RC - 7928 - Sessão: 27/04/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso criminal interposto por JOSÉ NERY CORRÊA PEREIRA e por SANDRO GODOY PEREIRA contra decisão do Juízo Eleitoral da 57ª Zona – Uruguaiana –, que julgou procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público Eleitoral em face dos ora recorrentes e de José Nery Corrêa Pereira Júnior, posteriormente beneficiado com a suspensão condicional do processo, por cometimento do delito tipificado no art. 11 da Lei n. 6.091/74 (fls. 410-422), em razão da prática dos seguintes fatos:

1º Fato

No dia 05 de outubro de 2008, no dia da eleição, na Rua Salustiano Marty, no Comitê do PTB da Barra do Quaraí, em Barra do Quaraí/RS, o denunciado JOSÉ NERY CORRÊA PEREIRA, vereador do PSDB, na qualidade de candidato a reeleição, forneceu transporte gratuito aos eleitores.

Na ocasião, o denunciado providenciou o retorno de um casal de idosos para sua residência, no Uruguai. O fato foi narrado pelo próprio casal, sr. Aristóteles Dias Ribeiro e sra. Maria de Fátima Vargas, que já havia votado, para Promotora de Justiça Eleitoral Carolina Barth Loureiro, que estava no comitê, no momento em que eles esperavam o transporte.
O casal relatou para Promotora que estava no local aguardando o transporte para sua casa, e que foi “Gringo” (JOSÉ NERY CORRÊA PEREIRA) que lhes prometeu forneceu o transporte.

O candidato, que também estava no comitê, foi preso em flagrante pela Promotora.

2º Fato

No dia 05 de outubro de 2008, no dia da eleição, em Barra do Quaraí/RS, o denunciado SANDRO GODOY PEREIRA, na qualidade de filho do vereador JOSÉ NERY CORRÊA PEREIRA, candidato à reeleição, forneceu transporte gratuito aos eleitores.

O denunciado contratou a empresa Transportes e Turismo Cazer Ltda. para realizar uma viagem de Bento Gonçalves a Barra do Quaraí, em um micro-ônibus, placas IKM 7627, com saída no dia 03.10.2008 e retorno no dia 05.10.2008, no valor de R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais) (fls. 47 e 50 do IP).

No dia da eleição, a Brigada Militar, a pedido da Promotora Carolina, abordou o motorista do ônibus contratado pelo denunciado, em frente ao Hotel Barra Hotel. Na ocasião os policiais militares tiraram cópia do contrato de prestação de serviço, apreenderam o ônibus e o levaram para Delegacia.
Durante a viagem, segundo relatado pelas testemunhas Elisandro Carvalho Rodrigues (fl. 223 do IP) e Dieison Marciano Ferreira Palhares (fls. 208/209 do IP), foram distribuídos “santinhos” do candidato JOSÉ NERY CORRÊA PEREIRA, pai do contratante, aos tripulantes, que estavam indo votar em Barra do Quaraí e não pagaram pelo transporte.

A denúncia foi recebida no dia 21 de novembro de 2011 (fl. 5).

Os réus foram citados (fls. 7v. e 8v.).

Após a instrução e a apresentação de memoriais (fls. 394-397 e 405-407), foi prolatada sentença de procedência da denúncia, restando os recorrentes condenados à pena de quatro anos de reclusão, substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de cinco salários-mínimos e limitação de fim de semana, além de multa à razão de 200 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário-mínimo vigente ao tempo dos fatos (fls. 410-422).

Em razões recursais conjuntas, os réus sustentam a inexistência de provas do cometimento do delito. SANDRO GODOY PEREIRA aduz que ao tomar conhecimento da existência de uma excursão da região serrana à Uruguaiana, para onde necessitava retornar, apenas pagou pelo transporte, e que não realizou nenhuma propaganda eleitoral em benefício do seu pai, JOSÉ NERY CORRÊA PEREIRA, vereador pelo PSDB conhecido como “Gringo”, pois é partidário do PT, partido que integra a oposição. JOSÉ NERY CORRÊA PEREIRA, por sua vez, alega que não realizou transporte de eleitores porque foi conduzido para a delegacia antes do transporte do referido casal de idosos para a sua residência no Uruguai, e afirma ter comparecido ao comitê eleitoral de campanha do PTB de Barra do Quaraí apenas para confeccionar e entregar crachás dos fiscais de votação do partido, ocasião em que foi preso em flagrante pela promotora eleitoral. Postulam o provimento do recurso para o fim de ser julgada improcedente a ação penal ou, alternativamente, a modificação de uma das penas restritivas de direitos aplicadas pelo juízo a quo, relativa à limitação de fim de semana, por prestação de serviços à comunidade, ao argumento de que é mais razoável, adequada e proporcional ao apenamento pretendido (fls. 424-431).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 444-448), os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 454-457v.).

