AP - 45070 - Sessão: 04/11/2015 às 17:00

VOTO DE DESEMPATE:

Cuida-se de ação penal em que ADEMIR JOSÉ ANDRIOLI GONZATO, ADÃO ALMEIDA DE BARROS, OILSON DE MATOS ALBRING e LUIZ CARLOS GARCIA DE OLIVEIRA são acusados da prática do delito de corrupção eleitoral, tipificado no artigo 299 do Código Eleitoral, em razão da entrega de R$ 1.050,00 à eleitora Fabiele Schuquel de Oliveira em troca do seu voto e de seus pais.

O Pleno do Tribunal, à unanimidade, afastou a matéria preliminar, mas, no mérito, restou empatado o julgamento, firmando-se duas conclusões distintas: (a) improcedência da denúncia, para absolver os acusados com base no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, convicção a que chegou a ilustre relatora, Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja, sendo acompanhada pelo Dr. Leonardo Tricot Saldanha e pela Dra. Maria de Lourdes Gonzalez; (b) parcial procedência da denúncia, para absolver Luiz Carlos Garcia de Oliveira e Ademir José Andrioli Gonzato, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, e condenar Adão Almeida de Barros à pena de 1 ano e 3 meses de reclusão e multa, e Oilson de Matos Albring à 1 ano e 9 meses de reclusão e multa, ambas substituídas, nos termos do voto-vista proferido pelo Desembargador Federal Luís Alberto Aurvalle, no que foi acompanhado pela Desembargadora Liselena Ribeiro e o Dr. Hamilton Dipp.

Por força do artigo 16, II, do Regimento Interno da Casa, compete ao Presidente da Corte proferir voto de desempate, motivo pelo qual pedi vista dos autos, para bem apreciar os pontos que levaram à divisão do órgão colegiado.

Assim, fixada a divergência em torno da condenação de ADÃO ALMEIDA DE BARROS e OILSON DE MATOS ALBRING, passo à análise do ponto específico.

A denúncia atribuiu aos acusados a prática do seguinte fato, assim descrito na peça inicial:

1º FATO)

Entre o final do mês de julho e a primeira quinzena do mês de agosto do corrente ano, aproximadamente, nesta 52ª Zona Eleitoral, inicialmente em domicílio de Luiz Carlos Garcia de Oliveira, na localidade de Nova Florida, interior de Dezesseis de Novembro, via telefone e, depois, presencialmente, em endereço de um dos acusados, em Dezesseis de Novembro/RS, os denunciados ADEMIR GONZATO, ADÃO DE ALMEIDA DE BARROS e OILSON DE MATOS ALBRING, agindo em comunhão de vontades e conjunção de esforços, ofereceram e, depois, deram a quantia de R$ 1.050,00 (hum mil e cinqüenta reais) à eleitora FABIELE SCHUQUEL DE OLIVEIRA, para obter o voto desta e de seus pais nas eleições de 07 de outubro de 2012, em que os dois primeiros são candidatos, respectivamente a Prefeito e Vice-Prefeito de Dezesseis de Novembro e o terceiro, por sua vez, integra a equipe de coordenação de campanha eleitoral da mesma Coligação Partidária.

Inicialmente, o acusado ADÃO ALMEIDA DE BARROS procurou o pai da eleitora a ser corrompida, em domicílio, para saber se a jovem necessitava de dinheiro para confecção da CNH, ao que obteve resposta positiva, no sentido de que Fabiele Schuquel de Oliveira não teria os recursos disponíveis para o encaminhamento da documentação e o custeio das horas-aula teóricas e práticas exigidas em Lei. Assim, ato contínuo, o mesmo denunciado disse ao pai da eleitora que esta poderia ir buscar o dinheiro correspondente ao valor da CNH diretamente em casa do co-denunciado OILSON DE MATOS ALBRING, visto que este é o responsável financeiro pela campanha eleitoral da Coligação Dezesseis de Novembro Para Todos.

Passados alguns poucos dias, a eleitora foi até o endereço do co-denunciado OILSON DE MATOS ALBRING, para receber, então, a quantia prometida, quando, então, receando que algo em seu prejuízo ou risco pudesse ocorrer, optou por ativar o modo de gravação de áudio de seu aparelho de telefone celular e, então, captou a conversa mantida com o mesmo, confirmando-se a proposta de entrega do numerário à eleitora, desde que esta e seus pais votassem com os ora acusados.

