RE - 2797 - Sessão: 12/07/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela GRÁFICA E EDITORA O SEMANÁRIO LTDA. contra a decisão do Juízo da 87ª Zona Eleitoral – Tupanciretã, que julgou procedente representação por doação acima do limite legal para condenar a empresa recorrente ao pagamento de multa no valor de R$ 7.832,25 (sete mil, oitocentos e trinta e dois reais e vinte e cinco centavos), nas fls. 68-71.

A empresa Gráfica e Editora O Semanário Ltda, em suas razões de recurso, postula a observação do princípio da preservação da empresa, assim como requer que a condenação seja fundamentada no valor de custo e não de venda das publicações ou, subsidiariamente, acaso mantida a condenação, a multa seja parcelada em 60 vezes, invocando, para tanto, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

O Ministério Público Eleitoral opinou nas suas contrarrazões pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença prolatada, não se opondo ao parcelamento da multa aplicada (fls. 86-88).

Nesta instância, a Procuradoria Eleitoral emitiu parecer pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

 

VOTO

Os presentes autos versam sobre doação realizada por pessoa jurídica e, estando este julgador atento às alterações legislativas e decisões do Supremo Tribunal Federal, faz-se necessário tecer algumas considerações antes de adentrar no mérito.

Nesse sentido, recordo que, em 29 de setembro de 2015, foi publicada a Lei n. 13.165, a também chamada Minirreforma Eleitoral ou Reforma Política.

Assim, o art. 15 da mencionada lei revogou expressamente o art. 81 da Lei n. 9.504/97, que permitia doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais, até o limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

Dessa forma, surge questão de direito intertemporal no sentido de se verificar se a nova norma teria aplicação retroativa para alcançar as doações realizadas na vigência do art. 81, da Lei n. 9.504/97, hoje revogado expressamente.

Na doutrina de Carlos Maximiliano (Direito Intertemporal ou Teoria da Retroatividade das Leis, 2ª ed. 1955. p. 28) é dito que:

Os preceitos sob cujo império se concretizou um ato ou fato estendem o seu domínio sobre as consequências respectivas; a lei nova não atinge consequências que, segundo a anterior, deviam derivar da existência de determinado ato, fato ou relação jurídica, ou melhor, que se unem à sua causa como um corolário necessário e direto. Exemplo: a morte de um homem: deste fato resultam direitos (herança etc), regulados pelas normas vigentes no dia em que o mesmo ocorreu.

Então, se houve a doação de bens ao tempo em que disciplinada essa relação jurídica sob o império do art. 81 da Lei n. 9.504/97, é esse dispositivo legal que deverá ser aplicado. E se houve excesso ao limite permitido pela lei (2%), ficará o doador sujeito às consequências do seu ato, no caso, previstas nos §§ 2º e 3º do art. 81 da Lei n. 9.504/97, os quais transcrevo:

Art. 81. As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso.

§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa.

Em recente julgado de minha relatoria tratei do tema como segue na ementa abaixo transcrita:

Recursos. Representação. Doação para campanha eleitoral acima do limite legal. Pessoa jurídica. Art. 81, §§ 2º e 3º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2014.

Afastadas as preliminares de cerceamento de defesa e de intempestividade na apresentação da peça defensiva. Não vislumbrado prejuízo na referida ausência de intimação, já que a defesa teve a oportunidade de manifestar-se sobre o documento proveniente da Receita Federal. No tocante à tempestividade, não pode a omissão cartorária, relativa à ausência da data da juntada aos autos da notificação para contestar, vir em prejuízo à parte.

Doação de bem estimável em dinheiro consistente em material gráfico para propaganda. Inviável a pretendida aplicação do disposto no art. 23, § 7º, da Lei n. 9.504/97, pois trata-se de regramento direcionado às doações realizadas por pessoas físicas. Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral neste sentido. Ultrapassados os limites impostos, que restringe a doação a dois por cento do faturamento bruto auferido pela pessoa jurídica no ano anterior à eleição, há incidência objetiva de sanção eleitoral.

As alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/2015, que revogaram o art. 81 da Lei n. 9.504/97, não têm aplicação aos fatos ocorridos antes da sua vigência. Manutenção da multa imposta no patamar mínimo estabelecido pela legislação. Afastada, entretanto, a penalidade de proibição de licitar e contratar com o Poder Público, aplicável apenas nos casos de grave extrapolação dos limites impostos pelo parágrafo 2º do citado dispositivo.

Provimento parcial ao apelo da empresa recorrente.

Provimento negado ao recurso ministerial. (grifei)

(RE 34-90.2015.6.21.0022, julgado em 18 de novembro de 2015)

Registro que o STF em recente decisão, proferida na ADI n. 4650, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais.

Entretanto, ficou assentado na decisão, publicada em 25 de setembro de 2015, que os efeitos apenas seriam aplicáveis às eleições de 2016.

Consequentemente, hígidas as disposições que normatizavam as doações de pessoas jurídicas no pleito de 2014, especialmente o art. 81 da Lei n. 9.504/97, e sob esse enfoque analisarei o presente feito.

1. Tempestividade

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada no Diário da Justiça Eleitoral de 15.10.2015, uma quinta-feira (fl. 73), e interposto no tríduo legal.

2. Mérito

Da análise do presente caso, vê-se que o valor bruto auferido pela GRÁFICA E EDITORA O SEMANÁRIO LTDA., no ano de 2013, foi de R$ 20.677,81.

Todavia, a doação foi realizada no montante de R$ 1.980,00, ofendendo o dispositivo legal que regulamentava as doações realizadas por pessoas jurídicas, o qual disciplinava:

Art. 81 As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

Nesse cenário, o valor excedente seria de R$ 1.566,45, pois a empresa somente poderia ter doado até o limite de R$ 413,55 (2% do faturamento bruto auferido). Assim, o juízo sentenciante aplicou a multa de R$ 7.832,25, cominada em seu patamar mínimo, ou seja, cinco vezes a quantia excedida, à luz do art. 81, §2º, da Lei n. 9504/97, conforme segue:

§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de 5 a 10 vezes a quantia em excesso.

Nas suas razões de recurso, apesar de a própria recorrente não negar a doação em excesso, aduz que a condenação deveria ser calculada com base no custo da publicação e não no valor de venda, haja vista a quantia efetivamente doada ter sido de R$ 850,00, referente a sete publicações em preto e branco ao preço unitário de R$ 100,00, e uma publicação em cores no preço de R$ 150,00. Desta forma, entende que a condenação deveria se dar no valor de R$ 2.182,20, porque a quantia em excesso seria apenas R$ 436,44.

Ainda, no que diz respeito à alegação de inexpressividade do montante doado, argumenta não restar configurada conduta potencial a caracterizar abuso de poder econômico apto a influenciar o resultado do pleito.

Por fim, segundo o princípio da preservação da empresa, aduz que a aplicação da penalidade como consta na sentença significaria mais de 35% do seu faturamento anual, de forma a praticamente inviabilizar a atividade-fim da empresa.

Todavia, tenho que resta evidente que a doação feita pela empresa ultrapassou o limite de 2% do seu faturamento auferido no ano anterior à eleição no montante apurado pelo Juízo de primeiro grau.

Ademais, como bem asseverado pelo Ministério Público nas contrarrazões, a doação acima do limite legal foi exaustivamente demonstrada no processo, por meio dos documentos encaminhados pela Receita Federal, bem como na prestação de contas apresentada nesta Especializada, de forma que não vejo como a condenação deva ser aplicada com base no preço de custo e não no de venda das publicações doadas.

Ainda, acerca da inexpressividade do valor doado, a magistrada de primeiro grau entendeu não ser de sua competência fazer o juízo de valor, porque a ilegalidade da doação para a campanha eleitoral independe de comprovação de dolo ou culpa por parte do doador. Uma vez provada a realização de doação acima do limite legal, a aplicação da multa é impositiva, independentemente da boa-fé do doador.

