RC - 10606 - Sessão: 18/05/2016 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (MPE) interpôs recurso contra sentença do Juiz da 133ª Zona Eleitoral – Triunfo –, que julgou improcedente denúncia oferecida em 21.5.2013, contra os seguintes réus, conforme consta às fls. 02-03v.:

JOÃO BATISTA DOS REIS CUNHA, brasileiro, natural de Taquari, nascido em 22.08.1983, filho de Gilberto Coutinho da Cunha e de Olga dos Reis Cunha, solteiro, inscrito no RG sob o nº 8074744007 e no CPF sob o nº 80350046034, residente e domiciliado no Distrito Passo do Santa Cruz, s/n, Triunfo, RS, e contra

 

RODOLFO ITAMAR SOUZA VIACAVA, brasileiro, natural de Triunfo, nascido em 18.11.1991, filho de Cesar Leandro Viacava e de Gloria Jane de Souza, solteiro, inscrito no RG sob o nº 8093619552 e no CPF sob o nº 2339926009, residente e domiciliado na Rua Luis Barreto, nº 714, Triunfo, RS, pela prática dos seguintes

 

FATOS DELITUOSOS:

 

PRIMEIRO FATO

No dia 16 de maio de 2013, a partir das 13h30min, em frente a Promotoria de Justiça de Triunfo, na Estrada TF-10, nº 90, os denunciados, JOÃO BATISTA DOS REIS CUNHA e RODOLFO ITAMAR SOUZA VIACAVA, em comunhão de vontades e conjugação de esforços, entre si e com mais duas pessoas ainda não identificadas, usaram de grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio e alheio, contra pessoas chamadas a intervir em processo judicial tombado sob o nº 396.2013.6.21.0133, que tramita perante esta 133ª Zona Eleitoral, na condição de testemunhas.

Na data dos fatos, realizar-se-ia audiência de instrução da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME ajuizada contra o Vereador eleito JAIRO ROBERTO DA COSTA KERSTING, do PDT. Considerando a regra do processo eleitoral, no sentido de que as testemunhas devem comparecer à audiência independentemente de intimação e tendo em conta o histórico de pressões e ameaças contra testemunhas no Município, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL notificou as testemunhas arroladas na inicial para que comparecessem à Promotoria de Justiça meia hora antes do horário previsto para a solenidade judicial, de moda a realizar deslocamento em grupo para o Fórum, inclusive com acompanhamento de agentes da Assessoria de Segurança Institucional do Ministério Público.

A Assessoria de Segurança Institucional foi acionada previamente devido a ameaças concretas e a atos de coação que vêm ocorrendo nesta Zona Eleitoral (e nesta Comarca de Triunfo), sendo que na data em que ocorrera audiência em ação similar (a AIME nº 129.2013.6.21.0133, em que figura como réu FÁBIO DANIEL DE SOUZA WRASSE), prática semelhante já havia sido utilizada.

É de se ter presente que as testemunhas arroladas pelo Ministério Público Eleitoral são pessoas simples, que residem em locais afastados, no interior do Município.

Por outro lado, como é de conhecimento deste Juízo, algumas personalidades locais, notadamente aquelas vinculadas à política, fazem questão de ostentar imagem de truculência, como forma de amedrontar àqueles que não conseguem comprar.

A documentação anexa dá conta ainda de um histórico de perseguições e de ameaças contra JARDEL PALHANO BARTH, que seria ouvido na audiência de instrução da AIME nº 369.2013.6.21.0133.

JARDEL, aliás, foi perseguido no mesmo dia da audiência, após a realização dessa, por pessoas que tripulavam o veículo automotor Ford/Ranger de placas IRV-3882, justamente um dos veículos usados pelos delinquentes para se deslocar até o local da prática delituosa.

