RE - 46429 - Sessão: 08/10/2015 às 17:00

Trata-se de recurso interposto por MOACIR VOLPATO e ANTONIO VALDECIR LUZ FÁVARO, candidatos não eleitos aos cargos de prefeito e vice do Município de Lagoa Vermelha nas eleições de 2012, contra a sentença do Juiz Eleitoral da 28ª Zona, que julgou parcialmente procedente a ação de investigação judicial eleitoral ajuizada pela COLIGAÇÃO UNIÃO POPULAR TRABALHISTA, para o fim de reconhecer a prática do abuso de poder econômico e de captação ilícita de sufrágio mediante doações de vales de combustível, vales de gás e de dinheiro, condenando-os às sanções de declaração da inelegibilidade e pagamento de multa no valor de 20.000 (vinte mil) UFIR, nos termos do art. 22, inciso XIV, da Lei Complementar n. 64/90, e do art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Nas razões recursais, os recorrentes suscitaram matéria preliminar relativa à juntada de prova emprestada, produzida em processo criminal. No mérito, alegaram a ausência de provas suficientes a ensejar juízo condenatório, razão pela qual requereram a reforma da sentença com o julgamento de improcedência dos pedidos.

Em contrarrazões, a recorrida COLIGAÇÃO UNIÃO POPULAR TRABALHISTA arguiu a preliminar de inovação recursal alegando que, na peça defensiva, os candidatos negaram a entrega de vales, mas que, no recurso, reconheceram a existência dos vales.

Na sessão de 17.9.2015, o Relator, Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, afastou as preliminares suscitadas e concluiu pela ausência de acervo probatório suficiente para amparar a condenação, razão pela qual deu provimento ao recurso e julgou improcedentes os pedidos condenatórios.

Pedi vista para melhor analisar os autos, diante da dúvida quanto à existência de abuso de poder econômico.

Adianto que acompanho o voto do relator no pertinente ao afastamento da matéria preliminar e à falta de provas suficientes da prática de captação ilícita de sufrágio mediante entrega de vales de gás e de dinheiro.

Trago em mesa divergência quanto à prática de abuso de poder econômico por meio da doação de vales de combustível, descrita no 13° fato.

Um dos atos considerados abusivos pelo magistrado a quo consiste na compra de 5.000 litros de combustível, em dois postos de gasolina de Lagoa Vermelha, distribuídos à população mediante vales de 5 e 10 litros.

A tese defensiva, renovada nas razões recursais, é de que a) o combustível foi adquirido com emissão de nota fiscal; b) os vales eram destinados ao abastecimento dos veículos que estavam trabalhando com adesivos para a campanha da coligação dos recorrentes; e c) que não havia como controlar quem utilizava os vales.

A caracterização do abuso de poder econômico é questão de fato.

A norma contida no caput do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 busca impedir que o poder econômico seja utilizado por candidato em detrimento da liberdade do voto, preservando os princípios da moralidade e da igualdade a que têm direito os postulantes a cargo eletivo na corrida eleitoral.

Diferentemente do que ocorre na captação ilícita de sufrágio, no abuso de poder econômico não há a figura do corrompido, pois a captação do voto se faz de maneira indireta, sutil, imperceptível até mesmo para o próprio eleitor, que é o sujeito passivo. Na verdade, busca-se a adesão, a conquista da simpatia do eleitor por meio de um benefício economicamente mensurável. Muitas vezes o titular do uso do poder econômico não age como um corruptor do eleitorado, e os meios que emprega são moralmente admissíveis. A ilicitude está no desequilíbrio, na ofensa ao princípio da igualdade de oportunidades, relativamente aos partidos e candidatos que se conduziram, no decorrer da propaganda eleitoral, dentro dos parâmetros legais (TRE-SC, RREP n. 759, Relator Otávio Roberto Pamplona, DJESC de 15.9.2001).

Em relação à prova, as cópias dos vales estão nas fls. 110, 111, 155, 174, 230 e 306, sendo que esta última também estampa os vales de 5 litros. Os documentos contêm o título “Postos Santo Antônio” e logomarca, a validade até 10.10.2012, três dias após a eleição, numeração, carimbo e assinatura. Os vales de 5 litros estão assinados por um dos proprietários do posto, Eder Dalmolin.

À época, havia dois postos de gasolina “Santo Antônio” no Município de Lagoa Vermelha, um na av. Presidente Vargas, e outro na rodovia BR 285, próximo ao trevo de acesso à av. Afonso Pena.

A sentença considerou que os testemunhos dos proprietários dos postos de gasolina, Eder Dalmolin e Fabio Dalmolin, foram fundamentais para a formação da convicção de ocorrência de abuso, pois afastam expressamente a tese defensiva de que os vales eram utilizados por vereadores correligionários e pessoas ligadas à coligação dos recorrentes ou à sua campanha.

EDER DALMOLIN afirmou que administrava o posto situado na BR 285, enquanto que seu irmão e sócio, FABIO DALMOLIN, administrava o posto localizado na av. Presidente Vargas. EDER disse que cerca de 40 dias antes das eleições 2012, VALDEMIRO VOLPATO, irmão do recorrente MOACIR VOLPATO e tesoureiro do seu comitê financeiro, adquiriu com FABIO DALMOLIN alguns litros de combustível, não sabendo precisar a quantidade, pedindo que fossem divididos em vales para serem utilizados em quaisquer dos postos Santo Antônio por quem os apresentasse. O total dessa venda foi pago por meio quatro boletos bancários em nome da Coligação Lagoa Pode Mais, Comitê Financeiro, PP, do candidato a Prefeito Moacir Volpato e seu vice, ANTÔNIO VALDECIR LUZ FÁVARO, sendo emitidas quatro notas fiscais. Afirmou que eram populares que iam abastecer com os vales, não sabendo se as pessoas que abasteciam eram ligadas ao partido ou não. Em juízo, EDER disse que o vale estava carimbado pelo posto, e que se uma pessoa o achasse na rua, por exemplo, era como se fosse dinheiro, poderia abastecer, pois não se exigia nenhum documento e os frentistas estavam autorizados a receber de qualquer pessoa (fls. 242, 962v.-964v.).

FABIO DALMOLIN também foi ouvido pela autoridade policial e em juízo, afirmando que aproximadamente 30 dias antes das eleições telefonou para VALDEMIRO VOLPATO, oferecendo-lhe a venda do combustível, o qual pediu que confeccionasse vales de combustível. FABIO negociou a venda em duas oportunidades, uma de 3 mil litros de combustíveis e outra de 2 mil litros, todos distribuídos em vales de 10 litros cada. FABIO expediu e assinou os vales, entregando-os para OBERDAN PINTO, que trabalhava no comitê de Volpato e de Antônio, sendo o combinado que aqueles que chegassem no posto e apresentassem o vale teriam direito a abastecer. Disse que, pelo que pôde observar, os veículos que lá chegavam para abastecer com o vale faziam uso do adesivo ou da bandeira da coligação do candidato Volpato, e que não sabia se os vales de combustível tinham por objetivo comprar votos (fls. 388-389).

Sobressai, da leitura de suas declarações, que ambos testemunhos mantiveram-se coerentes e uníssonos tanto na fase policial quanto em juízo.

Duas das quatro notas fiscais emitidas pelo posto de combustíveis ao Comitê Financeiro Prefeito PP foram apreendidas e as cópias constam às fls. 169 e 170. A da fl. 169, no valor de R$ 8.070,00, consigna a aquisição de 2.794,322 litros, e a da fl. 170, no valor de R$ 4.000,00, refere-se à compra de 1.385,042 litros, totalizando 4.179,364 litros. Já nas fls. 171 a 173, há doze cupons fiscais de venda de combustíveis para o Comitê Financeiro Prefeito PP, no total de 184, 81 litros, que representam R$ 526,69. O total do valor gasto com os vales, apurado nos autos, é de R$ 12.596,69. De acordo com esses documentos, dez litros de gasolina, na época valendo R$ 2,88 por litro, representavam R$ 28,88. Esse o valor econômico de cada um dos cerca de 500 vales doados.

Na fl. 167 constam as cópias de dois recibos de entrega, cada um da quantia de 150 vales de combustível, assinada por Oberdan Pinto, com data de 14.9.2012. OBERDAN trabalhava no comitê de campanha de MOACIR VOLPATO, sendo ele o encarregado do controle do consumo de combustível, conforme afirmado por Valdemiro Volpato em juízo.

VALDEMIRO VOLPATO foi ouvido e afirmou que a aquisição de combustíveis junto aos Postos Santo Antônio foi destinada ao abastecimento de veículos contratados para trabalharem na campanha eleitoral, que o Sr. OBERDAN PINTO era a pessoa que trabalhava no comitê situado na rua Protásio Alves, encarregado do controle do consumo de combustível, e que não contratou com FABIO DALMOLIN a confecção de vales.

