INQ - 41136 - Sessão: 10/12/2015 às 17:00

RELATÓRIO

Cuidam os autos de pedido de arquivamento de inquérito policial instaurado para apurar a possível prática dos delitos tipificados nos artigos 301 e 332 do Código Eleitoral (usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a não votar e impedir o exercício de propaganda, respectivamente), no artigo 288 do Código Penal (associar-se em quadrilha ou bando para cometer crimes, na redação anterior à Lei n. 12.850/13) e art. 15 da Lei n. 10.826/03 (disparo de arma de fogo em via pública), supostamente praticados por SILVIO PEDROTTI DE OLIVEIRA, Prefeito de São José das Missões, CLAUDIMIR BINSFELD e EVANDRO PICOLOTTO.

Em razão da prerrogativa de foro do investigado Silvio Pedrotti de Oliveira, escolhido prefeito de São José das Missões nas eleições de 2012, os autos foram encaminhados a esta egrégia Corte. Isso porque, conforme o art. 29, inc. X da Constituição Federal, bem como a súmula 702 do STF, a competência originária para o julgamento dos prefeitos é do respectivo Tribunal de segundo grau. No presente caso, o Tribunal Regional do nosso Estado.

A Procuradoria Regional Eleitoral requereu o arquivamento do expediente quanto ao prefeito e o declínio de competência em relação aos demais indiciados, pois não haveria comprovação do envolvimento do detentor de prerrogativa de função nos fatos investigados (fls. 368-373v.).

É o relatório.

 

VOTO

O inquérito foi instaurado para apurar a possível associação criminosa dos investigados, os quais teriam cometido também os crimes eleitorais de violência ou grave ameaça para coagir eleitores a não votar e o impedimento do exercício de propaganda, cumulados, ainda, com o disparo de arma de fogo em via pública.

Foi noticiado ao Ministério Público Eleitoral que, no dia 12.9.2012, por volta das 22 horas, no interior do Município de São José das Missões, CLAUDIMIR BINSFELD, tenente da Brigada Militar, acompanhado de EVANDRO PICOLOTTO, em um veículo Fiat Uno de cor branca, teria efetuado diversos disparos de arma de fogo em direção à residência de Rogélio Bueno de Encarnação, com o intuito de inibir o voto e o apoio de adversários políticos do investigado.

No decorrer das investigações foram realizadas duas perícias na arma do Tenente Claudimir Binsfeld, com o intuito de analisar se as cápsulas recolhidas no local da ocorrência teriam sido disparadas daquele artefato. A primeira perícia, realizada pela Polícia Civil, concluiu que os estojos foram disparados por arma idêntica, mas não confirmou se o disparo foi realizado pela arma periciada, devido à existência de intensas ranhuras produzidas por abrasão mecânica na culatra da pistola (fl. 278). A segunda perícia, realizada pela Polícia Federal, concluiu que os estojos foram disparados pela arma periciada, registrando que a arma teve alguns de seus componentes (culatra, câmara, percutor e extrator) submetidos a abrasão intencional (fl. 364).

Os apontamentos periciais, como destacou o Ministério Público Eleitoral, evidenciam que, no decorrer da investigação dos crimes eleitorais, a arma foi adulterada, configurando-se, em tese, o delito tipificado no art. 16, II, da Lei  n. 10.826/03:

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz.

A apuração do delito referido compete à Justiça Federal, tendo em vista os indícios de que foi praticado para dificultar a atuação da Justiça Eleitoral, conforme pacífica jurisprudência:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DELITO DE FALSO TESTEMUNHO COMETIDO PERANTE A PROMOTORIA DE JUSTIÇA ELEITORAL. CRIME PRATICADO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE CRIME PREVISTO NO ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL, EM CONEXÃO.

IMPOSSIBILIDADE DE JULGAMENTO CONJUNTO NA JUSTIÇA ESPECIALIZADA.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM FEDERAL FIXADA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NÃO APLICAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE.

1. A prática do delito de falso testemunho, cometido por ocasião de depoimento perante o Ministério Público Eleitoral, enseja a competência da Justiça Federal, em razão do evidente interesse da União na administração da Justiça Eleitoral. Precedentes.

2. Na eventualidade de ficar caracterizado o crime do art. 299 do Código Eleitoral, este deverá ser processado e julgado na Justiça Eleitoral, sem interferir no andamento do processo relacionado ao crime de falso testemunho, porquanto a competência da Justiça Federal está expressamente fixada na Constituição Federal, não se aplicando, dessa forma, o critério da especialidade, previsto nos arts. 78, IV, do CPP e 35, II, do Código Eleitoral, circunstância que impede a reunião dos processos na Justiça especializada.

Precedentes.

3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 3ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, o suscitado.

(STJ, CC 126.729/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24.4.2013, DJE 30.4.2013).

Além das evidências de modificação das características da pistola, os elementos de informação colhidos apontam para a possível prática dos delitos eleitorais investigados, como a proximidade de Claudimir Binsfeld com políticos do Partido Progressista e os depoimentos de Rogélio Bueno e Manoel da Fonseca, como pontuou o douto Procurador Regional Eleitoral.

No entanto, não foram apurados elementos capazes de apontar a participação de Silvio Pedrotti de Oliveira no fato investigado. Os eleitores que noticiaram o suposto fato delituoso afirmaram não terem visto o prefeito no momento da ocorrência, e as fotografias nas quais aparece acompanhado de Claudimir Binsfeld, por si só, não serve de indício do seu envolvimento no fato investigado.

Dessa forma, não há elementos justificando o prosseguimento do inquérito perante esta instância, tendo em vista a falta de indícios da participação do detentor de prerrogativa de foro nos fatos investigados.

DIANTE DO EXPOSTO, voto:

a) pelo arquivamento do inquérito policial em relação a SILVIO PEDROTTI DE OLIVEIRA, com a ressalva do art. 18 do Código de Processo Penal;

b) pelo declínio da competência à Justiça Eleitoral da 32ª Zona Eleitoral em relação aos demais investigados;

c) pelo envio de cópia dos autos, juntamente com o material que acompanha o ofício n. 3047/2015, referido na folha 384 dos autos, para a subseção judiciária da Justiça Federal, com abrangência sobre o Município de São José das Missões, em relação ao crime previsto no art. 16, inc. II, da Lei n. 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento).