RE - 670 - Sessão: 15/02/2016 às 17:00

RELATÓRIO

O PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT do Município de Arroio do Meio recorreu de sentença prolatada pelo Juízo da 104ª Zona Eleitoral, o qual desaprovou suas contas referentes à movimentação financeira do exercício de 2014 (fls. 145-150), em razão do recebimento de contribuições e doações realizadas por dois subprefeitos e três coordenadores de departamentos subordinados à prefeitura, prática vedada pelo art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95. Como consequência da desaprovação, a decisão determinou a suspensão da distribuição ou repasse dos recursos do Fundo Partidário pelo período de um ano e, consoante o art. 14, § 1º, da Resolução n. 23.432/14, determinou a transferência, ao Tesouro Nacional, dos recursos originários de autoridades públicas, os quais totalizam R$ 3.673,64 (três mil seiscentos e setenta e três reais e sessenta e quatro centavos).

Em suas razões recursais, a agremiação aduz a legalidade das contribuições e doações recebidas e explica que os nomes apontados como contribuintes ilegais não exercem cargos de chefia, não sendo autoridades públicas, em razão de alegada subordinação a autoridades superiores, cujos nomes não constam no rol dos contribuintes ou doadores do partido juntado aos autos (fls. 115-122). Igualmente, pugna pelo reconhecimento da boa-fé e da regularidade da contabilidade ofertada, motivo pelo qual pleiteia a aprovação das suas contas. Alternativamente, requer a reforma parcial da sentença para que seja aplicada apenas a penalidade de suspensão do repasse de recursos do Fundo Partidário, excluindo-se a exigência de transferência de valores ao erário, ou, no caso da exclusão de apenas alguns dos contribuintes da vedação, o abatimento dos valores que lhes corresponderem do montante a ser transferido ao Tesouro Nacional (fls. 155-161).

Nesta instância, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo não provimento do recurso e pelo encaminhamento de cópias dos autos ao agente ministerial de Arroio do Meio, para análise de eventual improbidade administrativa, caso mantida a desaprovação das contas (fls. 166-170v.).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

Verifico que o recurso é tempestivo. O recorrente foi intimado da decisão, que desaprovou as contas do seu partido, em 04.9.2015, uma sexta-feira (fl. 152), e protocolou o recurso na quarta-feira seguinte, dia 09.9.2015. Presentes os demais requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

Responsáveis

Primeiramente, verifico que foram incluídos os responsáveis pela agremiação como parte no processo (fls. 145-150).

Sabido que a jurisprudência desta Corte é no sentido de que a inclusão dos mencionados responsáveis nas prestações de contas anteriores a 2015 malfere, em verdade, o próprio mérito dos feitos.

Trago à colação a ementa do acórdão paradigma dessa posição, de relatoria do Dr. Leonardo Tricot Saldanha, julgado em 06.8.2015:

Agravo Regimental. Prestação de contas. Partido político. Exercício financeiro de 2014.

Interposição contra decisão monocrática que determinou a exclusão dos dirigentes partidários do feito, mantendo-se apenas a agremiação como parte. Vigência da novel Resolução TSE n. 23.432/14, instituindo mudanças de procedimentos, como a formação de litisconsórcio necessário entre partido e dirigentes.

Previsão inserida no novo texto legal, limitando a sua aplicação em matéria que envolva o mérito das prestações de contas de exercícios anteriores a 2015, a fim de evitar eventual descompasso com o princípio basilar da segurança jurídica e da estabilidade das relações processuais. A responsabilização dos dirigentes partidários pelas irregularidades nas contas dos partidos diz respeito ao direito material, e não ao direito processual.

Cabe aos responsáveis pela administração dos recursos movimentados pelo partido responder, na esfera cível, por improbidade administrativa pela má aplicação dos recursos provenientes do Fundo Partidário. São passíveis, igualmente, de responder na seara criminal por ofensa à fé pública eleitoral.