Além dessa prova, a sentença apontou que os vales possuem como data de validade o dia 10.10.2012, ou seja, poderiam ser utilizados até três dias após as eleições municipais ocorridas em 7.10.2012, o que significa que tais vales não serviram para abastecer exclusivamente os veículos que trabalhavam na campanha eleitoral da coligação dos recorrentes, uma vez que de nada serviriam para este fim após o pleito ocorrido. Ao contrário, para quem recebeu os vales mediante a promessa de votar no candidato representado, teria até o dia 10 após as eleições para poder utilizá-lo (fl. 1.355).

A prova produzida pelo MPE durante o inquérito, relativa à escuta ambiental, a qual foi realizada com autorização do magistrado, para a verificação da distribuição do benefício e da finalidade eleitoral (fl. 248), também teve fundamental importância para a melhor elucidação dos fatos, conforme bem descreve a sentença (fls. 1.356-1.357):

Para tanto, de posse de vale-combustível apreendido, os servidores do Ministério Público Gunther Albert Rech Chaves e Gabriela Martins Neumann dirigiram-se ao Posto Santo Antonio, na BR 285, cuja diligência restou retratada no documento de fl. 464: “..fomos atendidos pelo frentista 'Euclides' e, de posse do vale acostado aos autos, abastecemos o veículo no qual estávamos, por volta das 19:20, sendo colocados 10 litros de gasolina comum, sem que fosse necessário efetuar qualquer forma de pagamento. Perguntado ao frentista como se faria para obter outro vale, este afirmou que bastaria solicitar no “Volpato”, acrescentando que seria no comitê eleitoral deste ou, ainda, do “Pepe”. O frentista afirmou ainda que foram abastecidos, somente hoje, mais de duzentos veículos mediante o uso deste vale, sendo que o Comitê haveria comprado mais de 4.000 (quatro mil) litros de combustível para tal destinação. Informamos, por fim, que foi realizada a gravação ambiente, com o gravador do telefone de plantão... (fl. 464)”.

E a degravação do áudio consta às fls. 467/469, da seguinte forma:

GUNTHER: Opa! Tudo bem? É aqui esta promoção?

Euclides: É aqui.

GUNTHER: Anh?

Euclides: É.

GUNTHER: É aqui?

Euclides: É aqui.

GUNTHER: Dez litros?

Euclides: Dez litros.

GABRIELA: É válida até quando a promoção?

Euclides: Válida até o dia dez.

GABRIELA: Ah, tá! Então estamos dentro.

GUNTHER: Então... dez litros, então.

GABRIELA: que bom, né?

GUNTHER: Sim!

GABRIELA: Uhum. Tá certo este (ininteligível)?

GUNTHER: tá certinho (com este...)

GABRIELA: Ué, mas só fiquei com (ininteligível).

GUNTHER: Não, ele está abastecendo o outro.

Euclides: Tudo feito!

GUNTHER: Ei, moço! Opa! Me diz uma coisa: pra ganhar um outro destes o que tem que fazer?

Euclides: Só ir lá no Volpato.

GABRIELA: Na loja?

Euclides: Eu acho que no...no...

GUNTHER: No comitê deles? Então tá!

Euclides: (Me deram aqui) (ininteligível)

GUNTHER: Então tá.

GABRIELA: Ah, tá eles ali do comitê?

Euclides: É.

GUNTHER: Tá certo.

Em continuidade a esta diligência, os servidores dirigiram-se até o Comitê do candidato Moacir Volpato, na rua Protásio Alves, nesta cidade, sendo certificado nos seguintes termos: “Chegando ao local, fui informada de que deveria ir até o 2º piso do Comitê e conversar com 'Ribeiro'. Assim, disse a esta pessoa de que no Posto Santo Antonio, teria sido informada por um frentista de que poderia conseguir um vale gasolina no comitê e questionei o que poderia fazer para obtê-lo. Tal pessoa questionou meu nome, onde eu trabalhava, se eu era afiliada ao partido, bem como se possuía veículo. Outrossim, informou que, para conseguir o tal vale, seria necessário colocar um adesivo do candidato Volpato no meu carro e que este adesivo seria fornecido pelo próprio Comitê” (fl. 466).

