RC - 35140 - Sessão: 13/04/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por PAULO ARAÚJO DE MEDEIROS contra sentença proferida pelo Juízo da 72ª Zona Eleitoral – Viamão –, que julgou procedente denúncia pela prática do crime previsto no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97.

A denúncia imputou a PAULO ARAÚJO DE MEDEIROS o seguinte fato delituoso:

No dia 07 de outubro de 2012, data da realização das eleições para Prefeito, por volta das 10h30min, na Avenida Liberdade, nesta Cidade, em via pública, o denunciado Paulo Araújo de Medeiros realizou propaganda de boca de urna.

Na ocasião, o denunciado estava na via pública, portando 40 folhetos do candidato a vereador Pedro Azevedo, com o intuito de influenciar a escolha das pessoas que ali estavam, interferindo em suas vontades.

O membro da Justiça Eleitoral, procedeu a abordagem constatando a ocorrência dos fatos, razão pela qual conduziu o denunciado para a tomada das medidas pertinentes.

Recebida a denúncia (fl. 25) e devidamente citado, o réu apresentou defesa arguindo preliminares de nulidade do processo e de carência de ação e, no mérito, asseverou inexistirem provas da prática do delito, postulando absolvição sumária (fls. 32-53).

Foi oferecida ao réu proposta de suspensão condicional do processo, a qual foi recusada (fl. 55).

O Ministério Público Eleitoral rechaçou as preliminares suscitadas e pugnou pelo regular andamento do feito (fls. 57-59).

Sobreveio instrução, na qual foram ouvidas duas testemunhas – uma arrolada pela acusação e outra pela defesa – e colhido o depoimento pessoal do réu (fls. 83 e 90). Após, foram apresentados memoriais pelas partes (fls. 93-96 e 101-119).

Regularmente instruídos, os autos foram conclusos, prolatando-se a decisão de procedência com a condenação do réu a 06 (seis) meses de detenção, cumulada com multa no valor de 5 (cinco) mil UFIR. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade por igual período (fls. 128-131v.).

Irresignado, o réu apresentou recurso, suscitando preliminares de inépcia da denúncia e de atipicidade do fato e, no mérito, sustentando a ausência de provas quanto ao cometimento do delito. Diz que a condenação se baseou no depoimento de uma única testemunha, a qual teria sido contraditória em relação aos fatos ocorridos, bem como deixou claro o fato de não ter participado da abordagem no dia do pleito.

Requer sejam acolhidas as preliminares e, no mérito, a procedência do recurso para o fim de ser absolvido do crime que lhe foi imputado. Alternativamente, pleiteia a minoração da pena (fls. 143-150).

Com as contrarrazões, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 162-164v.).

É o relatório.

 

VOTOS

Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja (Relatora):

 

1. Tempestividade

O recurso é tempestivo.

 

2. Preliminares

2.1. Inépcia da denúncia

O réu suscita preliminar de inépcia da denúncia sob o argumento de que a peça acusatória não narra os fatos com todas as circunstâncias, deixando de indicar o local onde teriam ocorrido e qual teria sido a ação praticada, em desacordo com os requisitos do art. 357, § 2º, do Código Eleitoral.

Sustenta, ainda, que não foram arrolados como testemunha os dois policiais militares que efetuaram a sua detenção.

Para evitar tautologia, transcrevo parte do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, que muito bem analisou a questão:

A defesa sustenta a inépcia da denúncia, ao argumento de que a peça acusatória não teria mencionado com precisão o lugar do cometimento do crime. A tese defensiva não merece prosperar pois a denúncia, como se infere às folhas 02/03, foi expressa em afirmar que os fatos ocorreram na Avenida Liberdade, na Cidade de Viamão. Pela instrução percebe-se que a defesa já havia sustentado anteriormente tal tese, referindo que seria imprescindível o número do local da avenida em que os fatos teriam ocorrido.

Como se observa, o pleito não é razoável, pois, de forma alguma, tal minúcia descritiva teria o condão de mitigar o exercício do contraditório durante a instrução processual. Nessa medida, porque não há prejuízos ao contraditório e a ampla defesa, é de rigor o afastamento do argumento sustentado.

Igualmente, a alegação de que não foram arrolados como testemunhas os policiais militares que efetuaram o flagrante não socorre o recorrente, uma vez que ao titular da ação – no caso, o Ministério Público Eleitoral – cabe a indicação dos meios de prova que entender necessários à instrução do feito.

Rejeito, pois, a preliminar.

2.2. Atipicidade do fato

A segunda preliminar arguida pela defesa, de atipicidade do fato por, em tese, apenas portar folhetos de candidato no dia do pleito, confunde-se com o mérito e com ele será analisada.

 

3. Mérito

Em relação ao presente feito, o crime de realização de propaganda eleitoral no dia da eleição está previsto no art. 39, § 5º, da Lei n. 9.504/97:

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

I - o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata;

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;

III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos.

