RE - 2750 - Sessão: 04/05/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por URBANES EMPREENDIMENTOS – EIRELI, pessoa jurídica de direito privado, contra decisão do Juízo da 135ª Zona Eleitoral, que julgou procedente a representação por doação acima do limite estabelecido no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra a recorrente.

A ação foi ajuizada em 12.6.2015 e, embora devidamente citada em 25.8.2015, a representada não ofereceu defesa (fl. 89).

Após o transcurso do prazo sem defesa, sobreveio sentença que julgou procedentes os pedidos e condenou a recorrente à pena de multa no valor de R$ 25.000,00 e à proibição de participar de licitações e celebrar contratos com o poder público pelo prazo de dois anos. O juízo de origem considerou irregular a doação de R$ 5.000,00 realizada para campanha eleitoral, uma vez que a empresa declarou à Receita Federal que o faturamento bruto auferido no exercício de 2013 foi zerado (fls. 90-91).

Em suas razões recursais, a recorrente afirma que declarou ao fisco, inicialmente, um faturamento bruto zerado apenas para atender ao prazo legal previsto pela Receita Federal. Sustenta que, posteriormente, retificou a respectiva declaração de imposto de renda informando o faturamento bruto de R$ 8.507.247,43 no exercício de 2013, valor obtido com a sua principal atividade, consistente na compra, venda, loteamento, incorporação e construção de imóveis. Assevera que a sanção aplicada acarreta risco à continuidade das suas atividades empresariais, uma vez que estará impedida de vender imóveis por meio de financiamento bancário e de participar de programas governamentais. Sustenta ser aceita pela jurisprudência do TSE a declaração de imposto de renda retificadora, ainda que oferecida após a propositura de representação eleitoral ou, até mesmo, de decisão de primeira instância. Invoca os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Requer a reforma da sentença, julgando-se totalmente improcedente o feito (fls. 101-111). Juntou documentos (fls. 112-410).

Com as contrarrazões (fls. 416-419), nesta instância, os autos foram encaminhados com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual se manifestou pelo desprovimento do recurso, uma vez que estaria preclusa a possibilidade de a recorrente produzir provas, não devendo ser conhecida a retificação da declaração de renda (fls. 432-434v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. A recorrente foi intimada da sentença em 26.10.2015 (fl. 95), e o recurso foi interposto em 29.10.2015, dentro do prazo de 3 dias previsto no art. 81, § 4º, da Lei n. 9.504/97 e art. 34 da Resolução TSE n. 23.398/13.

No mérito, cuida-se de recurso em representação por doação de pessoa jurídica acima do limite legal de 2% do faturamento bruto do ano anterior ao pleito, conforme previsto no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97, dispositivo que foi revogado pela Lei n. 13.165/15 com o intuito de proibir doações de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais a partir das eleições de 2016.

Está comprovado nos autos que a empresa representada efetuou doação, no pleito de 2014, no valor de R$ 5.000,00 (fl. 11) e declarou à Receita Federal, no dia 15.5.2015, faturamento bruto zerado no ano-calendário anterior à eleição – 2013 (anexo 1, fls. 65-79).

A sentença recorrida foi prolatada em 22.9.2015.

No dia 28.10.2015, conforme recibo de transmissão da fl. 117, juntado com o recurso, a recorrente apresentou à Receita Federal uma declaração retificadora (fls. 117-146), informando ter faturado a quantia bruta de R$ 8.507.247,43 no ano de 2013 (fl. 136).

O recurso postula a reforma da sentença com base na declaração de imposto de renda retificada, pois o faturamento bruto agora declarado demonstra que a doação foi realizada dentro do limite legal.

A Procuradoria Regional Eleitoral sustenta que está preclusa a possibilidade de juntada de novos documentos.

Conforme se observa do exame dos autos, a transmissão da retificação de IR ocorreu dentro do prazo para a interposição do presente recurso eleitoral.

O tema relativo à retificação tardia da declaração de imposto de renda para fins de aferir o limite de doação às campanhas eleitorais já foi enfrentada diversas vezes pelo TSE, havendo jurisprudência consolidada no sentido de sua aceitação, mesmo após a propositura da demanda ou no curso da instrução.

De acordo com a Corte Superior Eleitoral, a eventual má-fé na apresentação da retificadora do imposto de renda deve ser provada, e não presumida, pois a retificação consubstancia faculdade prevista na legislação tributária. Nesse sentido os seguintes precedentes do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. DECLARAÇÃO. RECEITA FEDERAL. RETIFICAÇÃO. POSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. A retificação da declaração de rendimentos consubstancia faculdade prevista na legislação tributária, cabendo ao autor da representação comprovar eventual vício ou má-fé na prática do ato, haja vista que tais circunstâncias não podem ser presumidas para fins de aplicação das sanções previstas nos arts. 23 e 81 da Lei n° 9.504/97.