Cuida-se, portanto, de demonstração cabal de que os vales-combustível não foram adquiridos para fins de abastecimento exclusivo de veículos que trabalharam para a coligação representada. Ao contrário, serviram para distribuição às pessoas em geral, com a contraprestação do voto em favor dos candidatos representados. Qualquer pessoa, sem necessitar se identificar, poderia abastecer seu veículo; para tanto, bastava portar o vale adquirido junto à coligação representada ou às pessoas a ela ligadas. Do contrário, se de fato a quantidade expressiva (5.000 litros) de combustíveis adquirida servisse tão só e exclusivamente para abastecer veículos da coligação ré, por certo que esta trataria de celebrar tal acordo junto aos postos de combustíveis, inclusive fornecendo o número das placas dos veículos autorizados. Ao não proceder dessa forma, e ficando demonstrado pela prova dos autos que qualquer pessoa poderia abastecer, cai por terra a alegação de que os vales não serviram para a compra de votos. (Grifei.)

A diligência, aliada aos demais elementos de prova constantes dos autos, demonstra, à saciedade, que o abastecimento de combustível não era exclusivo de veículos que trabalhavam para a coligação.

A sentença também considerou que o depoimento de ARLEI FELISBERTO BARRETO NUNES, prestado perante a autoridade policial e, posteriormente, ao Ministério Público Eleitoral, reforçaria a convicção pelo cometimento do ilícito, pois Arlei afirmou ter ido ao comitê dos recorrentes e, caso se adesivasse o "auto", a pessoa conseguiria o vale.

Além disso, referiu que as interceptações telefônicas, realizadas com autorização judicial após a eleição, também servem de elemento de prova da oferta e entrega de vales de combustível, cumprindo transcrever a seguinte gravação obtida junto a Cristiano Bueno Fasoli, filho de Moacir Volpato (fl. 1.358):

Primeiro, referente ao celular nº 54-99789450, de Cristiano Bueno Fasoli, filho do representado Moacir Volpato e um dos coordenadores da campanha dos representados, consta a seguinte ligação interceptada em 08.10.2012, às 08h52min49seg: “Cristiano conversa com Ribeiro sobre a derrota na eleição. Ribeiro comenta sobre a falsidade das pessoas, pois viu nas fotos do site da Lagoa FM pessoas que pediram gasolina para a coligação de Volpato e estavam na carreata do Getúlio, inclusive com bandeiras. Ainda, falou sobre um vizinho que soltou foguetes e que queria dinheiro, imaginando que ele tenha votado para o Getúlio. Por fim, Cristiano convida Ribeiro para uma reunião que será realizada com todos que trabalharam na campanha, a fim de organizar a estrutura e não deixar nada pendente” (fl. 1.163).

E concluiu (fl. 1.359):

[...] tenho que a prova dos autos está a demonstrar a existência de uma organização que estava voltada a beneficiar ilicitamente a candidatura dos representados aos cargos de Prefeito e Vice-Prefeito pela coligação Lagoa Pode Mais, com a gravidade estampada nos fatos de que os ilícitos praticados inequivocamente tiveram potencialidade suficiente para influenciar as eleições em favor dos demandados. De fato, se considerarmos que foram adquiridos cerca de 5.000 litros de combustíveis e que cada vale correspondia a 10 litros, temos então que foram confeccionados, ao menos, 500 vales-combustível.

[...]

Isso mostra o quanto o ilícito praticado interferiu na vontade dos eleitores de Lagoa Vermelha, pois não importa para a caracterização do ilícito tenham efetivamente os eleitores agraciados com os vales votado nos candidatos representados. Portanto, a conduta praticada é séria e com certeza afeta a normalidade de uma eleição, violando concretamente a legitimidade democrática, o que configura, pela gravidade inerente ao ilícito, o abuso do poder econômico. Quanto à questão da participação e/ou conhecimento dos representados na prática ilícita de captação ilegal de sufrágio, será objeto de análise ao final.

Conforme se verifica, o mero compromisso de adesivar o automóvel era suficiente para a entrega do vale, que era realizada dentro das dependências do comitê de campanha dos recorrentes, não sendo crível que a doação ocorresse a sua revelia ou com o seu desconhecimento.

Ressalta-se que não é a mera adesivação do veículo do eleitor que o torna um cabo eleitoral a trabalho em prol da campanha de um candidato. Além disso, a entrega do benefício ocorreu no decurso da campanha eleitoral e estava aprazada para até três dias após a eleição, que ocorreu dia 7.10.2012.