O escopo da norma é resguardar a liberdade do eleitor de votar sem sofrer qualquer tipo de constrangimento, razão pela qual, no dia da eleição, é proibida a propaganda eleitoral.

É vedada não somente nas proximidades das seções eleitorais, mas em qualquer lugar, a distribuição de material de propaganda, o que equivale dizer que na data da eleição não pode o eleitor sofrer qualquer forma de abordagem, de pressão, de tentativa de persuasão no sentido de influir em seu voto, sob pena de caracterizar uma das condutas típicas previstas nos incs. I, II e III do § 5º do art. 39 da Lei n. 9.504/97.

Como se verifica dos termos estritos do tipo, há a necessidade de que haja a divulgação, ou seja, uma conduta que faça chegar ao conhecimento de terceiro a propaganda de partidos políticos ou candidatos.

Na doutrina de Rodrigo López Zilio (in Crimes eleitorais. Ed. JusPodivm, p. 233) "o crime de divulgação de propaganda eleitoral no dia do pleito exige a comprovação de efetiva distribuição do material de publicidade ou abordagem ao eleitor" (TRE-RS – Recurso Criminal n. 45 – Relator Jorge Zugno – j. 15.12.2009; TRE-SC – Recurso Criminal n. 524 – Acórdão n. 20.554 – Relator Volnei Tomazini).

Narra a inicial que o réu Paulo Araújo de Medeiros, no dia das eleições municipais de 2012, "estava na via pública, portando 40 folhetos do candidato a vereador Pedro Azevedo, com o intuito de influenciar a escolha das pessoas que ali estavam [...]"; que na ocasião um representante da Justiça Eleitoral procedeu à abordagem do réu e, tendo constatado a ocorrência dos fatos, o conduziu para a tomada das medidas pertinentes.

O réu, por sua vez, negou a prática de distribuir a eleitores os aludidos panfletos, confirmando, entretanto, que estava portando o material. Todavia, as provas produzidas conduzem a entendimento diverso, devendo ser mantida a sentença condenatória.

Com efeito, o próprio réu confirmou ter sido preso em flagrante em razão do porte de 40 santinhos no dia da eleição. O termo circunstanciado lavrado no dia 07 de outubro de 2012, data do pleito, apresenta o seguinte registro em relação ao fato:

Trata-se de uma ocorrência de crime eleitoral. O Comunicante relata que durante fiscalização do pleito eleitoral foi flagrado o acusado em atividade irregular, distribuindo propagandas do candidato Pedro Azevedo. O autor só irá se manifestar em juízo.

Mário Fernando de Oliveira D'Ávila, que trabalhou na fiscalização das eleições municipais de 2012 no Município de Viamão, ouvido como testemunha, esclareceu que naquele pleito foram efetuadas várias prisões por boca de urna. Disse que "andava num ônibus, com a Brigada, aonde ia passando, havia gente panfleteando, né, a gente recolhia". Disse que lembra do réu, só não sabe precisar o local exato da abordagem, mas assegura que todas as prisões realizadas no dia se deram por entrega de propaganda. Confira-se:

Promotora: O senhor sabe no caso dele, onde estavam esses panfletos? Na mão, no bolso, na bolsa?

Mário: Tava na mão, mas muitos a gente abordava e eles colocavam no bolso, mas todas as prisões que foram feitas foi com panfleto. Todos tinham. Não tinha prisão que eles... que a pessoa não portasse e todas foram feitas... entregando... não foi assim, ah, deixa eu te revistar. Não tavam fazendo boca de urna e entregando.

Promotora: O senhor viu ele entregando panfleto?

Mário: sim, com certeza... com certeza! Todas as minhas prisões que foram feitas foram... é... entregando.

Promotora: O senhor está trabalhando como testemunha eu preciso que isso fique bem claro na... na... no processo se o senhor fala que todos foram isso era uma coisa genérica ou o senhor se lembra especificamente dele porque é ele que está respondendo neste processo.

Mário: Não, eu me lembro dele mas eu estou dizendo, na função que eu tava, né, pra fiscalizar boca de urna, todos... todos que eu peguei tavam entregando.

Promotora: O senhor tá querendo dizer que ele estava.

Mário: Mas evidente que tava. Não teve nenhuma prisão que fosse feita em que a pessoa não estivesse entregando o panfleto.

 

Ademais, ao contrário do alegado pela defesa, a testemunha deixou claro, em mais de uma ocasião, o fato de ter participado da abordagem do recorrente.

A testemunha arrolada pela defesa, por sua vez, Ederson de Jesus Trindade, foi confusa e contraditória, disse que só viu o réu sendo abordado portando uma bandeira, e não teria presenciado a apreensão de santinhos.

Cotejando-se as duas testemunhas, temos de um lado o depoimento coerente de Mário Fernando de Oliveira Ávila, que estava a serviço da Justiça Eleitoral especificamente para fiscalizar e coibir delitos de boca de urna, com o apoio da Brigada Militar, e afirma com veemência que todas as prisões feitas por ele ocorreram pela prática do crime objeto da ação, enfatizando que o réu estava distribuindo panfletos de candidato no dia da eleição.