 

SEGUNDO FATO

No mínimo desde meados de 2012, e até a presente data, na Cidade de Triunfo, RS, os denunciados, JOÃO BATISTA DOS REIS CUNHA e RODOLFO ITAMAR SOUZA VIACAVA, e diversas outras pessoas ainda não devidamente identificadas, associaram-se para o fim de cometer crimes contra a Administração da Justiça, usando de grave ameaça com o fim de favorecer interesse próprio e alheio contra pessoas chamadas a intervir em processos judiciais (em trâmite perante a Justiça Eleitoral de Triunfo, como a AIME nº 129.2013.621.0133 e a AIME nº 396.2013.6.21.0133, e em trâmite perante o Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul, especificamente o Processo nº 184-45.2012.6.21.0000), policiais (Inquérito Policial nº 0905/2012, da Superintendência Regional do Rio Grande do Sul – Corregedoria Regional da Polícia Federal) e administrativos (investigações levadas a cabo pelo Ministério Público Eleitoral nesta 133ª Zona, em especial o PA.00918.00072/2012, e investigações levadas a cabo pelo Procuradoria de Prefeitos de Porto Alegre, especificamente o PC.00918.00002/2012) na condição de testemunhas.

Por ocasião dos fatos, os denunciados, com desígnios comuns e ajuste prévio, coagem testemunhas e eleitores corrompidos, visando a beneficiar a si e a outros envolvidos nos atos de corrupção eleitoral ocorridos nesta 133ª Zona. Os crimes de coação no curso do processo vêm sendo praticados de forma sistemática e contínua pela quadrilha.

 

AGINDO COMO ACIMA DESCRITO, os denunciados, JOÃO BATISTA DOS REIS CUNHA e RODOLFO ITAMAR SOUZA VIACAVA, atraíram a incidência das normas dos arts. 344 e 288 do Código Penal, razão pela qual o Ministério Público Eleitoral requer o recebimento da presente denúncia, a citação dos acusados para apresentação de resposta e o prosseguimento do processo, com a oitiva das pessoas adiante arroladas, o interrogatório dos réus e sua condenação.

O Ministério Público Eleitoral requereu, ainda, a busca e apreensão de aparelhos de telefonia celular (fl. 05) e a decretação de prisão preventiva dos acusados (fls. 05v.-09v.).

O juiz eleitoral (fls. 44-49) recebeu a denúncia em 21.5.2013, bem como acolheu os pedidos formulados pelo MPE, determinando que fossem expedidos os respectivos mandados de prisão (fls. 51-52) e de busca e apreensão (fl. 53).

A autoridade policial, em 27.5.2013, lavrou os autos de apreensão ns. 1786 e 1787 (fls. 54-56 e 58-60). Na mesma data, realizou-se audiência (fls. 61-62) em que estiveram presentes os acusados e seus respectivos defensores, decidindo o MM. juiz eleitoral por revogar a prisão preventiva, expedindo-se alvarás de soltura, fixando medida cautelar alternativa, consistente na proibição de manter contato com as testemunhas do processo judicial eleitoral.

Citados os réus João Batista dos Reis Cunha (fl. 73v.) e Rodolfo Itamar Souza Viacava (fl. 74v.), estes apresentaram defesas preliminares, respectivamente, às fls. 129-137 e 100-127.

Os réus foram interrogados (fl. 139), encontrando-se às fls. 146-151 a degravação dos depoimentos.

Realizada a audiência de instrução, foram ouvidas 7 (sete) testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa (fl. 182). No mesmo ato, foi solicitada pela acusação – sendo deferida – a verificação do material apreendido, resultando nos autos de verificação de informações em aparelho de telefone celular (fls. 186-189, 277-283 e 294-297).

Realizou-se a juntada da carta precatória inquiritória expedida, estando esta devidamente cumprida (fls. 199-274).

Juntou-se cópia dos termos de degravações e das mídias referentes aos depoimentos colhidos na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME n. 3.96.2013.6.21.0133 (fls. 311-426).

Encerrada a instrução (fl. 450), foram apresentados memorais (fls. 472-478, 482-486 e 494-511), sobrevindo sentença absolutória para ambos os réus com base no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal (fls. 517-536).

Da decisão, o MPE interpôs o presente recurso (fls. 541-547v.), aduzindo, em síntese, que há prova técnica e testemunhal suficientes para a condenação do réu João Batista dos Reis Cunha às sanções do art. 344 do Código Penal.

Apresentadas contrarrazões (fls. 551-562), a defesa arguiu as seguintes preliminares: (a) a incompetência absoluta: as infrações descritas na denúncia estão previstas no Código Penal e a competência para processar o julgamento é da Justiça Federal Comum; (b) nulidade em razão do rito processual: o interrogatório, conforme entendimento do STF (HC n. 107.795) passou a ser o último ato da fase de instrução probatória de um processo penal; (c) inépcia da denúncia: a peça acusatória em nenhum momento descreve o que consistiria a grave ameaça; e (d) ausência de justa causa: por completa atipicidade da conduta do acusado. No mérito, requereu a manutenção da sentença absolutória.

Os autos subiram a esta instância e foram com vista ao procurador regional eleitoral que lançou parecer, em preliminar, pela nulidade do processo desde o recebimento da denúncia, por infringência às regras de competências fixadas na Constituição Federal e pelo declínio da competência à Justiça Federal e, no mérito, pelo provimento da pretensão recursal (fls. 567-572v.).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

Da sentença, o MPE foi pessoalmente intimado em 02.9.2015 (fl. 539). O recurso foi interposto, tempestivamente, em 11.9.2015 (fl. 541), ou seja, dentro do prazo legal de 10 (dez) dias, nos termos do art. 362 do Código Eleitoral.

Preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Preliminares do recorrido

Em contrarrazões (fls. 552-562), alega a defesa do réu João Batista dos Reis da Cunha a incompetência absoluta desta Justiça Especializada, em razão de as infrações descritas na denúncia estarem previstas no Código Penal. Dessa forma, afirma o recorrido ser da Justiça Federal Comum a competência para o processamento e o julgamento do feito.

Verifica-se, primeiramente, que a denúncia descreveu a ocorrência de dois fatos delituosos atribuídos aos réus João Batista dos Reis Cunha e Rodolfo Itamar Souza Viacava.

O réu Rodolfo Itamar foi absolvido de ambas as acusações, não tendo sido objeto de recurso pelo Ministério Público Eleitoral.

Por sua vez, o segundo fato imputado ao réu João Batista, tipificado no antigo delito previsto no art. 288 do Código Penal (“Art. 288. Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes. Pena: reclusão, de um a três anos.”), vigente à época dos fatos (anterior à Lei n. 12.850/13), também não foi objeto de irresignação.

As razões de apelo restringem-se ao primeiro fato, imputado ao réu João Batista dos Reis Cunha, previsto no art. 344 do Código Penal, in verbis:

Art. 344. Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral.

Pena: reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Trata-se de crime denominado “coação no curso do processo”, previsto no Capítulo III - Dos crimes contra a Administração da Justiça, Título XI – Dos crimes contra a Administração Pública, da Parte Especial do Código Penal.

As vítimas, na hipótese de coação no curso de processo, são o Estado e a pessoa que sofre a violência ou grave ameça. Tratando-se de processo em trâmite perante a Justiça Eleitoral, o crime é cometido contra a sua administração; a vítima, portanto, é a União.

Outrossim, inexistindo crime eleitoral conexo a atrair a competência para o seu processamento e julgamento pela Justiça Eleitoral, é competente a Justiça Federal.

Nesse sentido, é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO - ART. 344 DO CÓDIGO PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. FALSO TESTEMUNHO - ART. 342 DO CÓDIGO PENAL. ARQUIVAMENTO.

1. Nos termos do art. 109, inc. IV, da Constituição Federal, compete à Justiça Federal processar e julgar infração penal praticada em detrimento da União, que tem interesse na administração da Justiça Eleitoral, sendo este o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (CC 106.970/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Terceira Seção, 22/10/2009).

2. Preenchidos os requisitos elencados no art. 41 do Código de Processo Penal e não verificadas quaisquer das hipóteses de rejeição da inicial acusatória previstas no art. 395 da lei referida, impõe-se o recebimento da denúncia. Para o recebimento da peça inicial, não se exige certeza quanto à autoria delitiva, bastando a existência de elementos indiciários nesse sentido.

3. Tendo o Ministério Público Federal requerido o arquivamento do inquérito policial em relação ao crime de falso testemunho, visto que a investigada retratou-se no momento oportuno, impõe-se o acolhimento deste pedido.

(TRF-4 - INQ: 17162520144040000 RS 0001716-25.2014.404.0000, Relator: JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Data de Julgamento: 10.3.2016, Quarta Seção, Data de Publicação: D.E. 17.3.2016.) (Grifei.)

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também decidiu pela competência da Justiça Federal em crime de coação cometido no curso de processo de natureza eleitoral:

TERMO CIRCUNSTANCIADO. PREFEITO INVESTIGADO PELA POSSÍVEL PRATICA DO CRIME DE COAÇÃO NO CURSO DE PROCESSO ELEITORAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

Em se tratando da ocorrência, em tese, do crime de coação no curso de processo eleitoral, em que o sujeito passivo do delito é a Justiça Eleitoral, ou seja, um serviço prestado pela União, a competência para o processo e julgamento do feito é da Justiça Federal, nos termos no art. 109, inciso IV, da Constituição Federal. Competência declinada. (Termo Circunstanciado Nº 70054849278, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gaspar Marques Batista, Julgado em 05/09/2013).

(TJ-RS - TC: 70054849278 RS, Relator: GASPAR MARQUES BATISTA, Data de Julgamento: 05.9.2013, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16.9.2013.) (Grifei.)

Outra não é a direção do parecer do procurador regional eleitoral (fls. 567-572v.) e o precedente do Tribunal Superior Eleitoral citado pelo Parquet, o qual reproduzo, por entender deveras esclarecedor:

Ação penal. Justiça Eleitoral. Incompetência. Denunciação caluniosa.

1. Considerando que o art. 339 do Código Penal não tem equivalente na legislação eleitoral, a Corte de origem assentou a incompetência da Justiça Eleitoral para exame do fato narrado na denúncia – levando-se em conta que a hipótese dos autos caracteriza, em tese, ofensa à administração desta Justiça Especializada -, anulou a sentença e determinou a remessa dos autos à Justiça Federal.

2. É de se manter o entendimento do Tribunal a quo, visto que a denunciação caluniosa decorrente de imputação de crime eleitoral atrai a competência da Justiça Federal, visto que tal delito é praticado contra a administração da Justiça Eleitoral, órgão jurisdicional que integra a esfera federal, o que evidencia o interesse da União, nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal.

Agravo regimental não provido.

(Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 26717, Acórdão de 17.02.2011, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 07.4.2011, Página 42.) (Grifos do original.)

Dessa forma, acolho as razões do recorrido e da Procuradoria Regional Eleitoral e, nos termos do art. 109, inc. IV, da Constituição Federal, entendo que a competência para a persecução penal de tal crime é da Justiça Federal – no interesse da União –, razão pela qual o processo deve ser anulado a partir do recebimento da denúncia.

Portanto, acolho a preliminar de incompetência absoluta arguida pelo recorrido João Batista, declarando prejudicadas as demais preliminares por ele aventadas.

Dispositivo

Diante do exposto, VOTO por acolher a preliminar de nulidade do processo, por incompetência absoluta, para declarar nulos todos os atos realizados a contar do recebimento da denúncia, inclusive, e determinar a remessa à Justiça Federal da subseção judiciária correspondente ao Município de Triunfo-RS.