Ademais, o brinde de vale-combustível poderia ser utilizado mesmo após encerrado o trabalho dos veículos na campanha, pois valia até 10.10.2012. Caso o objetivo fosse o de abastecer os carros de pessoas que trabalhavam para os recorrentes, não seria necessária a doação de um vale com valor fixo e fungível, que se extingue com o primeiro uso, a evidenciar que o documento é uma prova inequívoca do cometimento de abuso.

Nesse sentido, provas materiais e testemunhais que demonstrem a distribuição de combustíveis, com o intuito de promover propaganda dos candidatos e a participação de eleitores em carreatas, caracterizam abuso de poder econômico apto a desequilibrar as eleições, ainda mais quando perpetrados em comunidades pequenas, como a de Lagoa Vermelha, que possui cerca de 20 mil eleitores, onde as carreatas possuem influência contundente sobre o eleitorado.

A entrega do brinde, que, conforme a prova dos autos, alcançou no mínimo o total entre 400 e 500 vales, com ou sem o adesivo de propaganda, constitui inegável ato abusivo.

A farta distribuição dos vales gerou a veiculação de propaganda da candidatura dos recorrentes em dimensões significativas no cenário de disputa política local, fomentando o número de militantes e apoiadores, representando utilização de recursos financeiros para promoção de campanha eleitoral de forma abusiva e recriminada.

Com esse entendimento, os diversos julgamentos sobre o tema já realizados por este Tribunal (com grifos meus):

Recurso. Decisão que julgou procedente ação de impugnação de mandato eletivo. Abuso de poder econômico. Distribuição gratuita de combustível em troca de voto ou apoio político.

Matéria preliminar afastada. Consolidada jurisprudência no TSE no sentido da adoção do rito da Lei Complementar n. 64/90. Inexistência de abuso na ordem de busca e apreensão de documentos. Não caracteriza ofensa ao princípio do juiz natural ou da identidade física do juiz o julgamento se dar por magistrado distinto do que conduziu a instrução em razão das regras do artigo 132 do Código de Processo Civil. Demanda que não admite a participação de agremiação partidária como ré. Determinada, de ofício, a exclusão do partido político do polo passivo.

Conjunto probatório demonstra, à saciedade, a doação de combustível a eleitores em troca de votos. Município de porte reduzido, no qual, em razão dos valores despendidos e da quantidade de vales distribuídos, não há como afastar a repercussão no pleito, caracterizando abuso de poder econômico.

Provimento negado.

(Recurso em Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n. 71, Acórdão de 08.4.2010, Relator DR. ÍCARO CARVALHO DE BEM OSÓRIO, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 055, Data 13.4.2010, Página 1.)

 

Recursos. Ação de investigação judicial eleitoral. Captação ilícita de sufrágio. Abuso de poder político. Prefeito, vice e vereador. Eleições 2012.

[...]

2. Abuso de poder econômico e político. Vinculação dos benefícios recebidos da administração pública às imagens dos candidatos recorrentes. Substancioso contingente de cabos eleitorais para realização de boca de urna. Fornecimento de combustíveis para participação em carreata em troca de apoio político. Utilização abusiva das prerrogativas inerentes aos gestores da coisa pública, com interferência na ordem cronológica de pagamentos da prefeitura a fornecedores, em relações absolutamente espúrias com empresários prestadores de serviços terceirizados para viabilizar contribuições às candidaturas dos representados.

Plenamente comprovado o cometimento dos ilícitos eleitorais imputados aos representados. Manutenção das sanções de cassação dos diplomas e de declaração de inelegibilidade impostas em primeiro grau. Redução, entretanto, da sanção pecuniária apenas com relação ao anterior e ao atual prefeito eleito.

Recálculo do quociente eleitoral em virtude da anulação dos votos recebidos pela candidatura proporcional. Determinação de novas eleições majoritárias no município.

Provimento negado aos recursos dos candidatos eleitos vice-prefeito e vereadora.

Provimento parcial às irresignações do então prefeito e do candidato eleito para chefe do executivo municipal.

(Recurso Eleitoral n. 37956, Acórdão de 17.12.2013, Relatora DESA. FEDERAL MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 235, Data 19.12.2013, Página 5.)

 

Representação. Investigação Judicial Eleitoral – art. 19 da LC nº 64/90. Distribuição indiscriminada de vales-combustível para veiculação de propaganda eleitoral por meio de adesivos em carros particulares. Conjunto probatório conclusivo da existência de fatos abusivos com potencialidade de repercussão no resultado das eleições.

Decretação da inelegibilidade do representado.

(Representação n. 182002, Acórdão de 02.10.2003, Relator DES. PAULO AUGUSTO MONTE LOPES, Publicação: DJE - Diário de Justiça Estadual, Tomo 201, Data 22.10.2003, Página 100.)

Ainda que o objetivo dos recorrentes não fosse isoladamente o de obter o voto, mas apenas aumentar o número de carros adesivados nas ruas, incutindo no eleitorado a ideia de que teriam um número maior de apoiadores, considero que o fato constitui justamente o abuso de poder econômico que a Lei de Inelegibilidades visa coibir, pois são graves o suficente para desequilibrar o pleito de um pequeno município. A propósito, cito o ensinamento de Joel J. Cândido sobre o tema (Inelegibilidades no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Edipro, 1999, p. 337):

O ilegal é o “abuso” de poder, que se caracteriza pelo excesso ou demasia com que esse poder (seja econômico, político ou de autoridade), que é exercido buscando benefícios eleitorais, deturpando o processo eleitoral e influindo em seus resultados naturais. Esse excesso ou demasia, que é a parte perniciosa do exercício lícito do poder, é que quebra o Princípio Igualitário que deve existir nos pleitos entre partidos, coligações e candidatos, acarretando a lesão ao art. 14, § 9º, da Constituição Federal, e ensejando, por conseqüência, a sanção política (ou penal) como resposta do Estado. (Grifei.)

Os autos inclusive dão conta que os fatos narrados na presente ação, ajuizada em 01.10.2012 pela coligação da candidatura a prefeito de Getulio Cerioli, adversário dos recorrentes, foram anteriormente levados a conhecimento do juízo e do Ministério Público Eleitoral pelo próprio candidato a prefeito Getulio Cerioli, que apresentou notícia-crime informando o ocorrido, a fim de que a doação de vales fosse interrompida.

Em relação à participação dos recorrentes, destacou o Juízo a quo que as condutas ilícitas foram praticadas pelo coordenador da campanha e pelo tesoureiro, bem como por familiares do candidato Moacir Volpato, de forma que resta perfeitamente evidenciado o vínculo subjetivo e a participação indireta dos recorrentes, ainda que na forma de anuência dolosa, com a prática dos ilícitos perpetrados dentro do seu comitê de campanha por pessoas que trabalhavam nas suas candidaturas a prefeito e vice.

De fato, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral está assentada no sentido de não ser exigível a participação direta do candidato na prática do ilícito, bastando o consentimento, a anuência em relação aos fatos que resultaram na infração eleitoral, a exemplo dos acórdãos invocados pelo magistrado sentenciante: acórdãos no RESPE n. 302-74.2010.6.00.0000-MG, Relator Min. Marcelo Ribeiro, julgado em 22.6.2010, e no RESPE n. 35.589, Relator Min. Marcelo Ribeiro, julgado em 20.10.2009.

Nas ações eleitorais cíveis, ainda que o ilícito seja praticado por interposta pessoa, o incontestável benefício provocado, o inegável conhecimento dos fatos, o consentimento, a tácita anuência, o manifesto desequilíbrio entre os candidatos e a ofensa à lisura da eleição são suficientes para um decreto condenatório, ainda que o candidato beneficiado com o ato abusivo não aja de mão própria no cometimento da infração.

Tanto é assim que o art. 22, inciso XVI, da Lei Completar n. 64/90, que disciplina a ação de investigação judicial por abuso de poder, dispõe que, para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

Com essas razões, acompanho o relator em relação às preliminares e, no mérito, divirjo em parte e VOTO pela manutenção da condenação e da declaração da inelegibilidade dos recorrentes por prática do abuso de poder econômico previsto no art. 22, caput, c/c inciso XIV, da Lei Complementar n. 64/90, nos termos da fundamentação.

 

Dra. Gisele Anne Vieira de Azambuja: Senhora Presidente, com a vênia do eminente relator, estou acompanhando o voto do revisor.

 

Dra. Maria de Lourdes Galvão Braccini de Gonzalez: Acompanho o revisor.

 

Des. Paulo Roberto Lessa Franz: Voto com a divergência.

 

Dr. Hamilton Langaro Dipp: Com a divergência.