É o relatório.

 

VOTOS

Dr. Leonardo Tricot Saldanha (Relator):

O recurso é tempestivo. Os réus e seus procuradores foram intimados em 01.7.2015 (fl. 437), e o apelo interposto em 10.7.2015, dentro, portanto, do prazo de 10 dias previsto no art. 362 do CE.

A denúncia foi apresentada contra o candidato à eleição como vereador José Nery Corrêa Pereira, e seus dois filhos, Sandro Godoy Pereira e José Nery Corrêa Pereira Júnior, este último beneficiado com a suspensão condicional do processo.

O magistrado a quo condenou Sandro e José Nery, ora recorrentes, pela prática de transporte ilegal de eleitores no dia das eleições, da cidade de Bento Gonçalves para o Município de Barra do Quaraí, delito previsto no art. 11, inc. III, c/c arts. 5º e 10, da Lei n. 6.091/74:

Art. 11. Constitui crime eleitoral:

[...]

III - descumprir a proibição dos artigos 5º, 8º e 10.

 

Pena - reclusão de quatro a seis anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa (art. 302 do Código Eleitoral).

 

Art. 5º Nenhum veículo ou embarcação poderá fazer transporte de eleitores desde o dia anterior até o posterior à eleição, salvo:

I - a serviço da Justiça Eleitoral;

II - coletivos de linhas regulares e não fretados;

III - de uso individual do proprietário, para o exercício do próprio voto e dos membros da sua família;

IV - o serviço normal, sem finalidade eleitoral, de veículos de aluguel não atingidos pela requisição de que trata o art. 2º.

 

Art. 10. É vedado aos candidatos ou órgãos partidários, ou a qualquer pessoa, o fornecimento de transporte ou refeições aos eleitores da zona urbana.

Passo ao exame do caderno probatório.

Conforme consta do Auto de Prisão em Flagrante (fls. 3-5 do apenso), no decorrer das eleições municipais de 2008, no município de Barra do Quaraí, foram apreendidos três veículos em flagrante por transporte ilegal de eleitores, um ônibus e dois micro-ônibus (fls. 25-26, 33-34, 41-42 do apenso), todos oriundos da região serrana.

A ordem de prisão foi realizada pela promotora eleitoral de Uruguaiana, Carolina Barth Loureiro, que, durante a fiscalização do pleito, verificou que havia intensa movimentação de pessoas no Comitê Central do PTB. Ao adentrar no local, a promotora, acompanhada de policiais militares, flagrou o recorrente José Nery, candidato à reeleição como vereador, atendendo eleitores ao lado de uma mesa com grande quantidade de propaganda de sua campanha eleitoral. No comitê havia um casal, Maria de Fátima Vargas e Aristóteles Dias Ribeiro, que afirmou ter combinado com o vereador José Nery o transporte de retorno para sua residência no Uruguai. Relataram que José Nery solicitou que eles aguardassem pelo transporte no local, razão pela qual foi dada ordem de prisão em flagrante por transporte de eleitores contra José Nery.

Exemplares da propaganda eleitoral de José Nery, conhecido como Gringo, localizada dentro do comitê eleitoral, foram acostados à fl. 5 do apenso.

No auto de apreensão relativo ao flagrante consta a apreensão do micro-ônibus, cópias do contrato de prestação de serviço de dois motoristas, cópia de contrato de prestação de serviço de transporte em que consta como contratada a empresa Transportes e Turismo Cazer Ltda. e como contratante Sandro Godoi Pereira, com data de 3.10.2008, não assinado pelo contratante, cópia do CRLV do micro-ônibus, nota fiscal n. 678 da empresa Cazer Ltda., emitida em nome de Sandro Godoi Pereira, lista de passageiros (fls. 41-52 do apenso).

