RE - 334 - Sessão: 03/03/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ZEUS INDÚSTRIA GRÁFICA LTDA. contra a sentença do juízo da 131ª ZE/Sapiranga que – nos autos de representação eleitoral por doação de recursos acima do limite legal, por ofensa ao art. 81 da LE – aplicou-lhe multa de R$ 7.125,00, correspondente a cinco vezes a quantia em excesso (R$ 1.425,00), bem como proibiu-lhe de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de 5 anos, além de declarar inelegível por 8 anos a pessoa física dirigente da empresa. Requereu a anulação da sentença, com a improcedência ao final da demanda e, alternativamente, a redução do valor da multa aplicada (fls. 51-54v.).

Apresentadas contrarrazões pelo MPE (fls. 56-60).

Nesta instância, foram os autos com vista ao Procurador Regional Eleitoral, o qual opinou pelo parcial provimento do recurso, tão somente para ser afastada a proibição de licitação e contratação com o Poder Público e a inelegibilidade declarada (fls. 66-71v.).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade, sendo tempestivo porque interposto dentro do tríduo legal, em 7.8.2015, após o procurador da recorrente ter sido intimado via Nota de Expediente em 4.8.2015 (fls. 48-51).

Portanto, dele conheço.

 

Preliminares de nulidade da sentença

A recorrente pediu a anulação da sentença, em razão de não ter sido deferida pelo juiz a quo a prova oral requerida e porque não teriam sido apreciadas pelo magistrado singular todas as teses expendidas pela defesa.

No entanto, não prosperam.

A matéria prescinde de prova oral, tendo sido facultada à ora recorrente a juntada de prova documental, esta sim crucial ao deslinde.

Nesse sentido, adoto como razões de decidir o parecer do Procurador Regional Eleitoral, o qual esgotou o exame da questão (fls. 66-71v):

A empresa recorrente alega ter havido ofensa ao devido processo legal, em virtude de desrespeito à ampla defesa, já que não foram produzidas provas pleiteadas em contestação.

Entretanto, verifica-se a possibilidade de julgamento antecipado da lide, circunstância que, inclusive, atende à celeridade dos processos eleitorais.

Além disso, a prova testemunhal pleiteada, além de preclusa por não ter sido apresentado o rol de testemunhas juntamente com a contestação, não acrescentaria nada ao feito, tendo em vista que a demonstração dos fatos se faz especificamente por meio de prova documental.

Ademais, foi facultada defesa à representada tanto na fase pré-processual quanto em juízo, oportunidade em que produziu prova documental (fls. 33-34).

De resto, é consabido que o julgador não tem a obrigação de apreciar todas as teses defensivas apresentadas, devendo adotar como fundamentos ao decisum aqueles que entender suficientes ao julgamento do caso, no âmbito do seu livre convencimento.

Logo, afasto as preliminares.

Destaco.

 

Mérito

Inicialmente, tendo em vista a revogação do art. 81 da Lei n. 9.504/97 pelo art. 15 da Lei n. 13.165/15, consigno que, nesta Corte, vigora o entendimento de que são hígidas as disposições que normatizavam as doações de pessoas jurídicas no pleito de 2014 (RE n. 34-90 – Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – J. Sessão de 18.11.2015).

Isso porque, o Plenário consolidou que as alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/15 não têm aplicação retroativa aos fatos ocorridos antes da sua vigência (RE n. 31-80 – Rel. Des. Paulo Roberto Lessa Franz – J. Sessão de 8.10.2015), sendo certo que, malgrado o STF tenha declarado a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais – ADI n. 4650 –, restou assentado que os efeitos apenas seriam aplicáveis às eleições de 2016.

Prossigo.

O dispositivo legal que regulamentava as doações realizadas por pessoas jurídicas assim disciplinava:

Art. 81 As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de 5 a 10 vezes a quantia em excesso.

§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da justiça eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa.

A seu turno, o TSE consolidou que o limite do valor de doação por pessoa previsto no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97 inclui tanto as em espécie quanto as estimáveis (Processo n. 61-72.2013.621.0045, Rel. Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, j. em 16.6.2015 / AgR-Al n. 3097-53, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJE de 6.2.2012).

No presente caso, é inequívoco que a doação realizada pela recorrente, ZEUS INDÚSTRIA GRÁFICA LTDA., ao candidato a deputado estadual Ranolfo Vieira Júnior, correspondeu a R$ 1.425,00.

