RE - 4904 - Sessão: 27/01/2016 às 17:00

RELATÓRIO

SUSANA GRACIELA BRUNO ESTEFENON interpôs o presente recurso eleitoral de sentença proferida pelo Juízo da 8ª Zona Eleitoral, pela qual restou condenada ao pagamento de multa equivalente a R$ 37.169,15 (trinta e sete mil cento e sessenta e nove reais e quinze centavos) em razão de doação à campanha do candidato a governador do estado nas eleições de 2014, Tarso Fernando Herz Genro, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), sendo que havia informado ausência de rendimentos próprios na Declaração de IRPF do ano-calendário de 2013.

Segundo a julgadora da 8ª Zona Eleitoral, a recorrente agiu em contrariedade ao artigo 23, §1º, inciso I, da Lei 9.504/97, o qual estabelece o limite de doação para campanhas eleitorais em 10% dos rendimentos brutos auferidos pela pessoa física no exercício fiscal anterior ao do pleito.

Em suas razões (fls. 67-74), a recorrente pugnou pelo reconhecimento da situação fática: o casamento de mais de 27 anos em regime de comunhão parcial de bens; a doação realizada com cheque emitido de sua própria conta bancária, cujo valor foi posteriormente coberto por uma transferência de valor equivalente, proveniente de divisão dos lucros de sociedade empresária da qual o seu cônjuge é sócio. Sustentou que sua subsistência provém do marido desde o casamento, sendo os rendimentos da família tributados integralmente na pessoa dele e, finalmente, esclareceu a existência de laços de amizade de larga data entre a recorrente e a família do candidato donatário.

Em contrarrazões (fls. 77-87), o Ministério Público Eleitoral defendeu, em síntese, a manutenção da sentença recorrida.

Nesta instância, os autos foram encaminhados em vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que pugnou pelo desprovimento do recurso (fls. 83-85).

É o breve relatório.

 

VOTO

Eminentes colegas:

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.

2. Mérito

Quanto ao mérito, resta incontroverso que a recorrente efetuou doação no valor de R$ 10.000,00 (fl. 11) e declarou ausência de rendimentos próprios na Declaração de Ajuste Anual de Imposto de Renda Pessoa Física referente ao ano-calendário de 2013.

Em item específico da Declaração, a recorrente informou rendimentos percebidos por seu cônjuge no total de R$ 5.902.923,90 (cinco milhões novecentos e dois mil novecentos e vinte e três reais e noventa centavos), quantia em muito superior ao mínimo necessário para que a doação eleitoral realizada se enquadre dentro do limite definido no artigo 23, § 1º, inciso I, da Lei 9.504/97, de 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição.

Superado esse ponto, passo ao exame do regime de bens do casamento e da situação fática.

Pela documentação acostada, é inegável que a recorrente, SUSANA GRACIELA BRUNO ESTEFENON, e seu marido, JOSÉ CARLOS ESTEFENON, constituem matrimônio há mais de 27 anos, sendo que o regime de bens escolhido quando da constituição da sociedade foi o da comunhão parcial.

Em suas razões, a recorrente pugna pela consideração dos rendimentos auferidos pelo cônjuge como rendimentos da família. Dessa maneira, o limite determinado no artigo 23, § 1º, inciso I, da Lei 9.504/97 incidiria sobre toda renda do casal e não somente sobre a sua, como na sentença recorrida.

Prossigo.

O regime da comunhão parcial de bens encontra-se disciplinado nos artigos 1.658 a 1.666, do Código Civil, dentre os quais destaco o artigo 1.660 e seu inciso V:

Art. 1.660. Entram na comunhão:

(…)

V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão. ( Grifei.)

