Ag/Rg - 11253 - Sessão: 10/11/2015 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe agravo regimental contra decisão monocrática que, nos autos da presente prestação de contas, relativa ao exercício financeiro de 2014, apresentada pelo Partido Verde (PV), determinou a exclusão dos dirigentes partidários do feito, mantendo apenas a agremiação como parte (fls. 52-53).

Em suas razões, alega que as contas foram prestadas após a data em vigor da Resolução TSE n. 23.432/14, motivo pelo qual deve ser observado o procedimento previsto na nova regulamentação. Sustenta que os dirigentes partidários devem ser intimados a prestar contas e a sanar as eventuais impropriedades e irregularidades apontadas pelo órgão técnico, porque este é um direito deles. Alega que o TSE não tem realizado a citação dos responsáveis pelas contas nos casos em que os processos já estão suficientemente instruídos e aptos a serem julgados, o que não ocorre na hipótese dos autos. Afirma que a intimação e a citação dos responsáveis não caracteriza uma sanção, mas se traduz em direito à ampla defesa e ao contraditório, direito que deve ser assegurado sob pena de futura alegação de nulidade. Assevera que a nova resolução apenas criou procedimento atinente à defesa dos dirigentes, não havendo alteração do julgamento do mérito pela adoção das suas novas disposições. Aponta que o art. 37 da Lei n. 9.096/95 já previa a responsabilização dos dirigentes do partido pelas contas partidárias. De igual modo, assinala que o art. 20, § 2º, da Resolução TSE n. 21.841/04 previa a intimação dos ex-dirigentes partidários para que complementassem informações ou sanassem irregularidades nas contas. Invoca os arts. 18, 20, 28, inciso III, e 33, todos da Resolução TSE n. 21.841/04. Colaciona diversos precedentes jurisprudenciais que amparariam sua tese. Requer o provimento do recurso para o fim de serem mantidos os responsáveis no feito, nos termos da Resolução TSE n. 23.432/14 (fls. 67-74).

É o relatório.

 

VOTO

O presente agravo regimental é regular, tempestivo e comporta conhecimento, sendo o instrumento adequado para atacar a decisão monocrática recorrida.

No presente caso, o partido não havia apresentado as contas relativas ao exercício de 2014, tendo sido notificado, junto com os seus responsáveis, para que o fizessem no prazo de 72 horas, em conformidade com o art. 30, I, da Resolução TSE n. 23.432/14 (fls. 08-10).

Tendo em vista que o partido se manteve omisso, mesmo após ter sido cientificado do fato, o Desembargador Presidente desta Corte determinou que fosse imediatamente suspensa a distribuição ou repasse de novas quotas do Fundo Partidário, sem prejuízo do prosseguimento do feito, com fundamento na Portaria TSE n. 148, de 26.3.2015 (fl. 15).

Percebe-se, portanto, que por força do § 1º do art. 67 da Resolução TSE n. 23.432/14, que determina a aplicação imediata das novas disposições processuais aos processos de prestação de contas, este Tribunal adotou os novos procedimentos desde o início do processamento das contas relativas ao exercício de 2014, no que diz respeito à autuação e à tramitação, motivo pelo qual a autuação do processo foi feita em nome do órgão partidário e de seus responsáveis, nos termos da previsão contida no caput do seu art. 31.

Entretanto, no curso da tramitação dos processos relativos aos exercícios anteriores ao de 2014, a formação do litisconsórcio entre partido e dirigentes pareceu colidir com outra disposição prevista na Resolução TSE n. 23.432/14, que diz respeito ao princípio basilar da segurança jurídica e da estabilidade das relações processuais, inserta no caput do referido art. 67: As disposições previstas nesta Resolução não atingirão o mérito dos processos de prestação de contas relativos aos exercícios anteriores ao de 2015.

Por esse motivo, determinei a exclusão dos responsáveis da autuação do feito (fls. 52-53), decisão contra a qual se insurge a Procuradoria Regional Eleitoral.

Ressalto que as contas prestadas são relativas ao exercício financeiro do ano de 2014 e, embora prestadas em 2015, foram instruídas com base nos documentos previstos na Resolução TSE n. 21.841/04, que vigorava durante o exercício de 2014 e até então regulava as finanças partidárias.

