensas a direitos e garantias fundamentais podem ser tragicamente potencializadas: a esfera da liberdade de locomoção típica da seara penal.

Deve, pois, a incriminação, ainda que sucinta, permitir que o acusado promova sua defesa da forma mais ampla possível.

Nesse sentido, o seguinte precedente:


PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. PREFEITO DENUNCIADO POR SUPOSTA PRÁTICA DO CRIME PREVISTO NO ART. 90 DA LEI DE LICITAÇÕES. [...]. INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO CARACTERIZADA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. [...] 3. A exordial acusatória descreveu precisa e objetivamente o fato delituoso, com a narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais, inclusive explicitando o favorecimento que teria ocorrido à empresa beneficiada com a frustração do caráter competitivo do procedimento licitatório em razão da escolha de modalidade diversa da exigida pela legislação e da falta de publicidade do certame, permitindo, assim, ao agravante, o exercício da mais ampla defesa assegurada no ordenamento constitucional, o que afasta a alegada ofensa do art. 41 do CPP. [...] (STJ, 5ª Turma, AgRg no Ag n. 983.730/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, e-DJ 4.5.2009).

O paciente sustenta a inépcia da denúncia porque não descreve, de forma clara e direta, os atos praticados por Darci Sallet quanto ao crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral.

De fato, em um primeiro momento, quando despachei a liminar, no juízo próprio de cognição sumária, deferi o integral trancamento da ação penal.

Entretanto, ao exame mais exauriente, verifico que a denúncia, ao descrever o fato 1, imputa a Darci Sallet o domínio dos fatos pelo cometimento de vários delitos de corrupção eleitoral (art. 299 do Código Eleitoral), constando expressamente na denúncia que o paciente detinha o domínio dos fatos e agiu por intermédio dos demais denunciados, que a ele se reportavam quanto aos êxitos ou insucessos das empreitadas delituosas.

Após a descrição do fato 1, seguem-se 26 fatos envolvendo a compra de votos em favor do paciente Darci Sallet, candidato ao pleito de 2012.

Igualmente, destaco que ao final da denúncia, constou expressamente a imputação a Darci Sallet nas sanções do art. 299 do Código Eleitoral e 288 do Código Penal.

Aliás, por esse motivo que o parquet deixou de ofertar a suspensão condicional do processo, pois o somatório das penas mínimas cominadas para os delitos (art. 299 do Código Eleitoral e 288 do Código Penal) ultrapassaria o limite previsto no art. 89 da Lei n. 9.099/95.

Assim, ainda que a inicial acusatória não tenha primado pela melhor técnica, não há que se falar em inépcia.

Isso porque, a exigência da delimitação precisa dos fatos (art. 41 do Código de Processo Penal) encontra fundamento em dois grandes vértices: a) exercício do princípio constitucional da ampla defesa; b) desenvolvimento da atividade probatória.

No que refere à ampla defesa, constato que a pretensa insuficiência de elementos claros na peça acusatória não inviabilizou a defesa do paciente na ação penal.

Aliás, em breve consulta processual, observei que o paciente, nas eleições de 2012, foi condenado por esta Corte pelos mesmos fatos descritos nessa ação penal e outros tantos que ocorreram no Município de Augusto Pestana, sob a ótica cível-eleitoral, ou seja, captação ilícita de sufrágio, art. 41-A, da Lei das Eleições.

Por oportuno, trago as ementas dos dois precedentes que condenaram o paciente por compra ilícita de votos e abuso do poder econômico nas eleições 2012:

Recurso. Captação ilícita de sufrágio. Incidência do art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador. Eleições 2012. Procedência parcial da representação no juízo originário.

Afastada a preliminar de ilegitimidade passiva de não candidato. A coautoria ou a participação torna possível a inclusão de terceiro que não detém a condição de candidato.

As condutas perpetradas pelos recorrentes, consistentes em oferecer vantagens a eleitores em troca de votos, configuram, modo inequívoco, captação ilícita de sufrágio.

Acervo probatório coerente e harmônico, compreendendo o relato de testemunhas, todas uníssonas em afirmar a compra de votos.

Agrega-se, ainda, o histórico de chamadas telefônicas que revela os contatos havidos entre representados e cooptados.

Reconhecida a gravidade dos fatos perpetrados, cometidos por apoiadores diretos e pelos próprios pleiteantes a cargos eletivos, na proximidade das eleições, com potencial de afetar a normalidade da eleição, abalar a moralidade pública e a legitimidade democrática.

Confirmação da sentença prolatada.

Provimento negado.

(RE n. 254-82.2012.6.21.0155 – Rel. Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, julgado na sessão de 11-06-2013.) (Grifei.)

 

Recursos. Ação de investigação judicial eleitoral. Captação ilícita de sufrágio – art. 41-A da Lei n. 9.504/97, abuso de poder econômico e de autoridade. Eleições 2012.

Parcial procedência no juízo originário. Cassação do diploma do prefeito e vice-prefeito, declaração de inelegibilidade e cominação de multa pecuniária pelo julgador originário.

Prefaciais afastadas. Compete ao magistrado a presidência da audiência de instrução e julgamento. O instituto da 'suspeição' destina-se a evitar que o juiz suspeito prolate a sentença, tendo modo e tempo adequados para ser intentado. Não é plausível ajuizar a exceção em momento quase coincidente com a sentença. A conexão é medida de racionalização processual, sendo inviável a vinculação destes autos com outra demanda em que são partes figuras distintas, fatos diferentes e pedidos diversos. Integram o polo passivo da demanda o candidato e qualquer pessoa que tenha praticado ou concorrido para a prática do ilícito. A coautoria ou a participação torna possível a inclusão de terceiro que não detém a condição de candidato.

Inexistência de prejuízo à defesa por quaisquer dos pontos articulados em preliminar.

No mérito, imputações que oscilam entre duas ilicitudes, quais sejam, a capitulada no art. 41-A e as hipóteses de abuso de poder político e econômico. Reconhecido o oferecimento de dinheiro e vantagens em troca de votos. Esquema de distribuição maciça de ranchos e carne "in natura", bem como oferta de emprego dirigida a determinado eleitor, no período que antecede ao pleito. Sólido conjunto de testemunhos que corrobora a prática de tais doações, vinculadas expressamente ao voto.

Afastada, todavia, a condenação por propaganda política por ocasião da inauguração de templo religioso. A fala de agradecimento ao candidato, realizada por terceiro, não pode lhe causar prejuízo.

Inarredável o benefício angariado pelos candidatos majoritários por meio das práticas ilícitas e com elas revelaram anuência. A vinculação entre os candidatos majoritários e os demais representados exsurge os autos.

A gravidade das circunstâncias afetaram, inexoravelmente, a normalidade da eleição, abalaram a moralidade pública e a legitimidade democrática.

Reforma da sentença quanto ao valor da sanção cominada, exclusivamente pelo expurgo de um dos fatos que ensejou a condenação, restando mantida às cassações e as declarações de inelegibilidade.

Determinada a realização de novas eleições majoritárias no município.

Provimento negado ao recurso ministerial.

Parcial provimento ao apelo dos candidatos da chapa majoritária.

(RE n. 252-15.2012.6.21.0155 – Rel. Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, julgado na sessão de 11-06-2013.) (Grifei.)

As decisões acima referidas mostram que o Município de Augusto Pestana, naquelas eleições, transformou-se em um verdadeiro balcão de negócios, com farta distribuição das mais variadas benesses – carne, emprego, dinheiro, reforma de casa –, tudo em troca de votos aos candidatos.

A propósito, em face da cassação do diploma do ora paciente, houve a realização de novas eleições naquele município, ocorrida em 01 de setembro de 2013.

Por elucidativo, trago excerto do voto do Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, exarado no RE n. 252-15:

O que se vê, portanto, é a articulação do grupo, encabeçada por DARCI e NELSON - beneficiários anuentes e promotores últimos da orquestração -, na qual DANIEL, na qualidade de pastor, arregimentava eleitores que eram subsidiados por NERI em seu supermercado, com a doação de bens em troca de votos; configurando, em paralelo, dadas as dimensões e a repercussão, abuso de poder econômico. A vinculação entre os candidatos majoritários e os demais representados exsurge dos autos, todos articulados na mesma campanha, sendo que ARNÉLIO exerceu forte abuso do poder econômica pela massiva doação de carne.

Especial registro aos cabos eleitorais Neri e Arnélio, este último proprietário do Supermercado Zardin, várias vezes mencionados nos fatos descritos na denúncia.

Portanto, o exercício da ampla defesa pelo paciente Darci Sallet não restou prejudicado, pois inequívoco que as compras de votos, os eleitores e cabos eleitorais mencionados na denúncia fizeram parte da sua vida política durante as eleições de 2012.

Quanto ao segundo vértice que referi como sustentáculo da exata especificação dos fatos na denúncia, ou seja, o desenvolvimento da atividade probatória, assinalo que é de competência do Juízo processante, não condizente com a via do habeas corpus.

Assim, demonstrados os indícios suficientes de autoria e materialidade, bem como o estreito vínculo entre o paciente e cabos eleitorais que realizaram em favor daquele as condutas criminosas, a ação penal deve seguir sua regular tramitação, não podendo ser prematuramente trancada nesta seara.

Nesse sentido a reiterada jurisprudência do STJ:

[…] Demonstrados indícios de autoria e materialidade dos fatos tidos por delituosos, não há como trancar a ação penal, em se de habeas corpus, pois é intento que demanda revolvimento fático-probatório, não condizente com âmbito angusto da via eleita. Plausibilidade da acusação, em face do liame entre a pretensa atuação do ora paciente e os fatos delituosos. Em tal caso, está plenamente assegurado o amplo exercício do direito de defesa, em face do cumprimento dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal (Habeas Corpus n. 100.796-RJ, 6ª Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 14.6.2011, publicado DJ em 22.6.2011).

Logo, havendo indícios suficientes de que o paciente participou dos delitos, operando como maestro da orquestra de corrupção eleitoral e tendo em conta que, em sede de criminalidade eleitoral, as abordagens, no mais das vezes, são cometidas por diversos agentes da estrutura política-partidária interessados a se perpetuarem no poder, tenho que somente a dilação probatória perante o Juízo de Augusto Pestana, poderá apurar com percuciência o grau de culpabilidade e participação de Darci Sallet no cometimento dos crimes descritos na denúncia.

Por fim, saliento que o fato de não ter sido indiciado o paciente pelo crime do art. 299 do Código Eleitoral, não tem o condão de estancar a ação penal, pois sendo o parquet o detentor da opinio delicti, cabia a ele a formação da convicção quanto ao envolvimento de Darci Sallet nos fatos delituosos.

Assim, não vislumbro justa causa para o trancamento da ação penal em relação ao art. 299 do Código Eleitoral (corrupção eleitoral).

Dessa forma, VOTO pela concessão parcial da ordem, para o trancamento da ação penal movida contra o paciente em relação ao delito do art. 288 do Código Penal, devendo prosseguir em face do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral.