RC - 412 - Sessão: 28/04/2016 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recursos interpostos por GILSON LUIZ ROMEIRO ESCOBAR e MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença proferida pelo Juízo da 59ª Zona Eleitoral – Viamão –, que julgou procedente denúncia pela prática do crime previsto no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97.

A denúncia imputou a Gilson Luiz Romeiro Escobar o seguinte fato delituoso:

No dia 07 de outubro de 2012, data da realização das eleições municipais, às 11h, na Rua Casemiro de Abreu, nas proximidades da Escola Alberto Pasqualine, nesta Cidade, em via pública, o denunciado GILSON LUIZ ROMEIRO ESCOBAR realizou propaganda de boca de urna.

Na ocasião, o denunciado encontrava-se em via pública, distribuindo material de propaganda eleitoral do candidato a vereador Chico Gutierres (n.º 14777), visando a influenciar a vontade dos eleitores. Com o denunciado foram encontrados 12 (doze) 'santinhos', os quais restaram apreendidos (fl. 19).

A denúncia foi recebida em 16.4.2013.

Regularmente instruídos, os autos foram conclusos, prolatando-se a decisão de procedência da denúncia com a condenação do réu a 08 (oito) meses de detenção, cumulada com multa no valor de 05 (cinco) mil UFIR. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação de serviços à comunidade por igual período.

Irresignados, o Ministério Público e o réu apresentaram recursos criminais.

O MPE requereu que fosse fixado o regime semiaberto para o cumprimento da pena, em razão da reincidência, bem como a majoração da pena de multa.

O réu alega, preliminarmente, cerceamento de defesa. No mérito, aduz a ausência de materialidade e que o corruptor também deveria ter sido denunciado. Sustenta que é dependente químico, o que lhe tornou pessoa fácil de ser cooptada para promoção da campanha do candidato.

Com contrarrazões foram os autos à Procuradoria Eleitoral, que opinou pelo parcial provimento do recurso ministerial e desprovimento do apelo do réu.

É o relatório.

 

VOTO

Os recursos são tempestivos.

Preliminar de cerceamento de defesa

O réu aduz que não lhe foi oportunizada ampla produção de provas, que há irregularidades no processo e que os panfletos foram juntados aos autos de forma intempestiva, viciando a prova.

Sem razão.

A instrução ocorreu de forma regular, sendo inclusive cindida a audiência de instrução com o propósito de assegurar-lhe a plenitude da ampla defesa e do contraditório.

A alegação de irregularidades no processo é inespecífica, o que dificulta a análise. Entretanto, examinei o feito e verifiquei que transcorreu de forma regular.

Por fim, os panfletos foram juntados aos autos antes mesmo da denúncia do Parquet, não havendo que se falar em prova viciada.

Mérito do recurso da defesa

Gilson foi condenado pela prática do delito previsto no art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97:

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

[…]

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;

O propósito da norma é resguardar a liberdade do eleitor de votar sem sofrer qualquer tipo de constrangimento, razão pela qual, no dia da eleição, é proibida a propaganda eleitoral.

Na espécie, diante da prova dos autos, ficou demonstrado que o réu realizou a conduta proibida, fato corroborado pelo depoimento do próprio acusado, pela prova testemunhal colhida e pelos panfletos apreendidos, sendo o acusado preso em flagrante delito.

Com efeito, o réu confessou a autoria do fato criminoso, declarando ser verdadeira a denúncia. No dia da eleição disse que, ao passar em frente a um comitê de campanha, foi abordado pelo candidato Chico Gutierres, que lhe ofereceu R$ 50,00 para fazer distribuição de panfletos. Calculou ter recebido cerca de 50 panfletos e que chegou a distribuir alguns. Não chegou a receber o valor prometido (R$ 50,00) porque, após ser liberado de sua detenção em flagrante, não cogitou de voltar ao comitê para requerer o pagamento.

A testemunha presencial Francisco Ubirajara da Silva (fl. 33) foi inequívoca ao afirmar que, ao proceder à atividade de fiscalização nos arredores da Escola Pasqualine, viu o réu entregando os panfletos. Disse que foi ele mesmo quem apreendeu o material e chamou a Brigada Militar, entregando ao policial os impressos. Ao ser exibido ao depoente os exemplares da fl. 23 dos autos, confirmou que eram esses os panfletos que estavam na posse do réu.

Em seu depoimento, Marcelo Martin Abech, policial militar responsável pela lavratura do termo circunstanciado que gerou a denúncia, relatou que o réu e uma testemunha civil (Francisco Ubirajara da Silva) lhe foram apresentados por um PM. Confirmou a apreensão de material de campanha.

A defesa sustentou que o réu apenas cometeu o crime em razão da dependência química, afirmando que aceitou a oferta porque pretendia comprar drogas com o numerário.

Ora, a simples alegação defensiva de dependência química não é suficiente à absolvição, máxime em se tratando de drogadição voluntária, que não elide o réu de responsabilidade sobre os seus atos.

