RE - 9643 - Sessão: 08/03/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por IMPRINT COMUNICAÇÃO VISUAL EIRELI-ME contra a sentença do juízo da 148ª ZE/Erechim que – nos autos de representação eleitoral por doação de recursos acima do limite legal, por ofensa ao art. 81 da LE – aplicou-lhe multa de R$ 35.189,90 a ser recolhida ao Fundo Partidário, correspondente a cinco vezes a quantia em excesso (R$ 7.037,98). Requereu a extinção do processo, fulcro no art. 269, inc. IV, do CPC e, no mérito, o provimento, para ser julgada improcedente a demanda ou, sucessivamente, o provimento para ser reconhecido como excesso doado o montante de R$ 541,42, incidindo sobre esse valor o fator de multiplicação fixado na sentença (fls. 74-84).

Acompanham os autos documentos sigilosos, envelopados (“Anexo 1”).

Nesta instância, foram os autos com vista ao Procurador Regional Eleitoral, o qual opinou pela negativa de provimento ao recurso.

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade, sendo tempestivo porque interposto dentro do tríduo legal, em 17.9.2015, após o procurador da recorrente ter sido intimado via Nota de Expediente em 14.9.2015 (fls. 71-74).

Portanto, dele conheço.

 

Preliminar de inobservância da Resolução TSE n. 23.406/14

A recorrente aduziu preliminar de descumprimento da Resolução TSE n. 23.406/14, por ausência de prova de que o TSE encaminhou a consolidação das informações sobre os valores doados e apurados à Receita Federal do Brasil até 10.01.2015, não havendo demonstração de que o MPE atuante na 148ª ZE tenha recebido, até 31.3.2015, a comunicação a que alude o inc. II do § 4º do art. 25. Requereu, por isso, o reconhecimento de prescrição e a consequente extinção do feito com resolução do mérito, fulcro no art. 269, inc. IV, do CPC.

Contudo, não merece guarida.

Eis os normativos em questão:

Art. 25

As doações de que trata esta Seção ficam limitadas: […]

§ 4º A verificação dos limites de doação observará as seguintes disposições:

I – O Tribunal Superior Eleitoral, após a consolidação das informações sobre os valores doados e apurados até 31.12.2014, as encaminhará à Receita Federal do Brasil até 10.1.2015;

II – a Receita Federal do Brasil fará o cruzamento dos valores doados com os rendimentos de pessoa física e faturamento da pessoa jurídica e, apurando indício de excesso, fará, até 31.3.2015, a devida comunicação ao Ministério Público Eleitoral, a quem incumbirá propor representação, solicitando a quebra do sigilo fiscal ao juiz eleitoral competente.

À evidência, os prazos referidos nesse dispositivo têm caráter meramente procedimental, não havendo se falar em prescrição ou decadência, em caso de descumprimento, cuja efetiva ocorrência, ressalte-se, não restou comprovada pela recorrente.

De qualquer sorte, o prazo decadencial que fulminaria o direito de representação do Ministério Público Eleitoral seria o de 180 dias, após a diplomação dos eleitos, prazo este que, no caso, foi observado pelo representante (propositura desta ação em 11.6.2015).

Nesse sentido, do parecer do Procurador Regional Eleitoral, colho que é descabido falar em prescrição, na espécie, porque tal instituto está intimamente ligado ao exercício do direito de ação que nasce com a violação de direito subjetivo, matéria estranha àquela disciplinada nos dispositivos invocados (fls. 102-107v.).

Logo, afasto a preliminar.

Destaco.

 

Mérito

Inicialmente, tendo em vista a revogação do art. 81 da Lei n. 9.504/97 pelo art. 15 da Lei n. 13.165/15, consigno que, nesta Corte, vigora o entendimento de que são hígidas as disposições que normatizavam as doações de pessoas jurídicas no pleito de 2014 (RE n. 34-90 – Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – J. Sessão de 18.11.2015).

Isso porque o Plenário consolidou que as alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/15 não têm aplicação retroativa aos fatos ocorridos antes da sua vigência (RE n. 31-80 – Rel. Des. Paulo Roberto Lessa Franz – J. Sessão de 8.10.2015), sendo certo que, malgrado o STF tenha declarado a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais – ADI n. 4650 –, restou assentado que os efeitos apenas seriam aplicáveis às eleições de 2016.