Desse modo, a alegação da ausência de dolo e da insignificância do valor doado não se aplica ao caso posto, pois os rendimentos anuais do doador são o parâmetro legal para efeitos da incidência do art. 81, da Lei n. 9504/97, assim como estar provado que a empresa doou acima do limite de 2% permitido por lei. 

Quanto ao pedido de parcelamento em 60 vezes, a matéria deve ser analisada na execução fiscal respectiva, após o trânsito em julgado da sentença.

Nesse sentido, colaciono jurisprudência trazida pela douta Procuradoria Eleitoral:

RECURSO ELEITORAL. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. ART. 23, § 1º, I, DA LEI 9.504/97. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARA APLICAR A MULTA NO PATAMAR MÍNIMO. ANOTAÇÃO DA INELEGIBILIDADE ATENDENDO A CRITÉRIOS ESTABELECIDOS PELO COLENDO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. PEDIDO DE PARCELAMENTO DE MULTA SOMENTE PODERÁ SER ANALISADO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO EM SEDE DE EXECUÇÃO FISCAL. RECURSO DESPROVIDO.

(RECURSO n. 5711, Acórdão de 01.12.2015, Relatora CLAUDIA LÚCIA FONSECA FANUCCHI, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 07.12.2015.)

(Grifado.)

 

Recurso Eleitoral. Representação. Eleições 2010. Doação realizada por pessoa física em importe superior aos limites fixados pela Lei 9.504/97 (art. 23, §1º, I). Pretensão reformadora assentada na tese de que a aferição dos limites da doação realizada deveria considerar, além dos rendimentos diretamente havidos pela representada, também aqueles percebidos por seu cônjuge no ano de 2009. Existência de elementos suficientes a autorizar, na hipótese em apreço, a conjugação dos rendimentos auferidos pelo casal no ano de 2009 como parâmetro de verificação da compatibilidade entre o importe doado e os limites impostos pelo art. 23, §1o, inciso I, da Lei das Eleições. Precedente do TSE. Pedido de parcelamento. Inidoneidade de sua apreciação em sede recursal. Pretensão que deve ser deduzida oportunamente, após a definitiva consolidação do julgado. Acolhimento parcial do recurso que se impõe.

(RECURSO ELEITORAL n. 16190, Acórdão de 17.05.2012, Relatora LETÍCIA DE FARIA SARDAS, Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 095, Data 22.05.2012, Página 33/37.) (Grifado.)

Por fim, quanto à proibição de participar de licitações públicas e contratar com o ente público, firmou-se entendimento de que a aludida sanção não decorre automaticamente da prática do ilícito, mas depende, para sua incidência, da gravidade da situação e de um juízo de proporcionalidade a ser realizado casuisticamente, inexistindo a obrigatoriedade de sancionamento cumulativo. A ilustrar, os seguintes julgados:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 81 DA LEI 9.504/97. DECADÊNCIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. FATURAMENTO. GRUPO EMPRESARIAL. DESPROVIMENTO.

1. (...)

2. As sanções previstas no art. 81, §§ 2º e 3º, da Lei 9.504/97 não são cumulativas, motivo pelo qual sua incidência conjunta deve ser pautada pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes.

(…)

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 14825 - Belo Horizonte/MG. Acórdão de 11.03.2014. Relator Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 81 DA LEI 9.504/97. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. (...)

2. (...)

3. As sanções previstas no art. 81, §§ 2º e 3º, da Lei 9.504/97 - respectivamente, multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso e proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos - não são cumulativas, de forma que a sua aplicação conjunta depende da gravidade da infração e deve ser pautada pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedente.

(..)

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 3623, Acórdão de 13.06.2013, Relator Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 09.8.2013, Página 166/167.)

Portanto, nesta esteira de entendimento, constato não restar evidenciada a má-fé, ou conduta capaz de influenciar o resultado do pleito ou afetar a isonomia entre os candidatos. Ademais, o montante reduzido da doação não revela situação grave a justificar tão severa penalidade, sendo a multa suficiente para sancionar o excesso de doação.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso da GRÁFICA E EDITORA O SEMANÁRIO LTDA.

É o voto.