Todos os documentos relativos ao contrato de transporte referem a realização de uma viagem de Bento Gonçalves a Barra do Quaraí, com saída no dia 3.10.2008, às 19h, e retorno no dia 5.10.2008, data da eleição, às 17h, e apontam o nome de Sandro “Godoi” (a grafia correta é com “y”: Godoy) Pereira e seus dados pessoais (RG e residência) como contratante.

O inquérito policial foi relatado com conclusão pelo indiciamento (fls. 183-188 do apenso).

Em juízo, José Nery disse que apenas compareceu ao comitê eleitoral para confeccionar os crachás dos fiscais de votação, que no local havia propaganda de diversos candidatos, e que não realizou transporte de eleitores (fls. 18-22).

Sandro, por sua vez, afirmou que estava em Caxias do Sul desde aproximadamente 15 dias antes do pleito, e que apenas voltou para Uruguaiana dentro do micro-ônibus apreendido, junto com famílias e crianças, tendo efetuado pagamento de R$ 50,00 pela viagem. Negou a realização de transporte de eleitores e asseverou que tem preferência partidária pelo PT, partido oposto ao de seu pai. Quanto à contratação dos serviços, apontou que seu nome estava grafado errado nos documentos apreendidos, e havia erro também quanto ao seu endereço e estado civil, e ressaltou que os documentos não estavam assinados (fls. 23-27).

Considerando que a cada réu foi imputada a prática de fatos distintos, passo à análise individualizada das respectivas razões para melhor deslinde da controvérsia.

Em relação a Sandro Godoy Pereira, a denúncia aponta que, no dia 3.10.2008, o réu teria contratado a empresa Transporte e Turismo Cazer Ltda. para realizar uma viagem de Bento Gonçalves a Barra do Quaraí, cujo veículo, no dia das eleições, foi abordado por policiais militares e apreendido com a documentação da viagem. O transporte teria sido realizado para beneficiar o pai de Sandro, que também restou denunciado, José Nery Corrêa Pereira, então candidato à reeleição como vereador no Município de Barra do Quaraí pelo PSDB, partido que formava coligação com o PTB.

No recurso, Sandro nega a autoria delitiva e sustenta que se encontrava em Caxias do Sul, ocasião em que tomou conhecimento de que haveria uma excursão para Uruguaiana e pagou R$ 50,00 para a viagem até a cidade. Afirma que não realizou propaganda para o seu pai, candidato a vereador pelo PSDB, pois é partidário da agremiação oposta, PT, e que não há provas no sentido de que foi o contratante do transporte, pois não assinou os documentos constantes do inquérito policial.

Em relação à responsabilidade pela contratação da empresa transportadora, importa considerar que durante a investigação do presente delito a autoridade policial realizou prisão em flagrante do transporte de eleitores e efetuou cópia de documentos relativos ao contrato de prestação de serviço de transporte e respectiva nota fiscal, documentos cujos originais estavam com o motorista e estavam preenchidos com o nome de Sandro como contratante.

Conforme refere o Inquérito Policial n. 157/2008, apenso ao presente processo, o irmão de Sandro, José Nery Corrêa Pereira Júnior, na condição de advogado dos motoristas, compareceu à delegacia e subtraiu essa prova documental – cópia do contrato de prestação de serviços de transporte –, tendo sido preso em flagrante por apropriação indébita e inutilização de provas (fls. 2-4 do apenso).

No contrato de prestação de serviços, firmado com a empresa Transporte e Turismo Cazer Ltda., e na respectiva nota fiscal, documentos que foram solicitados à empresa após a subtração das cópias e foram juntados às fls. 47 e 50 do apenso, realmente constam o nome de Sandro como contratante de um micro-ônibus, com saída de Bento Gonçalves no dia 3 de outubro, às 19h, e retorno no dia 5 de outubro, data do pleito, às 17h, ao custo total de R$ 2.300,00 pelo serviço. A lista dos passageiros contém o nome de 26 pessoas (fl. 51 do apenso), das quais pelo menos dez possuíam domicílio eleitoral em Barra do Quaraí, conforme informado pelo Cartório Eleitoral: Eulógio, Sandro (fl. 140 do apenso), Alexandra, Andreia, Dariu, Deiron, Elisandro, Fabio, Jackson, Leandro e Marcio (fl. 150 do apenso).