De se ressaltar o fato de que, já na vigência da nova regulamentação, Resolução TSE n. 23.432/14, o TSE publicou a Portaria n. 107, de 04 de março de 2015, que dispõe sobre a apresentação das prestações de contas partidárias anuais pelos diretórios nacionais dos partidos políticos, relativas ao exercício de 2014 e aos anteriores ainda não entregues à Justiça Eleitoral, determinando que as contas sejam prestadas com as peças e documentos previstos na Resolução TSE n. 21.841/04.

A evidência de que a formação do litisconsórcio necessário entre partido e dirigentes, nas prestações de contas relativas aos exercícios anteriores de 2015, poderia refletir interferência no mérito das contas, foi examinada por este colegiado no acórdão da Prestação de Contas n. 64-65, referente ao exercício de 2012, de minha relatoria, julgado na sessão de 23.6.2015, em que, por unanimidade, foi determinada a exclusão dos dirigentes partidários do feito, mantendo-se apenas a agremiação como parte.

Conforme referi nesse precedente, a questão parece não ter sido enfrentada no âmbito do TSE até o momento, não tendo este relator conhecimento de que houve algum pronunciamento sobre a aplicação imediata da nova regra, que prevê a inclusão dos dirigentes no feito e o exame de sua responsabilidade pelas irregularidades das contas.

Amadurecida a questão, em princípio, tem-se que a Resolução TSE n. 23.432/14 alterou a forma de responsabilização dos dirigentes partidários pelas irregularidades constatadas nas contas dos partidos, e que esta disposição diz respeito ao direito material e não ao direito processual.

Porém, a Resolução TSE n. 21.841/04 disciplinava essa matéria seguindo as regras da responsabilização supletiva ou subsidiária, com notificação dos dirigentes para recolhimento de valores apenas no caso de inadimplemento do partido, nos exatos termos do caput e § 1º do seu art. 34.

A Resolução TSE n. 23.432/14 estabeleceu a regra da responsabilidade solidária. Agora, os dirigentes são considerados partes no processo e, havendo determinação de recolhimento de valores ao Tesouro, são reputados devedores solidários com a agremiação, sujeitando-se à cobrança por meio do cumprimento de sentença nos próprios autos, nos termos dos arts. 475-I e seguintes do atual Código de Processo Civil.

O estudo das novas regras introduzidas pela Resolução TSE n. 23.432/14 evidencia uma inegável alteração da natureza da responsabilidade, que se reflete diretamente no exame do mérito das contas, extrapolando o conteúdo processual das disposições que devem ter aplicação imediata.

É cediço que a responsabilidade civil pelas contas partidárias é inerente à função assumida pelos dirigentes da agremiação, que devem estar cientes da sua responsabilidade pela gestão dos recursos do partido, bem como do dever de responder por irregularidades constatadas na prestação de contas apresentada.

Tanto é assim que, ainda que não façam parte da relação processual da presente prestação de contas, processo que possui natureza de jurisdição voluntária, os responsáveis pela administração dos recursos movimentados pelo partido durante o exercício sujeitam-se a responder, na esfera cível, à eventual ação de improbidade administrativa pela má aplicação dos recursos públicos provenientes do Fundo Partidário, assim como são passíveis de responder, no âmbito criminal, à eventual denúncia penal por ofensa à fé pública eleitoral.

O certo é que o TSE, órgão que no exercício do seu poder regulamentar publicou a Resolução n. 23.432/14, ainda não enfrentou a questão. Porém, em recentes julgados que examinaram contas partidárias de exercícios financeiros anteriores à Resolução n. 23.432/14, a Corte Superior Eleitoral tem aplicado as disposições de mérito presentes na Resolução TSE n. 21.841/04 em relação a vários aspectos.

Mas a inteligência de que a Resolução TSE n. 23.432/14 trouxe alteração significativa no plano jurídico, ao prever a formação de litisconsórcio necessário entre os responsáveis pelas contas e o partido político, coloca em dúvida a validade da aplicação da nova regra em processos relativos a exercícios anteriores a sua vigência, como ocorre no caso em tela.

Importa referir, dada a previsão de solidariedade, que deve ser considerado, na ausência de disposição legal específica, que a responsabilização a ser apurada no julgamento das contas deve seguir as regras da responsabilidade civil subjetiva, com verificação do nexo causal entre a conduta, omissiva ou comissiva, dos responsáveis pelas contas, e o débito ou o dano ao erário apurado.

