PET - 17311 - Sessão: 01/03/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de ação de decretação de perda de cargo eletivo, com pedido de concessão de tutela antecipada, ajuizada pelo DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PT DE DOIS IRMÃOS em desfavor de LEO BÜTTENBENDER.

O requerente alega que o demandado, quando filiado ao PT, concorreu à vereança e logrou ser eleito. Contudo, em 17 de setembro de 2015, oficializou sua desfiliação do PT. Traz argumentos pela inexistência de justa causa para a desfiliação e junta documentos (fls. 02-16).

Indeferi o pedido de tutela antecipada, conforme fundamentação, fls. 18-19.

Citado, o requerido apresentou defesa, alegando, em suma, o desvio reiterado ou a mudança substancial do programa pelo Partido dos Trabalhadores. Juntou documentos e requereu provas (fls. 27-38).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo prosseguimento da ação, com a realização de audiência de instrução, fls. 40-42.

Encerrada a instrução, fl. 76, apenas o peticionante apresentou alegações finais (fls. 80-83), silente o peticionado.

Novo parecer ministerial, fls. 85-88, opinando pela procedência da ação.

Vieram conclusos os autos.

 

VOTOS

Dra. Maria de Lourdes Galvao Braccini de Gonzalez:

A demanda foi tempestivamente ajuizada, no prazo de 30 (trinta) dias a que alude o art. 1º, § 2º, da Resolução TSE n. 22.610/07.

O mérito diz respeito à ocorrência ou inocorrência de justa causa para a desfiliação de LEO BÜTTENBENDER do PT de DOIS IRMÃOS.

O PT entende não estarem presentes as circunstâncias justificadoras; o requerido, por seu turno, sustenta o desvio reiterado ou a mudança substancial da agremiação no que diz respeito ao próprio programa partidário.

À análise.

A hipótese de justa causa, suscitada por LEO, vem prevista no art. 1º, III, da Resolução TSE n. 22.610/07, com o suporte da Lei n. 9.096/97, art. 22-A, I, comando incluído pela Lei n. 13.165/15, nos seguintes termos:

Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

E a defesa do vereador, na tentativa de caracterizar o desvio reiterado do partido em relação ao programa partidário, narra que após a ação penal 470, mensalão, mais recentemente operação lava-jato, o PT entrou em uma crise de identidade moral, ideológica e programática, afirmando ainda que o PT a nível nacional está agindo de maneira contrária aos princípios programáticos e morais que nortearam sua fundação, contrariando propostas que sempre defenderam e assumiram junto a sociedade ao longo dos anos.

Ainda, refere que o requerido já vinha alertando a sigla sobre o enorme constrangimento perante a sociedade, por estar filiado em um partido que desviou-se de seus ideais programático e ético que o referenciavam junto ao povo brasileiro, sendo tema negativo diuturno da imprensa nacional, e que o acordado era o vereador Leo continuar exercendo o cargo até o mês de maio de 2016, quando entregaria a vaga para o suplente.

De início: não se ignora a grave crise política instalada no cenário brasileiro e a frequência com que ela dialoga com as páginas policiais.

E essa crise tem sido, amiúde, judicializada: não por acaso, cientistas políticos apontam a democracia brasileira como um dos mais férteis terrenos para o fenômeno da Judicialização da Política, expressão cunhada pioneiramente por Tate e Vallinder (The global expansion of judicial power. 1994).

Mas a crise é institucional: ela, mercurialmente, espalhou-se pela máquina estatal e envolve, também, atores importantes da iniciativa privada nacional.

Daí, não entendo razoável atribuir a corrupção a um partido (eis que há outros envolvidos), bem como inviável possa se dizer que todo um partido está a participar dos odiosos esquemas (pois os protagonistas dos ilícitos são, ainda bem, cada vez mais notórios).

Ou seja, esta ou aquela grei partidária pode estar mais (ou menos) envolvida nos escândalos, é verdade; mas é igualmente verdadeiro que nenhum partido político está inteiramente ligado aos crimes perpetrados – por certo há, em todas as agremiações, filiados que não coadunam com tais práticas.

Sob outro aspecto, o da própria interpretação da norma relativa ao “reiterado desvio” ou à “mudança substancial” do programa partidário: o Direito deve ser compreendido como fato, valor e norma (REALE, Miguel. Fontes e modelos do Direito. São Paulo: Saraiva, 1994), e assim devemos entender as expressões.

A ciência jurídica é, em sua gênese, social. Aliás, vale dizer (com Reale), ciência cultural. Não se pode interpretá-la sem conhecer a realidade em que é aplicada.

Nessa toada, a legislação eleitoral atinente ao ponto tem por meta valorizar a democracia dos partidos políticos. Mas esse ideal está distante de ser alcançado. Os estatutos partidários são vagos, se assemelham; as alianças passam ao largo da vontade do eleitor.

O próprio caso posto assim demonstra: um dos pontos de desgaste entre LEO e o PT foi um acordo de permanência do requerido para que continuasse a exercer o cargo até o mês de maio de 2016, “quando entregaria a vaga para o suplente”, nas próprias palavras utilizadas pela defesa.

Nada ideológico, portanto. Impossível tal circunstância conviver com firmeza ideológica. Trata-se, apenas, de mais um caso de acordo político motivado por questões pontuais.

Em razão desse quadro é que o TSE escolheu sublinhar que a mudança precisa ser substancial e o desvio reiterado. A cultura, as práticas costumeiras, os comportamentos tidos como regulares/irregulares e a forma pela qual tradicionalmente os partidos se organizam informam e qualificam qual desvio e que mudança podem preencher o conteúdo da norma.

E o fato (lamentável) de que filiados de determinado partido cometem crimes não pode, nessa linha, ser considerado desvio reiterado do programa partidário por parte da agremiação - por mais proeminentes que sejam os correligionários.

A título de exemplo, esta Corte já explicitou que é imprescindível na configuração da “mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário”, para que seja motivo de justa causa de desfiliação, que haja alterações no estatuto do partido que mudem substancialmente seus programas e ideologia (TRE-RS, Processo n. 1032007, classe 15, Relator Desembargador Federal Vilson Darós, julgado em 06.5.2008). É a mesma posição adotada pelo TRE-MG, que sublinha que a literalidade da resolução não deixa dúvidas de que a mudança ou desvio capaz de justificar a desfiliação há de atingir o programa partidário (TRE-MG, Petição n. 263, acórdão de 27.4.2010, Relator Benjamin Alves Rabello Filho).

Além disso, a desfiliação de grande número de membros dos partidos é fato que denota insatisfação, mas não justifica, nos termos da norma, a retirada de detentor de mandato eletivo (TRE-PR, Requerimento n. 759, Acórdão n. 35.899 de 11.11.2008, Relator Renato Lopes de Paiva).

O momento é grave, como já dito. Mas, por outro lado, bastante oportuno para que diferenciemos as instituições das pessoas. Estas, passam; aquelas, em uma nação devidamente amadurecida, devem permanecer.

E, finalmente: não escapou da análise do presente caso uma circunstância interessante, trazida pelo requerido e que não se presta a sustentar a ocorrência de justa causa: o argumento de desvio da postura historicamente adotada pela sigla.

Veja-se a Ação Penal n. 470: foi ajuizada em 12 de novembro de 2007, como informa o sítio eletrônico do STF.

Tratou-se de processo com intensa cobertura midiática e trâmite notório. Durante o ano de 2012, no qual LEO se candidatou a vereador de Dois Irmãos pelo PT, a AP n. 470 já se encontrava em estado avançado de instrução probatória – o julgamento iniciou em meados de 2012. Ou seja, boa parte das circunstâncias trazidas como motivos para a saída da grei existiam já no momento da candidatura de LEO.

Tal fundamento não pode, portanto, ser invocado como justa causa para a desfiliação ocorrida.

Nessa linha, a manifestação do. d. Procurador Regional Eleitoral, fl. 87v.: 

[…] De outra parte, as razões trazidas pelo vereador, a respeito de estar insatisfeito com acontecimentos que envolveram a história recente do partido e vários de seus integrantes, não justificam a saída do partido, haja vista que reprovações de ordem pessoal não estão entre as excludentes taxativas previstas na Resolução.

Finalmente, lembro que a Resolução n. 22.610/07 do TSE decorre de reflexão jurisprudencial, iniciada no âmbito do Supremo Tribunal Federal quando da interpretação dos contornos e desdobramentos que se poderiam emprestar aos arts. 14, § 3º, V, e 55, I a VI, da Constituição Federal.

A suma desse debate restou consubstanciada na ideia de que o abandono de legenda enseja a extinção do mandato do parlamentar, ressalvadas situações específicas, tais como [...] perseguições políticas, a serem definidas e apreciadas caso a caso pelo Tribunal Superior Eleitoral (STF, MS n. 22602, de 17.10.08, Relator Min. Eros Grau). Assim, a Resolução TSE n. 22.610/07 foi gerada com fundamento no art. 23, XVIII, do Código Eleitoral, em cumprimento ao determinado pelo STF.

E é dela que se extraem as situações específicas que podem, a despeito da migração partidária, justificar que o detentor do mandato eletivo possa conservar o cargo ainda que em sigla partidária distinta daquela pela qual obteve a consagração nas urnas.

São exceções, nenhuma delas ocorrida no caso sob exame. Insatisfeito com os passos do partido, LEO abandonou a sigla.

E portanto, já a título de desfecho, cumpre retornar à compreensão que o STF expressou quanto ao requisito de filiação partidária. Por sua leitura, a permanência do parlamentar no partido político pelo qual se elegeu é imprescindível para a manutenção da representatividade partidária do próprio mandato. E, sublinhe-se: afora as situações específicas que foram apresentadas pela requerida e debatidas nesse voto, o abandono de legenda enseja a extinção do mandato do parlamentar (STF, MS n. 22602, de 17.10.08, Relator Ministro Eros Grau).

Em razão disso, não caracterizada a mudança substancial ou o desvio reiterado do programa partidário, vê-se que o requerido não logrou cobrir-se de justa causa que legitimasse a respectiva desfiliação.

Merece guarida o pedido do requerente, no sentido de recuperar a vaga parlamentar. Nos termos da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a vaga deve ser preenchida pelo primeiro suplente do partido demandante.

Diante do exposto, VOTO no sentido de julgar procedente o pedido promovido pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES de DOIS IRMÃOS, decretando a perda de mandato eletivo de LEO BÜTTENBENDER, com execução imediata do presente acórdão, nos termos do que dispõe o art. 10 da Resolução TSE n. 22.610/07.

Comunique-se a decisão à Mesa da Câmara Municipal de DOIS IRMÃOS para o devido cumprimento, devendo assumir a respectiva cadeira o primeiro suplente eleito pelo PT nas eleições de 2012, conforme consta no resultado oficial divulgado pela Justiça Eleitoral.

 

Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz:

Peço vista dos autos.

(Os demais julgadores aguardam o voto-vista.)