Qualquer causa de isenção da pena requer demonstração cabal de que o agente tenha agido em face da dependência química ou sob o efeito de droga, proveniente de caso fortuito ou força maior, bem como que ele, ao tempo da ação ou omissão, não fosse inteiramente capaz de compreender o caráter ilícito da sua conduta ou de determinar-se com esse entendimento, o que não restou comprovado nos autos.

Quanto ao fato de não ter sido denunciado também o candidato neste feito, essa circunstância não afasta a ilicitude da conduta do réu.

Assim, autoria demonstrada pela confissão e depoimento das testemunhas; e materialidade, pela comunicação de ocorrência e auto de apreensão (fl. 08), nego provimento ao recurso do réu, consoante reiterado entendimento desta Corte:

Recurso criminal. Ação Penal. Distribuição de material de propaganda eleitoral na data do pleito. Incursão nas sanções do artigo 39, § 5º, II, da Lei n. 9.504/97. Eleições 2010. Procedência da denúncia no juízo originário e condenação à pena privativa de liberdade, substituída por prestação de serviços à comunidade e multa.

Impossibilidade da pretensão recursal de suspensão condicional do processo, visto que ausentes os requisitos exigidos pelo art. 89 da Lei n. 9.099/95.

Plenamente demonstrada a materialidade e autoria do delito.

Caracterizada a ocorrência de propaganda de boca de urna e arregimentação de eleitor.

Provimento negado.

(RC 30-27.2011.6.21.0173, Relatora: Desa. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, julgado em 21 de fevereiro de 2013.)

Recurso Ministerial

A irresignação do Parquet prende-se a dois pontos: regime inicial de cumprimento da pena e majoração da pena de multa.

O Ministério Público Eleitoral postula que o regime inicial de cumprimento da pena seja o semiaberto e não o aberto, como restou estabelecido na sentença.

Efetivamente o art. 33, §2º, al. “c”, do Código Penal estabelece que "o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto".

De igual forma o § 3º do art. 33 do Código Penal refere que a determinação do regime inicial de cumprimento da pena deve ser pautada pelos critérios do art. 59 do Código Penal.

No caso, o acusado registrava duas condenações com trânsito em julgado (fls. 18-20), posse de drogas e furto. Na dosimetria da pena, uma delas foi usada como mau antecedente e a outra como circunstância agravante da reincidência.

Assim, sendo o réu reincidente e verificando-se circunstância desfavorável do art. 59 do Código Penal, deve prosperar a irresignação do Parquet neste posto, conforme precedente colacionado no parecer da douta procuradoria:

HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO. AMEAÇA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CULPABILIDADE, PERSONALIDADE E MOTIVOS DO CRIME. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. REINCIDÊNCIA. FRAÇÃO DE AUMENTO. PROPORCIONALIDADE. MANIFESTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

[...]

5. Considerando que o Código Penal não estabelece limites mínimo e máximo de aumento de pena a serem aplicados em razão das agravantes genéricas, a jurisprudência deste Superior Tribunal firmou o entendimento de que a aplicação de fração superior a 1/6 pela reincidência exige motivação concreta e idônea. No caso, o magistrado exasperou a reprimenda do paciente, em razão da reincidência, exatamente na fração de 1/6, de modo que não há nenhuma ilegalidade a ser sanada na segunda etapa da dosimetria.

6. Embora a pena do paciente tenha sido reduzida, deve ser mantido o regime inicial semiaberto de execução, haja vista que é reincidente e que possui circunstâncias judiciais a ele desfavoráveis.

7. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido, de ofício, a fim de reduzir em parte a pena-base do paciente e, consequentemente, tornar a sua reprimenda definitiva em 3 meses e 8 dias de detenção.

(HC 259.467/DF, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 10.3.2015, DJe 17.3.2015.)

Registro que a pena de detenção foi substituída pela prestação de serviços à comunidade, logo, o regime inicial de cumprimento da sanção deverá ser reformado para constar o semiaberto, no caso de descumprimento da restritiva de direitos.

Por fim, examino o pedido de majoração da pena de multa.

O tipo penal a que foi condenado o réu prevê multa de cinco mil a quinze mil UFIR. A sentença fixou a multa no seu patamar mínimo, ou seja, 5 mil UFIR.

O Código Eleitoral, no seu artigo art. 286, § 1º, estabelece que o montante da multa deve ter em conta as condições pessoais e econômicas do condenado. Como bem pontuado pelo douto Procurador Eleitoral, os autos demonstram que o réu é chapista, possui dois filhos e é dependente químico, com várias internações ocorridas no período de 2009 e 2015 (fls. 71 a 77).

Dessa forma, andou bem o magistrado de piso ao fixar a pena de multa em seu mínimo legal, diante da capacidade financeira do acusado, não merecendo reforma a sentença neste ponto.

Ante o exposto, VOTO no sentido de negar provimento ao recurso de GILSON LUIZ ROMEIRO ESCOBAR e dar parcial provimento ao recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL tão somente para fixar o regime inicial de cumprimento da pena no semiaberto, em face da reincidência.