Analisando-se o contrato de prestação de serviços verifica-se que, de fato, o documento não está assinado pelo recorrente, apesar de seu nome constar como contratante.

Todavia, além da nota fiscal discriminando como “usuário” Sandro “Godoi” Pereira (fl. 50 do apenso), existem outros elementos de prova que demonstram a autoria delitiva de Sandro.

Nesse sentido, corrobora a tese acusatória a afirmação da empresa contratada para fazer a viagem até Barra do Quaraí, Transporte e Turismo Cazer Ltda., realizada no pedido de restituição do micro-ônibus apreendido, de que foi contratada por Sandro “Godoi” Pereira para uma viagem de turismo a Barra do Quaraí, distante mais de 800 km da cidade de Bento Gonçalves, que a viagem não foi iniciativa da empresa e que “ao que ficou esclarecido naquele dia, o contratante do ônibus teria interesse em realizar a viagem por ser filho de um candidato a vereador, circunstância que a empresa desconhecia” (fls. 125-126 do apenso).

O motorista Leandro Bazzanella, condutor do micro-ônibus apreendido, quando inquirido pelo juízo, declarou, de forma firme e segura que: “esses rapazes contrataram o ônibus”; “chegaram na empresa, esse José Nery aí e o Sandro, tá, contrataram o ônibus e disseram que eles iam visitar os parentes”. Afirmou que na viagem de ida José Nery e Sandro estavam no ônibus, e que não presenciou a distribuição de propaganda eleitoral durante o trajeto. Perguntado se percebeu que o objetivo dos passageiros era a votação, respondeu que “a princípio era isso aí, falaram que iriam visitar parentes e pra votação” (mídia à fl. 109v.).

A testemunha Fábio Lucas Pereira Palhares, passageiro do micro-ônibus arrolado pela própria defesa, também confirmou a finalidade eleitoral do transporte e disse: “era uma excursão realmente de eleição”. Sobre a existência de contraprestação pecuniária, Fábio afirmou que não pagou pelo transporte e que não sabia quem era o responsável pela viagem, mas que quando estavam próximo de Uruguaiana avistou Sandro “dentro do ônibus conversando com algumas pessoas meio de canto, chamando para conversar, comigo ele não falou”. Indagado sobre a finalidade da viagem, respondeu “todo mundo sabia que era eleitoral”. Além disso, afirmou que lhe foi entregue um recibo de pagamento no valor de R$ 100,00 referente ao transporte, mas que não efetuou pagamento algum pela carona, e que viu Sandro distribuir santinhos durante o trajeto (fls. 251-252).

O policial militar José Boaventura Fan Fagundes, responsável pelo policiamento do Município de Barra do Quaraí no dia do pleito, ouvido como testemunha, afirmou que recebeu, por telefone, uma solicitação da promotora eleitoral para que verificasse a situação de um ônibus que estaria realizando transporte de eleitores, que fez a abordagem do veículo e apreendeu os documentos que estavam em poder do motorista, o qual foi conduzido até o posto da Polícia Militar. Disse que o motorista forneceu os documentos relativos à viagem em que constavam o nome do contratante, os quais foram fotocopiados e entregues à promotora eleitoral, que os repassou para a Polícia Federal. Informou que tomou conhecimento de que o irmão do réu, na condição de advogado, solicitou os documentos para verificação e “sumiu” com as folhas que continham o nome de Sandro (fls. 80-81).

O escrivão da Polícia Federal, Adriano Pereira Viela, inquirido como testemunha, contou que trabalhou no dia das eleições em Barra do Quaraí, tendo entregue os documentos apreendidos para o irmão do réu, José Nery, que se apresentou como advogado e subtraiu as folhas em que constavam o nome do requerente como contratante, o que lhe rendeu uma prisão em flagrante. Na ocasião, o advogado perguntou ao depoente se a prisão seria revogada caso a documentação aparecesse (fls. 117-118).

Ainda que a conduta do advogado não esteja em julgamento nestes autos, até porque aceitou o benefício da suspensão condicional do processo (fl. 13v.), o fato, apreciado em conjunto com os demais elementos constantes nos autos, reforça a convicção a respeito da autoria delitiva.