Prevalência do princípio do tempus regit actum. Aplicação, in casu, das disposições da Resolução TSE n. 21.841/04, que não previa a apuração da responsabilidade solidária aos dirigentes partidários no julgamento das contas.

Provimento negado.

(Ag/Rg n. 79-63.2015.6.21.0000.)

A Resolução n. 23.464 do TSE, de 17 de dezembro de 2015, que trouxe modificações em face da Resolução TSE n. 23.432/14, igualmente reprisa a regra de que as disposições processuais não podem atingir o mérito das prestações anteriores.

Nessas circunstâncias, tenho que os responsáveis pelas contas devem ser chamados ao feito na condição de partes apenas nos processos do exercício financeiro de 2015 em diante.

Diante do exposto, de ofício, determino a exclusão de Eduardo Francisco da Silva, Euclides Scheid e Marlom Santarém, mantendo-se apenas o Partido dos Trabalhadores de Arroio do Meio no presente processo.

Ao mérito propriamente dito.

Fontes Vedadas (Autoridades)

Insurge-se o recorrente contra a sentença que desaprovou as suas contas referentes ao exercício financeiro de 2014, ao argumento de que as doações recebidas não seriam oriundas de fontes vedadas, pois as contribuições dos filiados titulares de cargos em comissão não se enquadrariam no conceito de autoridade.

Saliento que o TSE, até a edição da Resolução n. 22.585/07, havia firmado entendimento no sentido de ser possível a contribuição de filiados ocupantes de cargos exoneráveis ad nutum, o que pode ser constatado com a ementa do julgamento da Pet. n. 310 (Resolução TSE n. 20.844, de 14.8.2001), relator Min. Nelson Jobim:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 1996.

Contribuição de filiados ocupantes de cargos exoneráveis ad nutum.

Inexistência de violação ao art. 31, II, da Lei n. 9.096/95. Contas aprovadas.

(PETIÇÃO n. 310, Resolução n. 20844 de 14.8.2001, relator Min. NELSON AZEVEDO JOBIM, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 9.11.2001, Página 154 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 13, Tomo 1, Página 302.)

Entretanto, desde a entrada em vigor da mencionada Resolução TSE n. 22.585/07, não há como sustentar a tese do recorrente.

Por oportuno, reproduzo ementa da Consulta que deu origem à resolução:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA n. 1428, Resolução n. 22585 de 6.9.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator designado Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16.10.2007, Página 172.)

Os fundamentos exarados para a mudança de interpretação deram-se nos seguintes termos:

[...] Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

[…]

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

[…]

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

[…]

Para mim, autoridade em sentido amplo: todo aquele que possa, por exemplo, em mandado de segurança, comparecer nessa qualidade, para mim é autoridade […].

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção. (Grifei.)

Colaciono jurisprudência, no mesmo sentido, deste Tribunal:

Recurso. Prestação de contas. Exercício 2010. Desaprovação no juízo originário.

Expressiva parte da receita partidária oriunda de doações de pessoas físicas, ocupantes de cargos em comissão, na condição de autoridade. Prática vedada pelo disposto no artigo 31, incisos II e III, da Lei n. 9.096/95.

Provimento negado.

(TRE-RS, RE n. 1997. Relator Eduardo Kothe Werlang, 30.7.2012.)

O conceito de autoridade, segundo o atual entendimento, abrange os servidores ocupantes de cargos de direção e chefia (art. 37, V, da Constituição Federal), ficando apartados somente os que desempenham exclusivamente a função de assessor.

Como se verifica, transmudou-se de uma compreensão que privilegiava a proteção do partido político contra a influência do Poder Público, para uma interpretação que ressalta a relevância dos princípios democráticos da moralidade, dignidade do servidor e preservação contra abuso de autoridade e do poder econômico.