Prossigo.

O dispositivo legal que regulamentava as doações realizadas por pessoas jurídicas assim disciplinava:

Art. 81 As doações e contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais poderão ser feitas a partir do registro dos comitês financeiros dos partidos ou coligações.

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição.

§ 2º A doação de quantia acima do limite fixado neste artigo sujeita a pessoa jurídica ao pagamento de multa no valor de 5 a 10 vezes a quantia em excesso.

§ 3º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a pessoa jurídica que ultrapassar o limite fixado no § 1º estará sujeita à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos, por determinação da Justiça Eleitoral, em processo no qual seja assegurada ampla defesa.

Compulsando os autos, verifica-se, modo inequívoco, que a doação realizada pela recorrente IMPRINT COMUNICAÇÃO VISUAL EIRELI – ME ao candidato Ivar Pavan ultrapassou o limite de 2% do faturamento, auferido no ano anterior à eleição de 2014.

A julgadora sentenciante, assim, bem aplicou a multa de R$ 35.189,90 (trinta e cinco mil, cento e oitenta e nove reais e noventa centavos), considerando como valor bruto auferido pela pessoa jurídica no ano de 2013 a quantia de R$ 342.091,38 (trezentos e quarenta e dois mil, noventa e um reais e trinta e oito centavos), em face da doação, estimável, de R$ 13.879,80 (treze mil, oitocentos e setenta e nove reais e oitenta centavos).

Nesse cenário, o valor excedente corresponde a R$ 7.037,98 (sete mil, trinta e sete reais e noventa e oito centavos), pois somente poderia ter doado até R$ 6.841,82 (seis mil, oitocentos e quarenta e um reais e oitenta e dois centavos).

A multa cominada equivale, em seu patamar mínimo, a cinco vezes a quantia excedida, à luz do § 2º do art. 81 da Lei n. 9.504/97, o que resultou na importância, como visto, de R$ 35.189,90 (trinta e cinco mil, cento e oitenta e nove reais e noventa centavos).

A representada não negou a doação tida como excessiva (fls. 74-84), mas aduziu justificativas visando à isenção de sua responsabilidade. Vejamos.

1. Argumentou que a doação não foi realizada em espécie, e sim por meio da prestação do serviço de confecção e produção de material promocional ao candidato. Invocou o art. 23, § 7º, da Lei n. 9.504/97 a seu favor, pois afirma que o quantum doado está dentro dos parâmetros previstos no § 7º:

Art. 23. Pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro para campanhas eleitorais, obedecido o disposto nesta Lei.

§ 1º As doações e contribuições de que se trata este artigo ficam limitadas:

I – no caso de pessoa física, a dez por cento dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição;

[…]

§ 7o O limite previsto no inciso I do § 1º não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) (Lei n. 12.034, de 2009).

Contudo, a tese não merece acolhimento.

O regramento em tela está direcionado às doações feitas por pessoas físicas, não sendo plausível fazer uso de interpretação extensiva para alcançar as pessoas jurídicas. Quisesse o legislador dar exata equivalência, teria assim procedido.

Não se desconhece precedentes deste TRE aplicando a extensão pretendida do limite de doações estimáveis previsto às pessoas físicas para as pessoas jurídicas. Porém, o TSE tem reformado sistematicamente essas decisões.

Veja-se a decisão da lavra da Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, de 16.6.2015, nos autos do Processo n. 61-72.2013.621.0045, que neste Regional foi de relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, com o seguinte teor:

Com efeito, o entendimento do TRE do Rio Grande do Sul diverge da jurisprudência desta Casa, a qual entende que o § 7° do art. 23 da Lei das Eleições não é aplicável às pessoas jurídicas, que estão restritas ao valor de 2% (dois por cento) do faturamento bruto anual.

Nesse sentido, transcrevo ementas de julgados desta Corte Superior:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DOAÇÃO ESTIMÁVEL ACIMA DO LIMITE LEGAL. PESSOA JURÍDICA. ART. 23, § 7º, DA LEI N. 9.504/97. INAPLICABILIDADE. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. DESPROVIMENTO.