A testemunha de defesa Guilherme Fontoura Cardoso, prestou depoimento em juízo afirmando que, em 2008, viajou de excursão de Caxias do Sul para Barra do Quaraí, e que pagou pela viagem (fl. 83v.). No entanto, seu testemunho não esclarece se Guilherme era passageiro do ônibus contratado por Sandro e seu nome não consta da lista de passageiros da fl. 52 do apenso.

A prova material é robusta e os testemunhos colhidos sobre o crivo do contraditório são por demais convincentes, demonstrando que a versão defensiva de Sandro está isolada dentro dos autos, não guardando verossimilhança com o caderno probatório.

Não se mostra crível que a empresa de transporte tenha, aleatoriamente e por sua conta, inserido o nome do réu – à sua revelia – como contratante de um serviço de transporte de eleitores justamente para o município onde o seu pai era candidato a vereador, sendo que Sandro era um dos passageiros do micro-ônibus que foi apreendido em situação de flagrante no dia do pleito.

O réu não contraditou a versão da empresa transportadora nem as alegações do motorista, no sentido de que seriam falsas as alegações de que teria contratado e realizado pelo pagamento da viagem, inserido informações falsas na nota fiscal e no contrato que foram apreendidos.

Ademais, como bem salientado pela juíza de primeiro grau, o policial federal Adriano Viela relatou que foram apreendidos “santinhos” do candidato no interior do ônibus, informação corroborada pela promotora eleitoral Carolina Barth Loureiro, que referiu serem tais propagandas do candidato a vereador José Nery.

Acertada, pois, a conclusão a que chegou o juízo de primeiro grau no sentido de que está provada a autoria e a materialidade delitiva em relação a Sandro.

A finalidade eleitoral também está suficientemente demonstrada, ou seja, a realização de transporte para que eleitores pudessem votar em benefício de candidato.

A versão de que Sandro não é correligionário do partido de seu pai é alegação que não foi corroborada por qualquer outra prova dos autos, sequer testemunhal e apresenta-se insuficiente para o juízo absolutório, pois não há necessidade de que o eleitor vote no candidato supostamente beneficiado, bastando a realização do transporte, crime formal, com o dolo específico de obter a vantagem eleitoral, situação efetivamente demonstrada. Com esse entendimento o seguinte precedente:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2002. DENÚNCIA NÃO-RECEBIMENTO PELO TRE/MA. PREENCHIMENTO DE TODOS OS REQUISITOS ELENCADOS NOS ARTIGOS 41 DO CPP E 357, § 2º, DO CÓDIGO ELEITORAL. PROVIMENTO. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO TRE/MA.

1. Da exegese dos arts. 5º, 8º, 10 e 11, III, todos da Lei nº 6.091/74, afere-se que a denúncia atendeu a todos os pressupostos exigidos pelo art. 41 do Código de Processo Penal, reproduzido no art. 357, § 2º, do Código Eleitoral, pois a conduta imputada ao ora recorrido está prevista no art. 11, III, da Lei nº 6.091/74.

2. As circunstâncias adstritas à conduta tipificada foram minuciosamente relatadas no voto vencedor do acórdão recorrido, sendo descabida a alegação de que "[...] a descrição da conduta do denunciado se mostra insuficiente para a configuração do tipo penal" (fl. 169).

3. A hipótese dos autos se coaduna com a jurisprudência do STF e do STJ, haja vista o dolo específico ter sido devidamente demonstrado, pois o escopo da denúncia é averiguar se o recorrido incorreu na conduta tipificada no art. 11, III, da Lei nº 6.091/74 ao, supostamente, patrocinar transporte de eleitores de São Luís/MA para São Domingos do Azeitão/MA, com o intuito de angariar votos para o pleito de 2002. Precedentes: (STF, Inq nº 1.622/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 28.5.2004 e STJ, Apn nº 125/DF, Rel. p/ acórdão Min. César Asfor Rocha, DJ de 14.4.2003).

4. Recurso especial provido para determinar o envio dos autos ao TRE/MA a fim de que este receba a denúncia ofertada pelo Ministério Público Eleitoral.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 28122, Acórdão de 10.5.2007, Relator Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 30.5.2007, Página 186.)

No caso concreto, por tudo o que dos autos consta, com prova sólida e consistente, restou demonstrado o dolo específico no aliciamento de eleitores para angariar votos, razão pela qual não merece acolhida o pedido de absolvição.