De outro lado, tem-se a testemunha do réu que diz só ter visto a abordagem, logo, presume-se não ter presenciado o fato, e, estranhamente, não viu a apreensão dos folhetos, que efetivamente foi realizada, fato incontroverso nos autos.

É segura, portanto, a convicção de que o réu Paulo Araújo de Medeiros estava sim distribuindo panfletos eleitorais no dia das eleições, e não apenas portando o material no bolso traseiro da calça, como alega a defesa. Aliás, sendo proibida a distribuição de qualquer propaganda no dia do pleito, não há justificativa plausível para circular pelas ruas com quarenta panfletos no bolso.

Conforme restou assentado no voto divergente lançado pelo Dr. Luis Felipe Paim Fernandes nos autos do RC n. 140-08, julgado em 22.5.2014, preponderante para o deslinde daquela controvérsia, "sabidamente existe boca de urna nas eleições". Naquele caso, o crime de boca de urna havia sido presenciado pelo juiz eleitoral. O Dr. Ingo Wolfgang Sarlet, ao acompanhar a divergência, salientou:

Neste caso temos uma situação bem concreta, onde há uma testemunha que é juiz de direito, então sua palavra deve ser levada a sério, não só porque é juiz, mas porque também é juiz. Realmente, há elementos concretos de que esta testemunha, além de ser idônea, realmente viu o que se passou, o que depois foi confirmado. Então, esse depoimento, sim, é determinante de um resultado que me faz acompanhar a divergência bem posta pelo ilustre colega Paim.

Pois o caso sob exame guarda certa similitude com aquele. Com efeito, a testemunha Mário Fernando de Oliveira D'Ávila – que, como já referido, estava a serviço da Justiça Eleitoral no dia do pleito – é serventuário da Justiça, lotado na 2ª Vara Criminal da Comarca de Viamão, ou seja, pessoa idônea que além de ter recebido treinamento e instruções específicas para fiscalizar e coibir o crime de boca de urna, como é praxe em todas as eleições, tem clareza e discernimento suficientes para diferenciar o ato de portar propaganda no bolso do ato de distribuí-la.

Aliás, os colaboradores da Justiça Eleitoral são instruídos a agir em caso de realização de boca de urna, jamais a revistar eleitores e verificar o que levam nos bolsos das calças. Coerente, pois, a afirmação de que as pessoas, quando abordadas, guardavam os panfletos no bolso para tentar ocultar a prova do crime.

Assim, a Justiça Eleitoral não pode desprezar o testemunho firme e coerente dos seus próprios representantes designados para fiscalizar e impedir crime que a cada eleição se repete, sob pena de desacreditar a própria instituição e estimular a crença na impunidade.

Diante desse cenário, restou acertado o juízo de procedência da ação, o qual deve ser mantido, nos termos da jurisprudência desta Corte:

Recurso criminal. Propaganda de boca de urna. Art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97. Parcial procedência da denúncia. Pena de detenção, convertida em prestação pecuniária. Eleições 2012. Circunstâncias do flagrante e a quantidade de publicidade eleitoral apreendida comprovam a autoria e materialidade do delito.

Caracterizada a ocorrência de crime de boca de urna.

Provimento negado.

(Recurso Criminal n. 14008, Acórdão de 22.5.2014, Relator DR. HAMILTON LANGARO DIPP, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 94, Data 29.5.2014, Páginas 2-3.)

 

Recurso criminal. Propaganda de boca de urna. Art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

Julga-se procedente a ação quando o conjunto probatório se mostra suficiente para formar convencimento acerca da ocorrência dos fatos narrados. Comprovada a prática delitiva imputada ao acusado.

Provimento negado.

(Recurso Criminal n. 4406, Acórdão de 01.7.2014, Relator DR. HAMILTON LANGARO DIPP, Relator designado DR. LUIS FELIPE PAIM FERNANDES, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 114, Data 03.7.2014, Página 2.)

 

Por fim, entendo que também não merece prosperar o recurso no que se refere ao pleito de minoração da pena aplicada, uma vez que tanto a restritiva de liberdade quanto a de multa foram arbitradas no mínimo legal, de seis meses e de cinco mil UFIR, respectivamente, bem como a primeira substituída por prestação de serviços à comunidade.

 

Diante do exposto, VOTO pela rejeição das preliminares e pelo desprovimento do recurso, mantendo-se a condenação nos termos da sentença.

É como voto, Senhor Presidente.

 

 

 

(Após votar a relatora, Dra. Gisele, rejeitando a preliminar e negando provimento ao recurso, no que foi acompanhada pelos Dr. Bainy, Des. Federal Paulo Afonso e Dr. Sylvio, pediu vista o Dr. Leonardo Tricot Saldanha. A Desa. Liselena aguardará a vista. Julgamento suspenso.)