Inequívoco, portanto, que os ocupantes dos cargos de direção e chefia constantes nas folhas 115v., 117, 118v. e 120v. da planilha das fls. 115-122 encontram-se inseridos no conceito atual de “autoridade” preconizado pelo TSE, restando, assim, vedada a estes a doação de valores a partido político.

Assim, tratando-se de recebimento de recurso recebido de fonte vedada (art. 31, II, da Lei n. 9.096/95) a irregularidade é grave e comprometeu, de forma substancial, a confiabilidade e transparência das contas, ensejando a sua desaprovação com base no art. 24, inc. III, als. “a”, “b” e “c”, da Resolução TSE n. 21.841/04, entendimento já externado pela jurisprudência deste Tribunal, como demonstra a ementa do seguinte julgado:

Prestação de contas anual. Partido político. Resolução TSE n. 21.841/04. Exercício financeiro de 2012. Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Na espécie, indubitável a natureza de chefia dos cargos de chefe de gabinete, indicada no próprio nome do cargo e confirmada pela descrição das atribuições em lei. Reconhecida a fonte como vedada, a quantia recebida indevidamente deve ser recolhida ao Fundo Partidário. Determinada a suspensão do repasse de novas cotas do Fundo Partidário pelo prazo de 1 (um) mês, haja vista as alterações introduzidas pela Lei n. 13.165/2015, que deram nova redação ao art. 37 da Lei n. 9.096/95, não terem aplicação retroativa a fatos ocorridos antes da sua vigência. Desaprovação. (TRE-RS - PC n. 7327 RS, Relator: DESA. LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, Data de Julgamento: 01.12.2015, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 222, Data 3.12.2015, Página 7.)

No que tange, todavia, à determinação de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo período de um ano, tenho que pode ser reduzido de maneira a se respeitar a proporcionalidade, consoante reiterada jurisprudência desta Corte.

Nesse sentido, sopesando a natureza, a gravidade e o valor das falhas, a tempestividade da entrega das contas à Justiça Eleitoral e a conduta do partido durante a instrução do processo, considero proporcional e razoável determinar a suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de 1 mês, em conformidade com o art. 37, § 3º, da Lei n. 9.096/95.

Não procede, entretanto, o pedido de reforma da sentença para exonerar o partido da obrigação de recolher a importância irregularmente recebida (R$ 3.673,64).

Isso porque é consectário legal o ressarcimento aos cofres públicos de valores indevidamente percebidos.

No caso, sendo recurso que se caracteriza como de origem não identificada, o partido deverá recolher ao Fundo Partidário, nos termos do art. 6º da Resolução TSE n. 21.841/04.

Aliás, há de ser corrigida, de ofício, a sentença no ponto que determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional, para ficar registrado que dito recolhimento deverá ser feito ao Fundo Partidário, aplicando-se as disposições da Resolução TSE n. 21.841/04.

Assinalo que apenas nas prestações de contas do exercício de 2015 em diante é que haverá a determinação para recolhimento ao Tesouro Nacional (art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.432/14).

Por fim, registro que a Procuradoria Eleitoral solicitou o encaminhamento de cópia dos autos ao Ministério Público Estadual, para análise de eventual ação de improbidade.

Defiro, em parte, o pedido, determinando que os autos fiquem à disposição da Procuradoria Eleitoral para que providencie as cópias requeridas.

Diante do exposto, VOTO nos seguintes termos:

a) de ofício, corrigir a sentença para determinar o recolhimento de R$ 3.673,34 ao Fundo Partidário (art. 6º, da Resolução TSE n. 21.841/04) e excluir da lide Eduardo Francisco da Silva, Eduardo Scheid e Marlom Santarém;

b) dar provimento parcial ao recurso para reduzir o período de suspensão das quotas do Fundo Partidário para 1 mês;

c) determinar que os autos fiquem à disposição da Procuradoria Eleitoral para a extração das cópias postuladas.

É o voto.