Cabe ressalva, entretanto, no que diz respeito ao réu José Nery Corrêa Pereira, pai de Sandro, candidato que teria sido supostamente beneficiado com a realização do transporte.

Conforme tenho reiteradamente referido nos feitos criminais de minha relatoria, na adoção da visão mais garantista do Direito Penal de proteção dos direitos fundamentais, a condenação, na esfera penal, não se sustenta em mero benefício ou proveito eleitoral. A autoria precisa estar suficientemente demonstrada, tanto que a omissão somente é punível nos casos expressamente previstos na lei.

Não há, nos autos, a imputação de que o réu José Nery Corrêa Pereira tenha contribuído com a prática delitiva realizada por Sandro, descrita no segundo fato narrado na denúncia: transporte ilegal de eleitores mediante contratação do micro-ônibus apreendido pela polícia.

É dizer: a denúncia não acusa José Nery, em momento algum, de autoria ou participação, ainda que na forma indireta ou mediata, pela concepção do conceito extensivo de autor, nos fatos atribuídos a Sandro. Embora as evidências de que José Nery teria realizado a contratação do micro-ônibus junto com seu filho, Sandro, o fato é que José está condenado apenas pelo transporte de um casal de idosos ao Uruguai.

É cediço que a sentença não pode se afastar dos limites insertos na inicial, em atenção ao princípio da congruência ou da correlação, ao contraditório e à ampla defesa, razão pela qual se firma a compreensão de que, apesar de ter sido beneficiado com o delito praticado por Sandro, não cabe se falar em condenação criminal calcada em proveito eleitoral.

Não tendo sido promovido o aditamento da denúncia, com a emendatio ou a mutatio libelli, uma vez que a denúncia não imputou prática delitiva de José Nery no crime pelo qual Sandro foi condenado, está o juiz adstrito ao requisitório da acusação, não podendo a sentença afastar-se dos fatos constantes na peça acusatória, pois o réu se defende do crime descrito na denúncia.

Além disso, eventual condenação de José Nery pelo fato atribuído a Sandro representaria inegável reformatio in pejus.

Estabelecidas estas questões, prossigo no exame do mérito em relação a José Nery Corrêa Pereira.

A denúncia afirma que o recorrente forneceu transporte gratuito aos eleitores Aristóteles Dias Ribeiro e Maria de Fátima Vargas, no dia da eleição, para o retorno do casal do Município de Barra do Quaraí ao país onde residem, Uruguai.

O transporte seria realizado após os eleitores votarem, conforme eles mesmo relataram à promotora eleitoral, quando foram abordados no comitê enquanto aguardavam pelo transporte.

Assim, o réu, então candidato à reeleição como vereador, foi preso em flagrante porque um casal de idosos, ao ser questionado pela promotora eleitoral sobre o que faziam na sede do comitê do PTB, respondeu que aguardavam o transporte de retorno ao Uruguai, o qual seria providenciado pelo recorrente.

No recurso, José Nery alega que não realizou ou providenciou o transporte desses eleitores, pois foi preso em flagrante e conduzido à delegacia junto com Aristóteles e Maria.

Em relação à prova do delito, perante a autoridade policial o eleitor Aristóteles Ribeiro afirmou que “veio a pé até esta cidade, acompanhado de sua companheira” e que após votar, por volta das 10h, dirigiu-se até o comitê do candidato a vereador e foi atendido por uma pessoa de nome Gringo que “prometeu que iria transportá-lo de volta para sua residência” (fl. 11 do apenso).

Maria de Fátima Vargas, companheira de Aristóteles, que sequer é eleitora, pois tem nacionalidade uruguaia, conforme consta da qualificação feita na delegacia, disse que acompanhou seu marido para ele votar em Barra do Quaraí, que chegaram na cidade caminhando e que, após ele votar, localizaram o comitê e solicitaram carona de volta ao Uruguai.

Em juízo, Aristóteles também foi ouvido. Declarou que reside no Uruguai e que foi para Barra do Quaraí com a esposa no dia da eleição, de táxi, e que pagou pela corrida. Afirmou que, ao chegar na cidade, dirigiu-se ao comitê de campanha para buscar o número dos candidatos em que votaria, e que após votar retornou ao comitê e solicitou carona, desconhecendo o fato de que o transporte era proibido (fl. 316).

Maria de Fátima Vargas também testemunhou em juízo. Seu depoimento é confuso e consta nos autos em parte na língua espanhola e em parte em português. Do que se depreende, a testemunha, que não fala português e que inclusive afirmou “no entiendo brasilero”, foi ouvida na ausência de tradutor. Por isso, ao ser indagada pelo juízo, não conseguiu compreender e nem responder as perguntas (fls. 318-319).

Embora a divergência quanto à forma como Aristóteles e Maria foram do Uruguai até Barra do Quaraí, se a pé ou de táxi, os depoimentos foram convergentes tanto na fase investigatória quanto judicial no sentido de que foram até Barra do Quaraí por meios próprios e que o transporte seria fornecido para o retorno ao Uruguai, após Aristóteles ter votado.

Em relação a esse fato, por não ser eleitora, a primeira questão a ser referida é a atipicidade delitiva em relação a Maria de Fátima, pois a norma proíbe o transporte de eleitores, demonstrando que a pessoa transportada deve ostentar a condição de eleitora e possuir capacidade eleitoral ativa para votar, sendo caso de atipicidade também o transporte de eleitor que está com os direitos políticos suspensos ou com o título eleitoral cancelado, conforme iterativa jurisprudência.

O exame dos autos evidencia que José Nery foi condenado por providenciar o retorno de duas pessoas à sua residência no Uruguai, sendo que apenas uma dessas, Aristóteles, é eleitor, e que ele já havia comparecido às urnas quando foi ao comitê de campanha solicitar o transporte.

Quanto a Aristóteles, merece relevo o que foi apurado durante a instrução, no sentido de que não foi transportado na viagem de ida a Barra do Quaraí, e que não houve acerto prévio para a carona até o Uruguai com o recorrente José Nery.

A prova demonstra que o transporte foi solicitado pelo próprio eleitor após a votação, e que a viagem não foi realizada em função do flagrante policial, por ação preventiva da promotora eleitoral.

Para a configuração do crime de transporte irregular de eleitores é necessário que esteja presente o fim exigido pelo tipo penal, que é o de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto. Ausente o dolo específico, a conduta é atípica, situação que ocorre no presente caso.

A hipótese não apresenta a ofensa ao bem jurídico tutelado, capaz de atrair o duro apenamento previsto no tipo, de reclusão de quatro a seis anos.

E o transporte sequer foi consumado.

Ainda que a jurisprudência admita a prática do crime de transporte de eleitores na forma tentada, o dolo específico, que é, no caso, a intenção de obter vantagem eleitoral – pois o que pretende a lei impedir é o transporte de eleitores com fins de aliciamento – no presente caso, não restou caracterizado.

Assim, embora elogiável a atuação do Ministério Público Eleitoral no exercício de seu mister institucional de coibir o descumprimento da legislação eleitoral, estou convicto de que, no caso, não houve a configuração do ilícito eleitoral denunciado.

Nesse tocante, colaciono entendimento jurisprudencial:

[...] Transporte de eleitores. Dolo específico. Não-comprovação. Lei nº 6.091/74, arts. 5º e 11. Código Eleitoral, art. 302. Para a configuração do crime previsto no art. 11, III, da Lei nº 6.091/74, há a necessidade de o transporte ser praticado com o fim explícito de aliciar eleitores. [...]
(TSE - Ac. n. 21.641, de 19.5.2005, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.)

 

RECURSO ESPECIAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. IMPUTAÇÃO DO CRIME DE TRANSPORTE ILEGAL DE ELEITORES. ARTIGO 11, III, C.C. O ART. 5o DA LEI N° 6.091/74. CIRCUNSTÂNCIA NECESSÁRIA NÃO DESCRITA. DOLO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO NA PEÇA ACUSATÓRIA. ORDEM CONCEDIDA.

- O delito tipificado no art. 11, III, da Lei n° 6.091/74, de mera conduta, exige, para sua configuração, o dolo específico, que é, no caso, a intenção de obter vantagem eleitoral, pois o que pretende a lei impedir é o transporte de eleitores com fins de aliciamento.

- Circunstância necessária não descrita, ausente na peça acusatória indicação da possibilidade de existência do elemento subjetivo.

- Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, ARESPE n. 28517, Relator Ministro Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira, DJ - Diário da Justiça, Data 5.9.2008, Página 17.)

Logo, o recorrente José Nery Corrêa Pereira merece ser absolvido por atipicidade da conduta devido à ausência de dolo específico no transporte de eleitor após a votação sem prova de acerto prévio, nos termos do art. 386, inc. III do CPP.

Por fim, examino o pedido de Sandro Godoy Pereira, que requereu a substituição da pena restritiva de limitação de fim de semana por prestação de serviços à comunidade, ao argumento de que seria mais adequada e atenderia aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

A pena de Sandro foi fixada no mínimo legal, ou seja, quatro anos de reclusão, substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de cinco salários-mínimos e limitação de fim de semana pelo período correspondente à pena corporal, além de multa.

A douta Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela manutenção da penalidade aplicada pelo juízo a quo ao entendimento de que os réus “não trazem motivo idôneo para tanto, apenas alegam, em abstrato, que a referida pena seria mais adequada”.

Embora a escolha não caiba ao réu, tendo em conta que a pena foi fixada no mínimo legal e que não há fundamentação do motivo pelo qual a limitação de final de semana foi considerada a restrição socialmente recomendada para o réu, entendo que o crime em questão pode observar os parâmetros que este Tribunal vem adotando para os casos análogos, em que as penas substitutivas são fixadas em prestação de serviço à comunidade ou entidade de assistência social e prestação pecuniária.

Com a devida vênia, sendo possível o cumprimento da pena de forma menos gravosa ao condenado, merece acolhida a insurgência recursal, pois a limitação de fim de semana, com natureza restritiva da liberdade, mostra-se mais gravosa ao condenado. Nesse sentido, cito o seguinte precedente:

PENAL. DESCAMINHO. ART. 334, § 1º 'C' DO CP. AUTORIA. CORRUPÇÃO ATIVA. CARACTERIZAÇÃO. PENA-BASE. REDIMENSIONAMENTO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. AGRAVANTES E ATENUANTES. CONFISSÃO. CARÁTER OBJETIVO. PENA ALTERNATIVA. LIMITAÇÃO DE FIM DE SEMANA. SUBSTITUIÇÃO POR PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. 1. O conjunto probatório evidencia de forma incontestável a materialidade e autoria relativamente ao delito previsto no art. 334, § 1º, c, do CP, porquanto os acusados agiram de forma concatenada para o transporte e comercialização de cigarros estrangeiros introduzidos irregularmente em território nacional. 2. A figura típica inscrita no art. 333 do Estatuto Repressivo (corrupção ativa) também restou delineada nos autos, em face da oferta de vantagem indevida a funcionário público para que se omitisse na prática de atos de ofício. 3. Na análise das vetoriais, em especial a culpabilidade e circunstâncias do crime, não podem ser valorados eventuais subterfúgios processuais utilizados para evitar a condenação penal, porquanto não se referem ao delito praticado. 4. Não restando plenamente demonstrado que um dos acusados organizava a prática delituosa e/ou dirigia a atividade dos demais agentes, revela-se incabível a incidência da agravante inscrita do art. 62, I do CP. 5. Confessada a conduta ilícita, mostra-se de rigor a aplicação da atenuante inscrita no artigo 65, III, 'd', do Estatuto Repressivo. 6. Penas redimensionadas. 7. Limitação de fim de semana substituída por prestação pecuniária, por ser medida mais adequada ao caso concreto e menos gravosa ao condenado.

(TRF-4 - ACR 12051 PR 2002.70.01.012051-7, Relator ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO, Data de Julgamento: 5.12.2007, OITAVA TURMA, Data de Publicação: D.E. 9.01.2008.)

Portanto, cabe readequação da pena de limitação de fim de semana, a qual substituo por prestação de serviços à comunidade, em local a ser fixado pelo juízo da execução, pelo mesmo prazo da pena imposta, observando o art. 46 do CPP.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para absolver o réu JOSÉ NERY CORRÊA PEREIRA, com fundamento no art. 386, inc. III, do Código de Processo Penal, e substituir a pena restritiva de direitos de limitação de fim de semana, fixada ao réu SANDRO GODOY PEREIRA, por prestação de serviços à comunidade, em local a ser estabelecido pelo juízo da execução, mantidas as demais condenações, nos termos da fundamentação.