1. Os limites a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador para campanhas eleitorais (i.e., limitadas R$ 50.000,00 cinquenta mil reais), ex vi do art. 23, § 7°, da Lei n. 9.504/97, aplicam-se apenas e tão somente a pessoas naturais, não incidindo sobre pessoas jurídicas, cuja doação deve observar o limite de 2% do seu faturamento bruto do ano anterior ao da eleição, tal como exige o art. 81, § 1°, da aludida lei. Precedentes: AgR-AI n. 2110-57/SP, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 5.8.2014; AgR-AI n. 183-61/PR, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 4.8.2014; AgR-AI n. 68-22/SP, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 22.4.2014.

2. O limite do valor de doação por pessoa previsto no art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97 inclui tanto as em espécie quanto as estimáveis. Precedente: AgR-Al n. 3097-53, Rel. Min. Arnaldo Versiani, DJe de 6.2.2012.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgR-REspe n. 27-68/GO, rel. Min. LUIZ FUX, DJE de 27.10.2014.)

[…]

Ante o exposto, com fundamento no art. 36, § 7º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para restabelecer a sentença de primeiro grau, a qual reconheceu a procedência da representação em razão de doação acima do limite legal e aplicou à recorrida a multa prevista pelo art. 81, § 2º, da Lei n. 9.504/97 em seu mínimo legal.

Assim, afasto a pretendida aplicação analógica.

2. Sucessivamente, a representada avocou os princípios da boa-fé, razoabilidade e proporcionalidade, bem como a ausência de malferimento do resultado do pleito ou abuso de poder econômico e o fato de o candidato beneficiário não ter sido eleito.

Atrelado a isso, asseverou:

(a) que as notas fiscais atinentes aos materiais doados, assim como os recibos de doação estimável em dinheiro, deram-se no valor da mercadoria para comercialização, com o lucro embutido no preço – o que denotaria equívoco –, haja vista que a doação se daria sobre o custo do material, não havendo como doar o lucro da atividade;

(b) que a doação estimável em dinheiro efetivamente realizada não corresponde ao valor declarado, o qual representa o custo e o lucro, caso fosse comercializado o produto; e que, também por equívoco, a doação levou em conta os 12 meses anteriores ao pleito respectivo (de 2014), e não o ano de 2013, havendo sob esta ótica um valor diverso de doação superior.

Requereu, dessa forma, a aplicação da pena no mínimo previsto, sobre o excesso que entende seja o verdadeiro, correspondente a R$ 541,42.

Entretanto, novamente, a tese não merece guarida.

Ao se mensurar o valor de determinado bem, não se pode ignorar a parcela do lucro normalmente obtido pela empresa com o seu fornecimento, porque tal parcela compõe o valor pelo qual esse bem é indistintamente disponibilizado no mercado.

Nessa linha, a doação de recursos estimáveis em dinheiro, em especial no caso de prestação de serviços, compreende não só o custo operacional da produção, mas também o lucro que deixou a recorrente de receber caso houvesse destinado seu tempo de trabalho para a prestação de serviços comercialmente.

É nesse sentido a jurisprudência:

RECURSO ELEITORAL. DOAÇÃO DE RECURSOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. PRELIMINARES REJEITADAS. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO.

[…]

VII. A liberalidade aqui tratada refere-se à doação de recursos estimáveis em dinheiro, consubstanciados, como afirmado pelo próprio recorrente, na prestação de serviços, especificadamente na produção de vídeo, jingle, gravação e fornecimento de DVD, o que, por óbvio, não caracteriza a utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, não atraindo, via de consequência, o limite estabelecido no §7º, do art. 23, da Lei n. 9.504/97.

VIII. Incabível a alegação que o valor consignado na prestação de contas reflete o valor de mercado dos serviços e não o custo de sua produção. A doação de recursos estimáveis em dinheiro, em especial no caso de prestação de serviços, compreende não só o custo operacional da produção, mas também o lucro que deixou o recorrente de receber caso houvesse destinado seu tempo de trabalho para a prestação de serviços comercialmente.

IX. Pretende a norma em comento regulamentar o financiamento privado de campanha, impondo contornos precisos e objetivos aos valores passíveis de doação, com o fim de se impedir o abuso de poder econômico e a utilização de "laranjas", pouco importando, nesse desiderato, tenha sido alcançado ou não resultado positivo nas eleições ou mesmo a aferição de dolo ou culpa em seu descumprimento.

X. O único meio de se alcançar o objetivo da norma, já que se mostra imperioso o controle do financiamento privado de campanhas, é o estabelecido pela norma, que, ao fixar o percentual máximo destinado às doações, impede doações feitas ao arrepio da lei, por meio de pessoas físicas ou jurídicas que não o efetivo doador, preservando-se o patrimônio das empresas em prol dos princípios da função social e da garantia de continuidade da empresa, que devem ser analisados de forma harmônica como os demais preceitos constitucionais, em especial os princípios da moralidade e da lisura do pleito.

XI. Por certo, as sanções previstas nos arts. 23 e 81, da Lei n. 9.504/97, mostram-se gravosas, o que não as faz, por si só, desproporcionais, não havendo que se falar que o montante aplicado à título de sanção pecuniária afetaria indevidamente os bens do doador.

[…]

(TRE-RJ – RE n. 44683 – Rel. SERGIO SCHWAITZER – DJERJ de 12.12.2012).

Da sentença guerreada, por sua vez, agrego a seguinte passagem (fls. 63-68):

Não encontra respaldo a alegação de que a empresa doou o valor final de serviços/produtos e não o custo, eis que o valor a ser considerado é o declarado pela representada.

Ademais, esse foi o valor declarado também pelo candidato que recebeu a doação estimável em dinheiro.

Não é aceitável que ora a doadora declare um valor, e ora diga que o valor foi outro. Existem documentos comprovando tais valores, nas fls. 19, 20 e 21, informação esta que também consta no Sistema de Prestação de Contas Eleitorais, conforme consulta de financiamento e gastos de campanha que se encontra na fl. 11 dos autos.

Nessa direção, também não procede o argumento de que a recorrente se equivocou quanto ao período de aferição do percentual de 2% do faturamento bruto, por acreditar que importaria o faturamento obtido nos 12 (doze) meses anteriores à doação e não o do ano anterior àquele em que se realizam as eleições.

Como bem salientou o Procurador Regional Eleitoral em seu parecer (fls. 102-107v.), nos termos do art. 3° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, 'ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece'. A representada não estava obrigada a efetuar a liberalidade em favor do candidato, tendo optado por fazê-lo, deveria ter se informado sobre o regramento correspondente.

É dizer, mesmo que a recorrente tenha agido com boa-fé, a ocorrência da ilegalidade em exame prescinde de tal análise. Quando muito, considerando os vetores da razoabilidade e proporcionalidade, pode influenciar na fixação do quantum a ser imposto, ao efeito de justificar a aplicação da penalidade no piso legal previsto – o que ora se verifica, visto que a decisão recorrida aplicou o fator de multiplicação, sobre a quantia em excesso, no mínimo estabelecido.

A seu turno, o comando contido no citado art. 81, § 1º, da Lei n. 9.504/97 não condiciona sua aplicabilidade à potencialidade da doação em influenciar o resultado do pleito ou à existência do cometimento de abuso do poder econômico, tampouco ao êxito nas urnas pelo candidato beneficiário.

Ultrapassado o limite objetivo estabelecido, isso é o que importa, sendo automática a incidência da norma.

Resulta que, também aqui, vai afastada a pretensão recursal deduzida.

Portanto, por todos os argumentos acima delineados, a negativa de provimento ao recurso, com a confirmação da sentença na sua integralidade, é medida que se impõe.

Dispositivo

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto por IMPRINT COMUNICAÇÃO VISUAL EIRELI-ME, ao efeito de manter a multa imposta no valor de R$ 35.189,90 (trinta e cinco mil, cento e oitenta e nove reais e noventa centavos) de acordo com o art. 81, § 2º da Lei n. 9.504/97.