Além disso, não há razão para formação de litisconsórcio unitário, devendo ser observada a regra do art. 48 do CPC (reproduzida no art. 117 do Novo CPC, Lei n. 13.105/15, com vigência a partir de março de 2016), no sentido de que os atos e as omissões de um litisconsorte não prejudicarão nem beneficiarão os outros.

Em tema de direito processual intertemporal, prevalece o princípio do tempus regit actum. Diante disso, concluo que a apuração da responsabilidade dos dirigentes partidários, com a imputação de obrigação solidária pelo pagamento de valores e sujeição à cobrança por meio de execução de sentença, são disposições de mérito que não devem ser aplicadas às prestações de contas de exercícios financeiros anteriores à publicação da nova resolução.

Ademais, eventual condenação pessoal dos gestores das finanças partidárias, em prestação de contas relativa a exercício anterior à nova resolução, poderia sugerir afronta ao postulado da segurança jurídica, enquanto expressão do Estado Democrático de Direito, princípio que se projeta sobre a estabilidade das relações jurídicas.

Todas essas questões demonstram que, longe de ser mera regra processual, a inclusão dos responsáveis como partes nas contas é matéria de mérito que não deve ser imediatamente aplicada aos processos de exercícios anteriores ao de 2015.

Esse entendimento de forma alguma poderia caracterizar malferimento dos princípios da ampla defesa e do contraditório, pois, se não serão alcançados pela decisão judicial que julgar a presente prestação de contas, não há porque os responsáveis exercerem o contraditório nos autos, restando a eles assegurado o postulado da segurança jurídica, o que não importa prejuízo nem reflete nulidade do feito.

Ademais, a questão da ausência de litisconsórcio entre dirigentes e partido político, em processos de prestação de contas partidária, está assentada neste Tribunal:

Agravo Regimental. Prestação de contas. Partido político. Exercício financeiro de 2014.

Interposição contra decisão monocrática que determinou a exclusão do feito dos responsáveis pela administração financeira da agremiação partidária. Alegada aplicabilidade imediata das disposições processuais da Resolução TSE n. 23.432/14, a qual institui mudanças de procedimentos, como a formação de litisconsórcio necessário entre partido e dirigentes.

Previsão inserida no caput do artigo 67 da aludida resolução, estabelecendo que as normas de natureza material somente se aplicam às prestações relativas aos exercícios financeiros a partir de 2015. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações processuais, uma vez que a Resolução TSE n. 23.432/14 altera o entendimento quanto à responsabilização dos dirigentes partidários, estabelecendo a regra da responsabilidade solidária, onde aqueles passam a responder de forma concomitante ao partido político pelas irregularidades contábeis, podendo figurar no mesmo título executivo como devedores solidários.

Tratando-se a determinação da inclusão dos responsáveis nos processos de prestação de contas partidárias como norma de natureza material, inaplicável ao caso concreto a nova orientação, subsistindo as disposições da Resolução TSE n. 21.841/04.

Provimento negado.

(Agravo Regimental n. 90-92, Rel. Dr. Hamilton Langaro Dipp. DEJERS de 27/8/2015, n. 156, p. 3).

Acrescento que, no dia 14.8.2015, o Supremo Tribunal Federal noticiou em seu site, na internet, que em 07 de agosto, o Partido Democrático Trabalhista – PDT ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5362, contra o dispositivo da Resolução n. 23.432/14 que prevê a responsabilização e punição dos dirigentes partidários. Na ADI, o partido alega que a inclusão de terceiro, no processo, fere os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, e que, ao estabelecer punição ou consequência, a norma invade competência legislativa e adentra em questão de alçada do Congresso Nacional. O relator da ADI n. 5362 é o Ministro Gilmar Mendes.

Forte nessas razões, VOTO pelo desprovimento do agravo regimental, mantendo hígida a decisão recorrida e considero prequestionados todos os dispositivos legais invocados pelo recorrente.

Considerando que as contas foram prestadas, cumpra-se o disposto no art. 31, da Resolução TSE n. 23.432/14 e, após, encaminhem-se os autos à Secretaria de Controle Interno e Auditoria deste Tribunal.