O conluio no agir dos denunciados é evidente, na medida em que o primeiro, ADEMIR, é cabeça de chapa da Coligação à Eleição Majoritária, beneficiário direto da corrupção eleitoral, estando no domínio intelectual e financeiro das ações, ao passo que o co-denunciado ADÃO, seu Vice-Prefeito, foi a campo, sondar as necessidades dos eleitores, para acenar-lhes com alternativa rápida e fácil de solução, e o terceiro co-denunciado, OILSON, é integrante do comitê de campanha da Coligação Dezesseis de Novembro Para Todos, ao qual cumpria efetivar o pagamento e colher o compromisso moral da eleitora, de depositar, em 07 de outubro vindouro, seu voto, bem como o de seus familiares, em favor do primeiro acusado, restando, assim, comum o dolo, entre todos eles, na prática do ilícito.

Os votos proferidos não duvidam da oferta de R$ 1.050,00 à eleitora Fabiele de Oliveira, mas controvertem a respeito da efetiva finalidade dessa benesse.

Ao fundamentar seu voto de improcedência da denúncia, a Dra. Gisele Anne de Azambuja concluiu que o conjunto probatório torna plausível a tese defensiva, de que tal valor seria destinado a remunerar o serviço de Fabiele de Oliveira como cabo eleitoral de Ademir Gonzato e Adão de Barros. Para além do conteúdo dos diálogos gravados, entendeu relevante as circunstâncias nas quais ocorreram as conversas, assim enumeradas pela douta relatora:

- FABIELE declarou (fl. 109) que meu pai disse: minha filha também queria uma carteira e o Adão falou: pode mandar ela fazer que nós 'paguemo', nós 'demo' o dinheiro pra ela 'faze'... daí chegou em casa e me contou e eu peguei e liguei pro Adão 'vê' se era verdade. Ou seja, em um momento, pelo menos, a eleitora confirmou que seu pai solicitou a benesse e ela tomou a iniciativa de procurar os candidatos para viabilizar seu fornecimento. Em outro momento, afirma que a benesse teria sido oferecida a seu pai e ela tomou a iniciativa de procurar o candidato para obtê-la (mesma versão que consta da oitiva de LUIZ CARLOS);

- FABIELE apresenta versões contraditórias, mas em uma delas (fl. 184v.) afirma que assinou contrato de trabalho como cabo eleitoral – justificativa para o pagamento dos valores – antes de pegar o dinheiro;

- na ocasião, FABIELE era companheira de Alberi (moravam juntos), que auxiliava na campanha dos réus (fl. 114);

- FABIELE é neta de Agnelo Schuquel, então vice-prefeito do município, filiado a partido adversário ao dos réus, e com o qual residem seu pai, sua mãe e seu irmão (fl. 115);

- há notícia de que, após a eleição, FABIELE teria ganhado uma motocicleta do avô. Segundo ela, não se trataria, no entanto, de um presente e estaria sendo paga com seu dinheiro, embora registrada no nome do avô (fl. 185v.).

A relatora considerou, ainda, que Fabiele teria sido orientada por Oilson a desligar o seu celular, mas preocupou-se em realizar a gravação da conversa, porque temia pela sua segurança, embora estivessem conversando em um lugar público, como é possível perceber pelas conversas paralelas ouvidas ao fundo.

Diante dessas circunstâncias, entendeu ser plausível que os acusados quisessem apenas contratá-la para que trabalhasse em sua campanha, tendo em vista o benefício a ser obtido com a imagem da neta do vice-prefeito participando da campanha do partido adversário, concluindo haver dúvidas a respeito da efetiva intenção dos acusados, que tanto poderia ser a compra do voto de Fabiele quanto a retribuição por seu trabalho na campanha.

O voto-vista proferido pelo Desembargador Federal Luís Alberto Aurvalle entendeu não haver dúvida a respeito da finalidade eleitoral da oferta, extraída do conteúdo da primeira conversa havida entre Oilson e Fabiele, gravada pela eleitora.