O juiz de primeira instância considerou a doação indevida, em face da inexistência da comprovação do faturamento bruto anual no ano anterior ao pleito de 2014, entendendo que o valor da extrapolação do limite legal representa o próprio montante doado.

De fato, está comprovado que a empresa não obteve faturamento no ano de 2013, circunstância evidenciada pela ausência de declaração de renda nos assentamentos da Receita Federal (informação à fl. 18).

Ocorre que a pessoa jurídica, mesmo que não aufira lucro ou se mantenha inativa, está obrigada a prestar declaração de renda à Receita Federal, assim como as empresas optantes pelo Simples também estão obrigadas a realizar a Declaração Anual do Simples Nacional ao mesmo órgão.

Uma vez obrigada a declarar a sua renda à Receita Federal, é válido que, na ausência de registros perante aquele órgão, conclua-se pela ausência de rendimentos no ano de 2013, implicando o valor doado, in casu, no próprio excesso:

Recurso. Representação. Doação acima do limite legal. Pessoa jurídica. Art. 81, §§ 2º e 3º, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

A inexistência de receita no ano anterior ao pleito não afasta o dever de obediência às disposições do art. 81 da Lei n. 9.504/97. Aplicação de multa.

Inviável a declaração de inelegibilidade dos dirigentes da pessoa jurídica com suporte em representação por doação acima do limite legal. A ação de impugnação de registro de candidatura é o procedimento adequado para se alcançar a restrição à eventual candidatura dos sócios da empresa, conforme o § 10 do art. 11 da Lei n. 9.504/97.

A sanção de proibição de participar de licitações públicas não é consequência automática do ilícito por desobediência ao limite de doação, ficando sua aplicação condicionada à gravidade da infração, consoante os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Afastada a declaração de inelegibilidade e a proibição de participar de licitações públicas.

Provimento parcial.

(TRE-RS – RE n. 5417 – Rel. Dr. HAMILTON LANGARO DIPP – J. Sessão de 13.8.2014)

 

REPRESENTAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PESSOA JURÍDICA. CAMPANHA POLÍTICA. DOAÇÃO. VALOR SUPERIOR AO PERMITIDO. ART. 81, § 1º, DA LEI N. 9.504/97. PRELIMINARES REJEITADAS. OMISSÃO DO FATURAMENTO BRUTO NO ANO DE 2005. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. BOA-FÉ. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO LEGAL NÃO OBSTANTE A AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. PENALIDADE DE MULTA NO MÍNIMO LEGAL. PARCIALMENTE PROCEDENTE.

[...]

Tendo sido omissa quanto à entrega da declaração para a Receita Federal, inexistindo informações quanto ao faturamento bruto auferido no ano de 2005, o valor doado implica no próprio excesso.

Em se tratando da penalidade inserta no respectivo § 3º, não obstante a conduta reprovável da representada, a quantia doada reflete diminuta monta e nenhuma expressão diante da candidatura beneficiada, é medida desproporcional, sendo suficiente a sanção de multa para reprimir a infração cometida.

Pedido parcialmente procedente.

(TRE-MS – RP n. 846 – Rel. André Luiz Borges Netto – DJ de 19.3.2010)

Logo, devidamente demonstrada a ausência de rendimentos da empresa recorrente no ano de 2013 e o consequente excesso da doação efetuada, ônus da parte representante, caberia à parte representada alegar e demonstrar a suficiência de rendimentos.

A recorrente alegou que, no exercício financeiro em que ocorrida a doação, auferiu faturamento muito superior ao valor doado, tratando-se de empresa sólida, com capacidade econômica suficiente para efetuar a doação. Agregou que o valor doado, de qualquer sorte, é diminuto, pugnando pela adoção do princípio da insignificância.

Contudo, a não ser o contrato respeitante ao seu ato constitutivo (fls. 33-34), a recorrente não trouxe quaisquer documentos a amparar seu inconformismo, seja em sede de defesa, seja em anexo ao presente recurso.

Correta, dessarte, a multa imposta à recorrente, no valor de R$ 7.125,00, equivalente a cinco vezes o valor doado em excesso, que é de R$ 1.425,00.

Nesse diapasão, como bem salientou o Procurador Regional Eleitoral em seu parecer (fls. 66-71v.), nos termos do art. 3° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, 'ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece'. Outrossim, tendo optado por fazer a doação, deveria a representada ter se informado sobre o regramento correspondente.