Nesse sentido, segue ementa de acórdão originário do TRE-PR, que embora tenha sido reformado pelo TSE, traz a compreensão da qual compartilho:

ELEIÇÕES 2012. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ELEITORAL. INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PEDIDO DE APLICAÇÃO DO ART. 23, § 1º, II DA LEI N. 9.504/97 COMO COMPLEMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO, DIANTE DE SUA CONCLUSÃO. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO FEITA NA CONTESTAÇÃO, SEM APRECIAÇÃO PELO TRIBUNAL. OMISSÃO. CONHECIMENTO DO RECURSO. RECONHECIMENTO DE QUE OS RENDIMENTOS AUFERIDOS PELOS CÔNJUGES CASADOS SOB O REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS INTEGRAM O PATRIMÔNIO DE AMBOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. INTERPRETAÇÃO DOUTRINÁRIA DO ART. 1659, VI, DO CÓDIGO CIVIL. RECONHECIMENTO DE QUE A DOAÇÃO EFETUADA POR CÔNJUGE DE CANDIDATO EM FAVOR DA CAMPANHA DESTE ÚLTIMO, DESDE QUE FEITA COM RECURSOS COMUNS AO CASAL, ENCONTRA AMPARO NA REGRA DO INCISO II DO § 1º DO ART. 23 DA LEI ELEITORAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDOS E PROVIDOS, COM ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES.

(TRE-PR - RE: 45663 PR, Relator: KENNEDY JOSUÉ GRECA DE MATTOS, Data de Julgamento: 05.12.2013, Data de Publicação: DJ - Diário de Justiça, Data 12.12.2013.) (Grifei.)

Como esclarecido pela recorrente, ao cheque emitido com o fim de doação para a campanha eleitoral, correspondeu transferência eletrônica recebida pela doadora em 05.9.2014, no mesmo valor da doação realizada, proveniente de distribuição dos lucros de uma sociedade empresária da qual o marido participa. A participação societária encontra-se comprovada por Certidão Simplificada da Junta Comercial do Estado do Rio Grande do Sul, juntada aos autos (fl. 75). No caso, a sociedade empresária é a pessoa jurídica “BRASINPAR PARTICIPAÇÕES S/A”, cujo depósito na conta da recorrente encontra prova no Recibo de Transferência acostado aos autos (fl. 46).

Não resta dúvida, portanto, que o valor era devido ao cônjuge da recorrente e que foi recebido na constância do casamento, relação jurídica iniciada em 14.7.1988, informação facilmente comprovável pela Certidão de Casamento (fl. 22), expedida em 1º.6.2015. O artigo 1.660 do Código Civil reconhece a comunicabilidade “dos frutos dos bens comuns ou particulares de cada cônjuge”, tal como a distribuição de lucros aqui descrita.

Assim, não me parece justo que, nesse caso, prevaleça o entendimento pacificado no Tribunal Superior Eleitoral pela legalidade da doação eleitoral de um dos cônjuges, realizado na constância do casamento, somente quando o regime de bens escolhido pelo casal for o da comunhão universal.

Entendo que a mesma regularidade se aplica à doação eleitoral realizada por um dos cônjuges no caso da comunhão parcial de bens, enquanto durar a sociedade conjugal.

Nesse sentido, transcrevo ementa de julgado de nosso Tribunal de Justiça, da lavra da eminente Desembargadora Liselena Schifino Robles Ribeiro, firmando a compreensão de que os rendimentos, ainda que decorrentes de bens de propriedade exclusiva de um dos cônjuges, comunicam-se, nos termos do art. 1.660, V, do Código Civil:

APELAÇÃO. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE DIVÓRCIO. PARTILHA. DOAÇÃO. O valor principal, de propriedade exclusiva da apelada, não pode ser partilhado. Porém, os rendimentos, sim, pois, como se sabe, os frutos decorrentes de bens particulares comunicam-se, nos termos do art. 1.660, V, do Código Civil, até a data da separação das partes. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70065864308, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 26/08/2015).

(TJ-RS - AC: 70065864308 RS, Relatora: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Data de Julgamento: 26.8.2015, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 1º.9.2015.)

Na mesma direção segue o Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo voto, de lavra do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, consolida o entendimento de que “os frutos civis do trabalho são comunicáveis quando percebidos, sendo que a incomunicabilidade apenas atinge o direito ao seu recebimento”:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS. COMUNHÃO PARCIAL. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE CONTRIBUIÇÃO DE AMBOS OS CONVIVENTES. PATRIMÔNIO COMUM. SUB-ROGAÇÃO DE BENS QUE JÁ PERTENCIAM A CADA UM ANTES DA UNIÃO. PATRIMÔNIO PARTICULAR. FRUTOS CIVIS DO TRABALHO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INCOMUNICABILIDADE APENAS DO DIREITO E NÃO DOS PROVENTOS.