Observou também haver inconsistências na tese defensiva, a qual asseverou que o valor foi um “adiantamento” realizado a Fabiele, embora o contrato date de 07.8.2012 e o cheque tenha sido emitido em 28.9.2012, sem contar a data anterior constante no recibo: 10.8.2012. No tocante aos valores envolvidos, registrou que foram pagos R$ 1.050,00, embora o contrato previsse o pagamento mensal de R$ 622,00, destacando também o fato de que Fabiele reside em outro município. Diante desse quadro, entendeu estranho que os denunciados tivessem contratado pessoa de um município para trabalhar em outro, adiantado quase 2 meses de salário e tal 'adiantamento' teria sido dado 1 mês e 21 dias depois do contrato.

Entendeu que a segunda conversa entre Oilson e Fabiele evidencia a intenção de assinatura do contrato de serviço apenas para dissimular a verdadeira finalidade do pagamento, mencionando ainda que o pai da eleitora, o informante Daion e a testemunha Alex afirmaram que Fabiele não trabalhou na campanha dos acusados.

Reforçou seu entendimento mencionando a condenação dos acusados, neste Tribunal, pela prática do artigo 41-A da Lei n. 9.504/97 (RE n. 449-85.2012.6.21.0052), decisão reformada no TSE porque aquela egrégia Corte afastou a licitude da gravação ambiental, matéria pendente de Recurso Extraordinário, no STF.

Fixada a divergência e enumerados os fundamentos de cada uma das posições firmadas pelo Pleno desta Corte, passo a expor os motivos de minha convicção.

Extrai-se dos autos que Luiz Carlos de Oliveira, pai de Fabiele, soube que Adão poderia conseguir uma Carteira Nacional de Habilitação, dizendo-lhe que sua filha precisava do documento. Esse fato resta demonstrado tanto pelo seu testemunho, quanto pelo de sua filha (fl. 276):

Juíza: o senhor pediu que pagasse uma CNH para sua filha, pro senhor votar neles?

Representado: não, eu não pedi e nem...Quem ofereceu foi o Adão, ele que falou que eles davam, nós vinha de umas carreiras lá de Roque Gonzales, dai ele falou. Dai que eu disse que Fabiele queria uma carteira, disse que eles davam.

Juíza: então é verdade ou não o que tá dito aqui na denúncia?

Representado: verdade.

Juíza: que o senhor solicitou?

Representado: Sim, mas quem falou foi ele né, primeiro. Ele que falou na carteira.

A versão é confirmada por Fabiele em seu testemunho (fl. 184):

No caso foi o Adão que procurou meu pai, só que daí eu liguei pra Adão pra ver...daí eu liguei pra ver se era verdade, daí eu falei com o Adão e daí ele mandou eu falar com Oilson que era o Oilson que cuidava da parte do dinheiro, daí liguei pro Oilson e perguntei, daí ele falou que sim, que podia lá pegar o dinheiro com ele.

O testemunho prestado por Fabiele na Representação 449-85 (a qual trata dos mesmos fatos sob o viés da ofensa ao art. 41-A da Lei n. 9.504/97) é coerente com a versão apresentada nos presentes autos (fl. 109):

Começou o Adão...ele sempre era amigo do meu pai...Daí ele chegou de uma carreira, lá no rincão dos Araújo...e daí o Adir Jaques tava junto...daí chegou um homem que eu não sei quem é, um homem com um carro branco...Daí esse tal Adair Jaques falou: “esse também queria uma carteira” e meu pai disse: “minha filha também queria uma carteira” e Adão falou: “pode mandar ela fazer que nós 'paguemo', nós 'demo' o dinheiro pra ela faze”...daí chegou em casa e me contou e eu peguei e liguei pro Adão 'vê' se era verdade...daí nisso começou...O Adão me ligou e disse “tem que falar com meus outros companheiro, não é só de mim que sai...tem que sair pra todos companheiro”...daí durou uns quantos dias ficou sem nada...daí um dia ele me ligou e disse “pode falar com o Oilson, pode pegar o dinheiro com o Oilson”, daí eu falei com o Oilson um dia que eu fui lá na casa do seu Egon...daí ele me falou “tô descendo aí na casa do seu Egon pra falar contigo”...daí eu esperei lá e nós 'conversemo'...foi aí que eu gravei a conversa...

A douta relatora, Dra. Gisele Anne, chega a pontuar uma contradição entre as versões apresentadas por Fabiele em diferentes momentos: inicialmente a eleitora afirmou que seu pai teria solicitado a carteira, mas, em outra oportunidade, disse que o benefício foi oferecido a seu pai. Apesar da inconsistência, quem precisamente ofereceu a carteira não é relevante para o esclarecimento dos fatos. Ademais, Fabiele não presenciou a conversa havida entre seu pai e Adão, sendo possível que tenha confundido como exatamente ocorreram os fatos. Leve-se em consideração, ainda, as datas nas quais foram colhidos os testemunhos: o primeiro em 31.10.2012 (fl. 109) e o segundo em 13.3.2014 (fl. 262), sendo perfeitamente possível o esquecimento de alguns detalhes por ela, sem que isso denote uma possível fraude ou predisposição a induzir em erro o Judiciário.

Ao saber da possibilidade de conseguir a CNH, Fabiele entrou em contato com Adão e, após alguns contatos, a eleitora encontrou-se com Oilson, gravando a conversa. Nesta oportunidade Oilson, após acertar o pagamento do documento de habilitação, afirma expressamente que Fabiele, seu pai e sua mãe teriam que votar em Ademir e Adão:

OILSON: esse é um negócio da confiança de nós aqui, eu confiar em ti, tu vai ter que confiar em mim também, né! Tá!

OILSON: a proposta é o seguinte, eu falei com o ADÃO, tu vai, tu esquece a carteira, tu parcela a carteira em 5 (cinco) cinco vezes, você paga a entrada, paga o mês que vem, eu ganho a “eleição” e deixa o dinheiro com ela que ela recebe (…) eu dá um voto de confiança (…) ganhando a eleição tu vai ter que votar em nós, tu, tua mãe e tudo, né?

FABIELE: sim!

OILSON: entendeu? Tudo!

(…)

OILSON: não, não, eu não quero (…) só o que vai acontecer é da cabeça de vocês, vocês é quem sabe né, tu vai ter que ter a obrigação de votar pra nós e tu vai também, e somam mais um voto (…) tá nas tuas mãos, eu vou confiar em ti, que vão votar os três pra nós.

(…)

OILSON: tu vai te que arrumar voto pra nós né, assim a garantia que eu vou ter é que tu vai arrumar voto da tua mãe, né!

FABIELE: não, da mãe certo só que tem que ser meio

(…)

OILSON: mais um que tu poder arrumar pra (…) tá bem, cada voto que tu arrumar pra nós vai ser uma garantia mais pra ti. (Grifei.)

Na conversa gravada pela eleitora, é bastante contundente a preocupação de Oilson no sentido de que Fabiele teria que votar em nós, tu, tua mãe e tudo, né?, voltando a ressaltar a sua obrigação de votar pra nós, deixando clara a confiança exigida pelo acerto.

O contexto da conversa, aliás, evidencia a intenção de Oilson em deixar Fabiele comprometida com a vitória de Ademir e Adão, orientando a eleitora a parcelar o pagamento do processo para obtenção da CNH, cuja quitação somente ocorreria com a vitória dos referidos candidatos. Com isso, assegurou que a eleitora comprometeria seu voto e buscaria garantir também o de seu pai e de sua mãe. Percebe-se pelo conteúdo da conversa, entretanto, que a busca de outros eleitores se daria para garantir que a compra do voto fosse perfectibilizada com a eleição dos representados. Do contrário, não seria necessário que Oilson condicionasse o pagamento da CNH à eleição, nem que reforçasse por tantas vezes a obrigação de Fabiele votar em Ademir e Adão.

Evidencia-se ainda essa intenção pela seguinte passagem da conversa:

FABIELE: tá, mas de assim no caso nã...em 5 vez tu dá entrada e no caso

OILSON: e no mês que vem tem que dá outro né, dai dia 8 (oito) se deu tudo certinho eu deixa com ela aqui.

(…)

OILSON: tu vai ter que arrumar voto pra nós né, assim a garantia que eu vou ter é que tu vai arrumar voto da tua mãe, né!

(…)

OILSON: mais um que tu puder arrumar pra (…) tá bem, cada voto que tu arrumar pra nós vai ser uma garantia mais pra ti.

Em determinado momento da conversa, Oilson, de fato, chega a referir que Fabiele seria um cabo eleitoral para Adão, conquistando votos e simpatizantes, mas tal afirmação é seguida da advertência para que a eleitora não contasse isso para ninguém: se tu achar uma amiga tua que tem possibilidades tu vai lá e conquista mais, tu é um cabo eleitoral pra nós, tu sabe né, não conta nada disso aí, porque tu sabe que é pra ti né.