É dizer, mesmo que a recorrente tenha agido com boa-fé, a ocorrência da ilegalidade em exame prescinde de tal análise. Quando muito, considerando os vetores da razoabilidade e proporcionalidade, pode influenciar na fixação do quantum a ser imposto, ao efeito de justificar a aplicação da penalidade no mínimo legal previsto – o que ora se verifica, visto que a decisão recorrida aplicou o fator de multiplicação, sobre a quantia tida por excessiva, no mínimo previsto.

Por sua vez, o comando contido no citado art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97 não condiciona sua aplicabilidade à potencialidade da doação em influenciar o resultado do pleito ou à existência do cometimento de abuso do poder econômico. Ultrapassado o limite objetivo estabelecido, independentemente do montante envolvido, isso é o que importa, sendo automática a incidência da norma.

Já quanto à proibição de participar de licitações públicas e contratar com o ente público, a aludida sanção não decorre automaticamente da prática do ilícito, mas depende, para sua incidência, da gravidade da situação e de um juízo de proporcionalidade e razoabilidade a ser realizado casuisticamente, inexistindo a obrigatoriedade de sancionamento cumulativo:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 81 DA LEI 9.504/97. DECADÊNCIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. FATURAMENTO. GRUPO EMPRESARIAL. DESPROVIMENTO.

1. [...]

2. As sanções previstas no art. 81, §§ 2º e 3º, da Lei 9.504/97 não são cumulativas, motivo pelo qual sua incidência conjunta deve ser pautada pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes.

[…]

(TSE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 14825 – Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – DJE de 24.3.2014)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 81 DA LEI 9.504/97. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. [...]

2. [...]

3. As sanções previstas no art. 81, §§ 2º e 3º, da Lei 9.504/97 - respectivamente, multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso e proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos - não são cumulativas, de forma que a sua aplicação conjunta depende da gravidade da infração e deve ser pautada pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedente.

[...]

(TSE – Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral n. 3623 – Rel. Min. JOSÉ DE CASTRO MEIRA – DJE de 9.8.2013)

Não foi evidenciada a má-fé no caso em apreciação. Ao contrário, a empresa não negou a doação em questão, ao passo que o montante reduzido da doação não revela situação grave a justificar tão severa penalidade, sendo a multa suficiente a título de sancionamento.

Também cabe acolhimento parcial do recurso para afastar a declaração de inelegibilidade por 8 (oito) anos da pessoa física dirigente da recorrente, porquanto o juízo competente para declarar tal restrição é o do Registro, obedecido o rito próprio, diante de eventual candidatura:

EMENTA - RECURSO ELEITORAL - DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL - PESSOA FÍSICA - ART. 23, § 1º, I, LEI Nº 9.504/97 - EXCEÇÃO DO § 7º DO ART. 23 REFERE-SE À UTILIZAÇÃO DE BENS MÓVEIS OU IMÓVEIS DE PROPRIEDADE DO DOADOR - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE CONTABILIDADE NÃO CARACTERIZA A EXCEÇÃO PREVISTA NO § 7º DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA APLICAR A MULTA, SEM A DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE.

1. Verificada a doação em valor excedente ao limite legal, a multa deve ser aplicada, porquanto a prestação de serviços de contabilidade não se enquadra na exceção prevista no § 7º do art. 23 da Lei das Eleições.

2. Na espécie, não é de se declarar a inelegibilidade da recorrida com base no artigo 1º, inciso I, alínea "p", da Lei Complementar nº 64/90 (incluído pela LC nº 135/2010), porque, sendo diversa a causa de pedir da representação por doação acima do limite legal que visa a apuração da conduta prevista no artigo 23, da Lei 9.504/97, esta inelegibilidade é de ser arguida em ação própria.

(TRE-PR – RE n. 7974 – Rel. Edson Luiz Vidal Pinto – DJ de 11.10.2013)

Nesse norte, assim prescreve o § 11 do art. 10 da Lei n. 9.504/97:

§ 11. As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.

Portanto, nesse contexto, impõe-se a manutenção da multa fixada, devendo ser afastadas apenas a proibição de participação de licitações públicas e celebração de contratos com o Poder Público e a declaração de inelegibilidade do dirigente pessoa física, nos termos da fundamentação.

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto por ZEUS INDÚSTRIA GRÁFICA LTDA., ao efeito de manter a multa de R$ 7.125,00 (sete mil, cento e vinte e cinco reais), a ser recolhida para o Fundo Partidário, e afastar (a) a sanção de proibição de licitação e celebração de contratos com o Poder Público e (b) a declaração de inelegibilidade da pessoa física dirigente da recorrente.