1. Ausência de violação do art. 535 do Código de Processo Civil, quando o acórdão recorrido aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide, com abordagem integral do tema e fundamentação compatível.

2. Na união estável, vigente o regime da comunhão parcial, há presunção absoluta de que os bens adquiridos onerosamente na constância da união são resultado do esforço comum dos conviventes.

3. Desnecessidade de comprovação da participação financeira de ambos os conviventes na aquisição de bens, considerando que o suporte emocional e o apoio afetivo também configuram elemento imprescindível para a construção do patrimônio comum.

4. Os bens adquiridos onerosamente apenas não se comunicam quando configuram bens de uso pessoal ou instrumentos da profissão ou ainda quando há sub-rogação de bens particulares, o que deve ser provado em cada caso.

5. Os frutos civis do trabalho são comunicáveis quando percebidos, sendo que a incomunicabilidade apenas atinge o direito ao seu recebimento.

6. Interpretação restritiva do art. 1.659, VI, do Código Civil, sob pena de se malferir a própria natureza do regime da comunhão parcial.

7. Caso concreto em que o automóvel deve integrar a partilha, por ser presumido o esforço do recorrente na construção da vida conjugal, a despeito de qualquer participação financeira.

8. Sub-rogação de bem particular da recorrida que deve ser preservada, devendo integrar a partilha apenas a parte do bem imóvel integrante do patrimônio comum.

9. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

(REsp 1295991/MG, Relator Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 11.4.2013, DJe 17.4.2013.) (Grifei.)

Portanto, não vejo como excluir da comunhão os rendimentos advindos da empresa da qual o cônjuge da doadora é sócio, sob pena de se desvirtuar a própria natureza do regime.

Lembro que o regime da comunhão parcial de bens funda-se na noção de construção de patrimônio comum durante a vigência do casamento, com separação, de forma geral, apenas dos bens adquiridos ou originados anteriormente.

Dessa forma, deve ser julgada improcedente a representação, pois a doação eleitoral realizada encontra-se dentro do limite de 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo cônjuge da recorrente no ano-calendário de 2013.

Ante o exposto, voto pelo PROVIMENTO do recurso, a fim de julgar improcedente a representação.

É como voto, Senhor Presidente.

 

Des. Luis Alberto D'Azevedo Aurvalle: Senhor Presidente, eu vou pedir vênia à ilustre Relatora para negar provimento ao recurso, com base nos argumentos que foram expendidos pelo ilustre Procurador Regional da República e, principalmente, por uma questão de segurança jurídica, porque vejo que, efetivamente, perante o Tribunal Superior Eleitoral não é esta a situação que vem sendo acatada. Há uma referência ao Recurso Especial Eleitoral 183569, de 2012, que é expresso no sentido de que, para que haja a possibilidade de doação pelo cônjuge que não aufere renda, teria que haver comunhão universal de bens e não comunhão parcial. E, também, já há um julgamento deste Tribunal, da Desembargadora Marga Tessler, de 2010, na Representação 1006, no mesmo sentido. Então, mantendo-me fiel a esta orientação jurisprudencial, eu peço vênia para divergir.

Dr. Silvio Ronaldo Santos de Moraes: Eu acompanho a relatora porque, a meu juízo, o art. 1650, inciso V, realmente tipifica a situação em apreço. Além do que, as provas trazidas aos autos comprovam a fonte dos recursos e eu entendo que, nessas condições, realmente, Vossa Excelência, eminente Relatora, houve por bem aplicar a justiça ao caso. Então, acompanho a relatora.

Dr. Leonardo Tricot Saldanha: É uma questão interessante que traz o Desembargador Aurvalle, e acredito que são motivos ponderáveis e muito significativos, mas no caso específico trata-se de valores tão distantes, o valor percebido pelo cônjuge e o valor da doação, que me parece que a Relatora andou bem ao realizar ao caso específico a melhor decisão. Eu voto com a relatora, Senhor Presidente.

Os demais julgadores seguiram o voto exarado pela Relatora.