O diálogo permite contextualizar tal afirmação, o pagamento da carteira em troca do voto somente seria perfectibilizado com a eleição de Adão e, para garantir a integralidade do pagamento, Fabiele teria que se empenhar em conquistar o maior número possível de votos para o candidato, pois cada um a mais vai ser uma garantia mais pra ti. Esta negociação não se confunde com a mera contratação de serviços para a campanha, tanto que a eleitora foi advertida para não contar nada disso aí.

Seria possível considerar que os agentes teriam acertado um mero negócio de risco, condicionando a remuneração integral de Fabiele a eventual vitória dos representados. Entretanto, fosse essa a verdadeira intenção das partes, Oilson não precisaria cobrar-lhe a obrigação de votar nos representados, nem reforçar que o acerto exigia confiança.

A prova produzida deixa claro, portanto, que Oilson ofereceu o pagamento da CNH para Fabiele em troca de seu voto.

Após terem essa conversa, Oilson volta a se encontrar com Fabiele, acertando detalhes da negociação e pedindo que ela assine um contrato de prestação de serviços para a campanha, mas desta vez quem realiza a gravação da conversa é o próprio acusado. Transcrevo o seguinte trecho da degravação:

OILSON: o seguinte, negócio da da... fala aquele negócio contigo né, vamo fazê uma proposta assim pra ti. Tu qué a carteira então né, qué fazê a carteira pra ti, nos vamo faze, óh tu trabalha para nós na campanha, fizemos um contrato pra ti, te pagamo aí tu paga a carteira pra ti, e aí tu faz campanha.

OILSON: faz campanha pra nós, pessoal que tu conhece o pessoal, de vez em quando no comitê, pegar material, e distribui por lá, assim que tu sabe, tá junto com o Alberi, né, já que ele trabalha pra nós, né.

FABIELE: (inaudível)

OILSON: fazemos um contrato, tu vai trabalha pra nós na campanha né, tu faz o que quisé, tu qué fazê a carteira faz, qué fica com dinheiro pra ti, vamo te paga certinho, na campanha tu trabalha pra nós.

FABIELE: tá, no caso tu paga quanto, a carteira no caso?

OILSON: não, vamo dá pra ti o dinheiro, tu faz o que quisé, vamo te paga o salário no caso.

FABIELE: o salário é quanto?

OILSON: seiscentos e vinte e dois.

FABIELE: mas o Lebrão não ia me dá.

OILSON: tá, mas eu te faço pra ti, eu te pago aqui, eu pago pra ele, tu faz campanha pra ele, vota para ele, pra nós.

MAURO: faz parte, né. Faz parte do salário desse que nós falemo, é eu que vou te dá.

OILSON: tu trabalha pra ele também.

MAURO: a majoritária é isso aí que ele tá te oferecendo, daí vai fecha o valor.

OILSON: tu trabalha pra nós e pra ele no caso, mas tu vai trabalhá....

FABIELE: mas esse tu dá hoje.

OILSON: pode dá um adiantamento, não sei, né. Mas tu vai te um contrato de trabalho com nós, né, vai trabalhá certinho na campanha pra nós, vai ser uma contratada.

FABIELE: mas não dá nenhum mê mais, daí eu pego, no caso só seiscentos e vinte e dois, só?

OILSON: não, vai da mais.

MAURO: vai da um cheio.

OILSON: vai daí mais que um mês.

MAURO: vai da mil e cinquenta. Vai dá o que falemos.

FABIELE: tá, não me dão hoje esse dinheiro, daí?

OILSON: não mas...

MAURO: eu até... ia este fim de semana fala com o Branco, não pude fala com o Branco...

FABIELE: daí vou fazê o que?

OILSON: tu arruma voto pra nós lá. Tu vai, tá, trabalhando pra nós, tu vai se uma contratada nossa no caso, né. Te trouxe o contrato de trabalho aqui, tu assina, fizemos o contrato, e pronto, vamo recolher o INSS também para ti, bem certinho, né, não tem... tu faz o que quisé, se tu quisé faze tua carteira tu faz, tu vai se, nós vamo te paga pra ti trabalha pra nós, não tem... não muda nada.