2. Agravo regimental desprovido.

(AgR-REspe n. 779-25/BA, Relator Min. DIAS TOFFOLI, DJe de 1º.4.2014.)

 

RENDA - RETIFICADORA OPORTUNIDADE. Ainda que apresentada declaração retificadora, pelo contribuinte, à Receita Federal após a formalização da representação, há de ser considerada para efeito de aferir-se a regularidade da doação.

(AgR-REspe n. 1157-93/SP, Relator Min. MARCO AURÉLIO, DJe de 05.02.2014.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 81 DA LEI 9.504197. APRESENTAÇÃO DE DECLARAÇÃO RETIFICADORA DE IMPOSTO DE RENDA. POSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. Esta Corte, no julgamento do AgR-Al 1475-3610/CE (Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 4.6.2013), decidiu que a declaração retificadora de imposto de renda constitui documento hábil a comprovar a observância do limite de doação de 2% previsto no art. 81, §1°, da Lei 9.504/97.

2. Cabe ao Ministério Público Eleitoral comprovar a existência de má-fé - que não pode ser presumida - quanto à apresentação da declaração retificadora. Incidência, nesse ponto, da Súmula 7/STJ.

3. Agravo regimental não provido.

(AgR-REspe n. 1137-87/BA, Relator Min. CASTRO MEIRA, DJe de 22.8.2013.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA FÍSICA. DECLARAÇÃO. RECEITA FEDERAL. RETIFICAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. A retificação da declaração de rendimentos consubstancia faculdade prevista na legislação tributária, cabendo ao autor da representação comprovar eventual vício ou má-fé na prática do ato, haja vista que tais circunstâncias não podem ser presumidas para fins de aplicação da multa prevista no art. 23, §1º, l, da Lei n° 9.504/97.

2. Agravo regimental desprovido.

(AgR-Al n. 1475-36/CE, Relator Min. DIAS TOFFOLI, DJe de 05.6.2013.)

A juntada de declaração retificadora na fase recursal foi analisada pelo TSE nos autos do RESPE n. 5637, de relatoria do Min. Luiz Fux, (DJE de 25.6.2015), no qual foi assentado que, apresentada a retificação pelo doador, deve ela ser considerada para fins de aferição do limite legal de doação.

O principal fundamento é que cabe ao juiz tomar em consideração os fatos que possam influir no julgamento do processo, mesmo se ocorridos após a propositura da ação, entendimento que se aplica aos órgãos de segunda instância ordinária caso o fato sobrevenha após proferida a sentença, idêntico raciocínio aplicado em relação aos registros de candidatura no que se refere aos fatos supervenientes que alteram, constituem ou extinguem direitos:

Por fim, no que tange à apresentação da declaração retificadora após a citação ou prolação da sentença de primeira instância, a situação dos autos se assemelha aos inúmeros casos de registro de candidatura examinados por este Tribunal nas eleições de 2014, em que ficou pacificada a possibilidade de os fatos que influenciam a causa serem considerados enquanto não esgotada a jurisdição das instâncias ordinárias.

No presente caso, ainda que o feito não verse registro de candidatura, tal como os precedentes acima indicados, reputo que os fundamentos acima reproduzidos também se aplicam ao presente feito. Isso porque, se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença, o que se aplica, também, aos órgãos de segunda instância ordinária.

Nesse sentido, recordo parte do voto do Min. Henrique Neves proferido no REspe n° 822-81/AM, PSESS em 4/9/2014:

"No que tange à alegação de que seria possível a juntada de documentos novos em sede recursal, reporto-me ao entendimento que tantas vezes já reiterei neste plenário, a partir do voto que proferi na questão de ordem apresentada pelo Ministro Gilson Dipp no julgamento dos ED-AgR-RO n° 4522-98/PB.

[...]

Isso porque, como assentado acima, a juntada de documento que comprova o fato superveniente que influencia a análise do pedido de registro de candidatura pode ser realizada no curso do processo, enquanto presente a jurisdição ordinária.

Nesse sentido, é correta a tese afirmada pelo recorrente no recurso especial, no sentido de que houve violação ao art. 397 do CPC, que dispõe ser 'lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados, ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos'.

Além disso, a teor do que dispõe o art. 462 do CPC e, principalmente, o parágrafo único do art. 70 da Lei Complementar n° 64190, ao proferir a decisão sobre o registro de candidatura, o juiz ou tribunal encarregado deve atentar para todas as circunstâncias contidas nos autos, ainda que não alegada pelas partes.

Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema também é pacifica ao estabelecer que 'é dever do magistrado, no momento de proferir a sentença, levar em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, a superveniência de fato ou direito novo, nos termos do art. 462 do CPC, incorrendo em error in procedendo o Tribunal que, ignorando tal providência, prolata acórdão que dá ensejo à coexistência de duas decisões inconciliáveis' (STJ, REsp n° 1.074.8381SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJE de 30.10.2012).

Tal entendimento já foi adotado por este Tribunal para os feitos de registro de candidatura, seja em relação à existência de inelegibilidade superveniente (RO n° 154-29, da minha relatoria), seja diante do preenchimento das condições de elegibilidade em razão do pagamento de multa por ausência às urnas, como decidido no REspe n° 809-92, cuja ementa diz:

"ELEIÇÕES 2014. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. QUITAÇÃO ELEITORAL. MULTA. PAGAMENTO.

1. O Tribunal Superior Eleitoral, ao editar a Res. - TSE n° 23.405 para as eleições de 2014, considerou que as modificações no estado de fato e de direito verificadas perante as instâncias ordinárias devem ser analisadas, inclusive para efeito do afastamento do óbice decorrente da ausência de quitação eleitoral em proveniente de multa não paga.

2. Ao decidir o registro de candidatura, o Juiz ou Tribunal devem atender as circunstâncias constantes dos autos, considerando os fatos supervenientes que alteram, constituem ou extinguem direitos (LC n° 64190, art. 70, parágrafo único, c.c. o art. 462 do CPC).

3. O pagamento da multa decorrente do não comparecimento às urnas realizado pelo candidato antes do julgamento do registro de candidatura afasta a ausência de quitação eleitoral.

4. Recurso provido para deferir o registro da candidatura."

No presente caso, ainda que o feito não verse registro de candidatura, tal como os precedentes acima indicados, reputo que os fundamentos acima reproduzidos também se aplicam ao presente feito. Isso porque, se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença, o que se aplica, também, aos órgãos de segunda instância ordinária.

Por essas razões, dou provimento parcial ao recurso especial interposto pela Empresa AIRC Eventos e Empreendimentos Ltda., para reformar o acórdão regional e determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, a fim de que se examine a declaração retificadora apresentada pela recorrente, de modo a aferir se a doação realizada atendeu aos limites legais.

(RESPE - Recurso Especial Eleitoral n. 5637, Decisão monocrática de 11.6.2015, Relator: Min. LUIZ FUX, Publicação: REPDJE - Republicado DJE - 25.6.2015 - Páginas 79-83.)

O Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco igualmente já decidiu sobre o tema:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. PESSOA JURÍDICA. DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. DECLARAÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA RETIFICADORA. JUNTADA NA FASE RECURSAL. ADMISSIBILIDADE. DOAÇÃO REALIZADA DENTRO DO LIMITE LEGAL. 1 - Preliminar de irregularidade da citação: afasta-se a alegada irregularidade do ato citatório com base na teoria da aparência, segundo a qual se reputa válida a citação de pessoa jurídica realizada na pessoa de quem se apresenta na sede da empresa como seu representante legal e recebe a citação sem ressalva de que não possui poderes para tanto. Precedentes do STJ. 2 - Preliminar de incompetência do Juízo: Após o julgamento da Representação n.º 9814-40 do TSE, firmou-se entendimento de que a competência para julgar a representação por doação acima do limite é do juízo do domicílio do doador. Ainda assim, como a causa não versa sobre transgressões atinentes à origem de valores pecuniários, abuso de poder econômico ou político (art. 19 da Lei Complementar n.º 64/1990), tem-se afastada a competência do Corregedor Regional Eleitoral para sua apreciação. 3 - Mérito: Comprovada a legalidade das doações efetuadas por pessoa jurídica deve-se afastar as penalidades aplicadas na sentença de piso. 4 - Recurso provido.

(TRE-PE - RE: 2045 PE, Relator: ALFREDO HERMES BARBOSA DE AGUIAR NETO, Data de Julgamento: 12.8.2014, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 151, Data 15.8.2014, Páginas 37/38.)

Assim, tendo em conta que a retificação do imposto de renda somente deve ser desconsiderada quando houver indícios de fraude, que esse ônus cabe a quem alegar, e em virtude da gravidade das sanções previstas para doações eleitorais em excesso, mostra-se razoável conhecer da declaração de renda retificadora juntada pela recorrente na fase recursal.

Diante do faturamento bruto de R$ 8.507.247,43 auferido no ano de 2013, a doação no pleito de 2014 no valor de R$ 5.000,00 está dentro do limite previsto no hoje revogado art. 81 da Lei das Eleições.

Ante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso.