RE - 6982 - Sessão: 15/02/2016 às 17:00

RELATÓRIO

JOSÉ AIRTON DOS SANTOS interpõe recurso (fls. 13-65) contra decisão do Juízo da 76ª Zona Eleitoral – Novo Hamburgo – que determinou a anotação do registro de inelegibilidade no cadastro do eleitor, nos termos do disposto no art. 1º, inciso I, alínea “e”, da Lei Complementar n. 64/90 (fl. 12).

Em suas razões, assevera que a extinção da punibilidade pela prescrição fez cessar os efeitos da condenação criminal e todos os impedimentos ou restrições dela decorrentes, inclusive a inelegibilidade. Cita jurisprudência a seu favor (fls. 13-23).

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 69-72v.).

É o relatório.

 

VOTO

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo e merece conhecimento.

O recorrente foi condenado às sanções do art. 90 da Lei n. 8.666/93, combinado com o art. 29, caput, do Código Penal.

Segundo consta nos autos, foi declarada extinta a punibilidade pela prescrição em 02.9.2015, com trânsito em julgado em 16.9.2015 (fls. 04-05).

Assim, em face do disposto no art. 1º, I, “e”, da LC 64/90, o recorrente teve anotada, nos assentamentos da Justiça Eleitoral, a sua inelegibilidade até o transcurso de 8 anos após a extinção da pena (fl. 12). Reproduzo o dispositivo pertinente:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:

(...)

2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência; (Incluído pela Lei Complementar n. 135, de 2010.)

O recorrente, prefeito municipal à época, foi condenado pelo delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/93, sob o argumento de ter fraudado o caráter competitivo de procedimento licitatório.

Restou extinta a punibilidade do apenado pela prescrição, visto que transcorridos mais de 8 anos entre a data do trânsito em julgado da condenação para a acusação (25.9.2006) e o início do cumprimento da pena.

Cumpre esclarecer que o caso em tela se trata de prescrição da pretensão executória, e não de prescrição da pretensão punitiva, como quer fazer crer a defesa. Aquela proíbe o Estado de aplicar a sanção imposta ao acusado, todavia, permanecem os efeitos secundários da condenação. Nesta última, o Estado perde o direito de punir pelo transcurso do tempo, não mais persistindo os efeitos da condenação, a exemplo da inelegibilidade.

A prescrição aqui retratada é da pretensão executória, persistindo, assim, os efeitos da condenação. Tal fato não passou despercebido pelo ínclito Procurador Regional eleitoral, cujo parecer, no ponto, transcrevo:

Isso porque, em que pese a certidão narratória expedida pela Vara de Execuções Criminais de Novo Hamburgo em 16/09/2015, referente ao processo de Execução Criminal n. 115088-0, atestando a “extinção da punibilidade pela prescrição" (fl. 04), verifica-se que estamos diante da ocorrência da prescrição da pretensão executória.

Vejamos. A sentença condenatória foi publicada em 28/08/2006, o trânsito em julgado para a acusação se deu em 25/09/2006, e o trânsito em julgado para a defesa ocorreu em 14/04/2014, sendo este último considerado como o trânsito em julgado da ação. Observa-se que entre a data da publicação da sentença (28/08/2006) e o trânsito em julgado para ambas as partes (14/04/2014) transcorreu um lapso temporal de 7 anos e 7 meses, aproximadamente.

Modo consequente, não houve a prescrição da pretensão punitiva, porquanto não transcorrido o prazo de 8 anos entre a data da publicação da sentença e o trânsito em julgado da ação.

De notar, que em dado momento, o próprio recorrente, ao pedir a cessação do registro do ASE no cadastro eleitoral, fala em extinção da punibilidade da pena executória (fl. 23).

Prossigo.

Em decisão proferida por esta Corte ao julgar o RE 93-42, na sessão do dia 1º.10.2014, afastou-se a anotação de inelegibilidade do eleitor, sob o fundamento de que tal restrição somente deve ser apreciada no momento de eventual futuro pedido de registro de candidatura.

A situação sob análise é análoga à do precedente citado, como se verifica da ementa extraída do acórdão firmado naquele julgamento:

Recurso. Irresignação contra decisão que indeferiu exclusão do registro de inelegibilidade do banco de dados da Justiça Eleitoral. Art. 1º, I, “o”, da LC n. 64/90.

Causa de inelegibilidade dever ser aferida no rito do processo de registro de candidatura, não podendo ser aplicada em âmbito eleitoral como decorrência de mero efeito de decisão condenatória de natureza administrativa.

Provimento.

Transcrevo a seguinte passagem do voto condutor do acórdão, da lavra do Dr. Leonardo Tricot Saldanha:

Esta Corte segue a jurisprudência do TSE no sentido de que eventual ocorrência de inelegibilidade deve ser avaliada em sede de pedido de registro de candidatura, nos termos do § 11 do art. 10 da Lei n. 9.504/97, não podendo ser cominada a eleitor diretamente quando for apenas um efeito decorrente de condenação.

Nos julgamentos de recursos interpostos contra sentenças que cominam inelegibilidade enquanto efeito, este TRE, assim como o TSE, afasta a declaração, mesmo que venha a manter a sentença condenatória. O fundamento é que, apesar da procedência da ação ser fato constitutivo de inelegibilidade prevista na Lei Complementar n. 64/90, essa restrição à capacidade eleitoral passiva somente é analisada em eventual pedido futuro de registro de candidatura, procedimento adequado para a análise das inelegibilidades.

A própria Procuradoria Regional Eleitoral tem requerido o afastamento da declaração da inelegibilidade, enquanto efeito da condenação, nas sentenças que a declaram em sede de ações eleitorais julgadas procedentes. O raciocínio é sempre o mesmo: por ser um efeito secundário da sentença, a inelegibilidade deve ser questionada – e apreciada – na via própria, em eventual requerimento de registro de candidatura.

(…)

De acordo com a iterativa jurisprudência sobre a matéria, a declaração judicial de inelegibilidade não pode ser considerada sem relação jurídica processual própria, assegurada defesa ampla e irrestrita sobre o tema, sendo seu reconhecimento de competência do juízo do registro de candidatura, se eventualmente a pessoa vier a se candidatar.

A título de exemplo, reporto-me à hipótese de inelegibilidade por rejeição de contas. Se apenas a mera comunicação, ao juiz eleitoral, sobre a decisão de rejeição das contas do administrador público fosse suficiente para dar suporte fático à anotação da inelegibilidade, haveria o risco de ser efetuada a restrição nos casos em que não há irregularidade insanável por ato doloso de improbidade administrativa, questão que só deve ser analisada no âmbito do registro de candidatura.

Daí decorre a conclusão de que um mero comunicado não possui o condão de restringir direito fundamental do recorrente, que inclusive está questionando a decisão administrativa na via judicial, já tendo pronunciamento em primeiro grau pela anulação da decisão que impôs a demissão.

Observa-se que a anotação prematura da inelegibilidade no cadastro eleitoral constitui grave restrição à capacidade eleitoral passiva do indivíduo - direito fundamental – e, portanto, não pode ser cominada por simples comunicado ao juízo, uma vez que as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro de candidatura.

Tal entendimento já vinha sendo aplicado por diversos Regionais, dentre os quais os de Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e Pernambuco, sendo, inclusive, objeto de consulta elaborada por estes junto ao Tribunal Superior Eleitoral, o qual, na 67ª Sessão Administrativa, em 06.8.2015, pronunciou-se definitivamente sobre o tema, restando o julgamento assim ementado:

PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº 313-98.2013.6.00.0000 CLASSE 26 CAMPO GRANDE/MATO GROSSO DO SUL

Relator: Ministro João Otávio de Noronha

Interessada: Corregedoria Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul

Interessada: Corregedoria Regional Eleitoral de Pernambuco

Interessada: Corregedoria Regional Eleitoral do Paraná

Interessada: Corregedoria Regional Eleitoral de Minas Gerais

Ementa:

PROCESSO ADMINISTRATIVO. QUESTIONAMENTOS. APLICABILIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 64, de 1990. ANOTAÇÃO. CÓDIGO DE ASE. CONTAGEM. PRAZO. INELEGIBILIDADE. CADASTRO ELEITORAL. DECISÃO. ÓRGÃO COLEGIADO. ANTERIORIDADE. VIGÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR Nº 135, de 2010. IMPEDIMENTO. QUITAÇÃO ELEITORAL. EXTRAPOLAÇÃO. EFEITOS. CONDENAÇÃO CRIMINAL. EXTINÇÃO DA PENA. REGISTRO. SUBSÍDIO. EXAME. PEDIDO DE REGISTRO. CANDIDATO.

1. A Lei Complementar nº 135, de 2010, que modificou a Lei Complementar nº 64, de 1990, ao aumentar o rol de crimes geradores de inelegibilidade e o período da referida restrição, trouxe diversos reflexos no âmbito desta Justiça especializada, particularmente no funcionamento do cadastro eleitoral, cujos gerenciamento, fiscalização e regulamentação estão confiados à Corregedoria-Geral.

2. A inelegibilidade atinge somente um dos núcleos da capacidade eleitoral do cidadão o passivo (jus honorum), tendo em vista sua função constitucional precípua de proteger a probidade administrativa e a moralidade para o exercício de cargos eletivos.

3. Consoante a reiterada jurisprudência deste Tribunal, as causas de inelegibilidade são aferidas apenas no exame de pedido de registro de candidatura pela autoridade judiciária eleitoral competente.

4. O impedimento à quitação eleitoral daqueles que tenham somente registro de inelegibilidade em seu histórico no cadastro de eleitores consiste em indevida extrapolação dos efeitos da condenação criminal, ultrapassada a extinção da pena.

5. A inelegibilidade não deve ser considerada causa restritiva à quitação eleitoral, servindo o eventual registro da circunstância apenas como subsídio para o exame do pedido do registro de candidatura, a título de “ocorrência de inelegibilidade”.

6. Considerada a momentânea desatualização do cadastro eleitoral, necessária a expedição de ofício aos tribunais do País para que comuniquem a esta Justiça especializada as condenações proferidas relativamente aos crimes previstos na alínea e do inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64, de 1990, bem como a realização de estudos para que as instruções sobre o registro de candidaturas passem também a exigir a apresentação de certidões de tribunais.

7. Necessidade de promoção no cadastro eleitoral, sob a supervisão da Corregedoria-Geral, das alterações deliberadas, com a expedição das orientações necessárias às corregedorias regionais eleitorais.

(67ª Sessão Administrativa do TSE, em 06.8.2015.)

O conteúdo da ementa é bastante esclarecedor, e dele podemos objetivamente extrair as seguintes conclusões:

a) a inelegibilidade atinge somente um dos núcleos da capacidade eleitoral do cidadão: o passivo (jus honorum);

b) as causas de inelegibilidade devem ser aferidas pela autoridade judiciária eleitoral competente apenas no eventual exame de pedido de registro de candidatura;

c) o impedimento à quitação eleitoral daqueles que tenham somente registro de inelegibilidade em seu histórico no cadastro de eleitores consiste em indevida extrapolação dos efeitos da condenação criminal, ultrapassada a extinção da pena; e

d) a inelegibilidade não deve ser considerada causa restritiva à quitação eleitoral, servindo o eventual registro da circunstância apenas como subsídio para o exame do pedido do registro de candidatura, a título de “ocorrência de inelegibilidade”.

Portanto, nota-se que o acórdão da mais alta Corte Eleitoral veio ao encontro do que já vinha sendo decidido por esta Casa, no sentido de que a inelegibilidade anotada no cadastro do eleitor não pode ser considerada causa restritiva à expedição de certidão de quitação eleitoral, pois tal continência, atualmente derivada do lançamento do código ASE 540 (inelegibilidade), constitui medida que acaba por restringir o exercício de determinados atos da vida civil do eleitor, tal como a inscrição em concursos públicos, a obtenção de passaporte e, inclusive, o direito de ter deferido pedido de transferência do domicílio eleitoral. Tais restrições não se coadunam com o conceito de inelegibilidade, consistente na ausência de capacidade eleitoral passiva, ou seja, da condição de ser candidato, de postular cargo público, e, consequentemente, poder ser votado, constituindo-se, portanto, em condição obstativa ao exercício passivo da cidadania.

Cumpre destacar que, com base nesta recente decisão do TSE, a Corregedoria-Geral Eleitoral expediu orientações determinando a anotação no Sistema ELO da informação intitulada “ocorrência de inelegibilidade”, para oportuno exame pela autoridade judiciária competente, por ocasião de eventual pedido de registro de candidatura, em nada influenciando na quitação eleitoral.

Ao expurgar impedimentos anteriores à obtenção da quitação eleitoral, servindo a anotação de inelegibilidade tão somente como subsídio ao exame de eventual pedido do registro de candidatura, não vislumbro motivo para que não se proceda ao registro da inelegibilidade nos moldes propostos pela CGE.

Reforço que anotação de inelegibilidade no cadastro do eleitor tornou-se um ato administrativo de cunho interno do âmbito desta especializada, não impedindo a emissão da certidão de quitação eleitoral.

Informo, ainda, que em consulta ao cadastro eleitoral do recorrente, foi possível constatar sua quitação.

Assim, em consonância com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, tenho por manter a anotação da “ocorrência de inelegibilidade” no cadastro eleitoral do recorrente, haja vista que tal registro não mais impede a quitação eleitoral.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto, Senhor Presidente.