FABIELE: deixa eu vê isso aqui (pega o contrato) tá, isso aqui no caso é igual carteira assinada, contrato de trabalho,...

OILSON: é, é... nós só vamos recolher INSS pra ti.

MAURO: tu assina um contrato numa empresa é três meses, só que esse é um contrato de um mês e pouco...

OILSON: tamo fazendo pra todo mundo que trabalha na campanha, tamo fazendo certinho, assim, né, pra não te problema nenhum, né?

FABIELE: e dá pra faze isso?

OILSON: dá, isso é legal, pra todo mundo...

FABIELE: (inaudível)

OILSON: mais nada, não tem problema nenhum, não tem nada errado, tudo certinho, tudo dentro da lei, tudo...

FABIELE: tá e voceis vão me dá o dinheiro agora já ou não.

OILSON: assim, seria no final de cada mês, mas te adiantamo então, tu faz o recibo pra nós, te pagamo este valor, não tem problema nenhum... te adianto este valor.

FABIELE: eu não venho mais aqui, eu acho.

OILSON: não, assina o recibo que vamo te adianta esse valor, seria cada final de mês, no caso... se tu que faze tua carteira, tu pega, nós te adiantamos o pagamento pra ti, tu vai faze o contrato com nós, tu vai trabalha certo.

FABIELE: tá e eu posso tira um xerox disso aí?

OILSON: pode.

MAURO: tem que faze reconhecimento de firma?

OILSON: não, não precisa.

FABIELE: mas é certo que cada final de mês vocês me dá?

OILSON: claro, isso é contrato certo, vai te, todo mundo, tamo fazendo também, tamo fazendo pros piá, com o Alberi também, tudo certinho.

FABIELE: não, se eu leva o dinheiro hoje, esse com... como é que... o falou que me dá, daí tudo bem.

MAURO: não é que vamo te dá.

OILSON: nós vamo te contrata.

FABIELE: pois é... que vão me adiantá, no caso.

MAURO: vamo te adiantá este valor que nóis falemo. Só que tu vai assinar o recibo e tudo e esse papel aí, o contrato, nada a vê.

OILSON: tem identidade aí?

FABIELE: mas eu vo lá busca.

OILSON: preenchemos depois tu da identidade, tu assina pra nós aqui... vai lá e pega então, esperamos aqui então.

FABIELE: pede mais alguma coisa?

OILSON: identidade e … CPF.

É evidente a diferença da abordagem quando Oilson sabe que a conversa está sendo gravada. O acusado refere um negócio anterior entre os dois, realizando uma nova proposta: vamo faze uma proposta assim pra ti. Após ser informada de que assinaria um contrato, a eleitora pergunta quando a carteira será paga e Oilson preocupa-se em esclarecer que o destino do valor seria definido exclusivamente por ela. É certa a intenção de alterar os termos do acordo anterior. A própria eleitora se mostra confusa, sem entender a mudança de valor e questionando sobre a redução do montante acertado, demonstrando sua insatisfação com a remuneração de R$ 622,00 e reclamando que o valor inicial era maior. Oilson e Mauro, então, tranquilizam Fabiele dizendo que, não obstante a previsão de R$ 622,00 no contrato, ela receberia, desde então, a quantia de R$ 1.050,00.

A prova colhida deixa clara a mera intenção de fazer Fabiele assinar um contrato de prestação de serviço simulado, para esconder a verdadeira finalidade do pagamento.

Note-se que em nenhum momento Oilson fala sobre as responsabilidades de Fabiele, nem esclarece as obrigações que seriam exigidas da eleitora, bastante diferente da postura anteriormente adotada na conversa anterior, na qual se preocupou, por diversas vezes, em ressaltar a obrigação de Fabiele votar em nós.

O teor de ambas as conversas gravadas leva à conclusão de que o acusado ofereceu o pagamento de uma carteira de habilitação para Fabiele em troca de seu voto, condicionando o pagamento integral da CNH à eleição de Adão. Em um segundo momento, quando já acertado o valor, Oilson convence Fabiele a assinar um contrato de prestação de serviço, mas a assinatura do contrato, evidentemente, busca atribuir uma aparência de legalidade ao acordo.

Alie-se ao teor das conversas, a comprovação de que Fabiele não trabalhou na campanha de Adão, conforme apontou a prova produzida nos autos, pontuada no voto proferido pelo Desembargador Federal Luis Alberto Aurvalle:

Contudo, a própria Fabiele negou ter trabalhado na campanha dos denunciados (fl. 184 v.). O informante Daion à fl. 183v. também confirma que Fabiele não laborou para a campanha, inclusive referindo que ela morava em São Luiz (São Luiz Gonzaga), nos seguintes termos: Não trabalhou na campanha, ela não morava lá inclusive, mora aqui em São Luiz. O Ministério Público perguntou: O contrato era só pra fazer uma simulação? Ao que Daion respondeu: Exatamente.

A testemunha Alex Ferraz, que morava em Dezesseis de Novembro, em seu depoimento afirmou categoricamente que não viu Fabiele trabalhando na campanha, testemunho prestado sob compromisso legal.

Por derradeiro, o pai de Fabiele, Luiz Carlos Garcia de Oliveira, em seu interrogatório (fl. 277), ao ser perguntado se sua filha teria trabalhado na campanha de Ademir e Adão respondeu: NÃO.

Então, Fabiele, seu pai, o informante Daion e a testemunha Alex confirmam que a primeira não trabalhou na campanha dos denunciados.

Alberi, com quem Fabiele morava, afirma que a eleitora chegou a trabalhar para a campanha de Adão, passando a trabalhar para seu avô um tempo depois (fl. 132), mas além de ter sido ouvido como informante, sua versão restou isolada nos autos.

Registre-se, ademais, que não exsurge dos autos uma possível intenção de Fabiele prejudicar os acusados. Embora seja neta de Agnelo Schuquel, adversário político dos réus (fl. 115), a eleitora morava com Alberi, o qual trabalhava na campanha dos denunciados (fl. 115), e é filha de Luis Carlos, pessoa que, no mínimo, é próxima a Adão, tanto que soube da possibilidade da CNH para sua filha quando vinha com Adão de uma carreira no Roque. Sem maiores elementos a respeito de Fabiele, portanto, não se pode presumir que ela teria a intenção de prejudicar os representados apenas por ser neta de um adversário político, pois outras pessoas próximas a ela tinham vínculo com estes, e com quem certamente teria problemas se tentasse prejudicá-los deliberadamente.

Dessa forma, o conjunto probatório demonstra que Adão e Oilson ofereceram o valor de uma Carteira Nacional de Habilitação a Fabiele em troca de seu voto, afastando a tese defensiva, segundo a qual o valor foi pago à eleitora pelos serviços prestados à campanha de Adão.

Voto, assim, por acompanhar o Desembargador Federal Luis Alberto Aurvalle, para reconhecer a prática do delito de corrupção eleitoral pelos acusados Adão Almeida de Barros e Oilson de Matos Albring.

No tocante à fixação da penalidade atribuída aos acusados, entretanto, deixo de acompanhá-lo quanto à valoração negativa das consequências do delito na primeira fase da dosimetria, que justificou o aumento da pena-base dos representados em 03 meses de reclusão porque venceram a eleição.

Na hipótese, apura-se a compra do voto da eleitora Fabiele, sem que existam quaisquer indícios da repetição desse ilícito em relação a outros eleitores. Como o pleito de 2012 foi vencido por Ademir Gonzato e Adão Barros por uma diferença de 179 votos, não se pode afirmar que a vitória dos candidatos foi consequência da corrupção eleitoral objeto da presente ação, pois este fato isolado não exerceu influência alguma sobre o resultado da eleição, a qual chegaria ao mesmo termo se fosse hipoteticamente eliminada a corrupção de Fabiele. Dessa forma, não se pode considerar a vitória dos representados como uma consequência negativa da corrupção eleitoral, pois o resultado nas urnas não decorre, nem mesmo indiretamente, do fato ilícito apurado nos apresentes autos.

 

DIANTE DO EXPOSTO, acompanho parcialmente o voto proferido pelo Desembargador Luis Alberto Aurvalle, para condenar Adão de Barros à pena de 01 ano de reclusão e Oilson Albring à pena de 1 ano e 6 meses de reclusão, mantidas as demais penalidades.

 

Des. Fed. Luís Alberto D´Azevedo Aurvalle:

Gostaria de retificar meu voto para acompanhar a dosimetria de Vossa Excelência.

 

(Os demais julgadores retificaram o voto para acompanhar a dosimetria da pena estipulada no voto-vista de desempate.)