REl - 0600258-25.2024.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/05/2025 às 14:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo; a intimação da sentença no mural eletrônico da Justiça Eleitoral se deu em 11.11.2024 e a interposição recursal ocorreu em 12.11.2024.

Outrossim, presentes os demais requisitos ínsitos à tramitação processual.

Destarte, conheço do recurso. Passo à análise de seu mérito.

 

PRELIMINAR 

Sustenta o recorrido DANIEL TRZECIAK DUARTE, em suas contrarrazões, que não teria legitimidade para figurar no polo passivo da demanda por não ser ser beneficiário direto das condutas, caso sejam consideradas irregulares.

Partindo do ponto de que deve haver vínculo subjetivo entre a situação jurídica afirmada na inicial e os sujeitos processuais, tenho ser possível conformar relação entre o objeto da demanda e o representado. Afinal, a responsabilidade pelo conteúdo de uma propaganda eleitoral pode ser suportada, seja porque beneficiário, seja porque tenha dela participado ou mesmo custeado.

Ademais, a apuração de responsabilidades é questão de mérito e como tal deve ser analisada.

Por estes motivos, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada por DANIEL TRZECIAK DUARTE.

 

MÉRITO

De início, importa destacar que a liberdade de pensamento é valor consagrado pela Constituição Federal, a qual, vedando o anonimato, o elenca na condição de direito fundamental previsto em seu art. 5º, inc. IV, para tanto dispondo que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, prevendo também o texto da Carta Magna, no mesmo art. 5º, V, que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

No âmbito do Direito Eleitoral, igualmente se projeta a garantia à liberdade de expressão e de pensamento, vedado o anonimato, assegurando a legislação eleitoral o exercício à livre manifestação do pensamento, estatuindo, no entanto, balizas e penalidades a fim de coibir eventuais desvirtuamentos e abusos à sua prática no curso de campanhas eleitorais.

Nesse sentido, colhe-se a previsão insculpida nos arts. 57-C e 57-D, da Lei n. 9.504/97 – Lei das Eleições:

Art. 57-C.  É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes. (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

§ 1º É vedada, ainda que gratuitamente, a veiculação de propaganda eleitoral na internet, em sítios: (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

I - de pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos; (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

II - oficiais ou hospedados por órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.    (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

[...]

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3o do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 1o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2o A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais).  (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

Outrossim, no que concerne à matéria em apreço, impende também trazer a lume dispositivos da Resolução TSE n. 23.610/19, que dispõe sobre propaganda eleitoral.

Em tal sentido, desse normativo, transcrevo os preceptivos referentes à desinformação na propaganda eleitoral, à publicação e à remoção de conteúdos na internet:

Art. 9º-C É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 1º É proibido o uso, para prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake). (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 2º O descumprimento do previsto no caput e no § 1º deste artigo configura abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, acarretando a cassação do registro ou do mandato, e impõe apuração das responsabilidades nos termos do § 1º do art. 323 do Código Eleitoral, sem prejuízo de aplicação de outras medidas cabíveis quanto à irregularidade da propaganda e à ilicitude do conteúdo. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

[…]

Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57-A). (Vide, para as Eleições de 2020, art. 11, inciso II, da Resolução nº 23.624/2020)

§ 1º A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

[…]

Art. 29. É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos políticos, federações, coligações, candidatas, candidatos e representantes (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, caput). (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)

§ 1º É vedada, ainda que gratuitamente, a veiculação de propaganda eleitoral na internet em sítios (Lei nº 9.504/1997, art. 57- C, § 1º, I e II) :

I - de pessoas jurídicas, com ou sem fins lucrativos;

II - oficiais ou hospedados por órgãos ou por entidades da administração pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 2º A violação do disposto neste artigo sujeita a(o) responsável pela divulgação da propaganda ou pelo impulsionamento de conteúdos e, quando comprovado seu prévio conhecimento, a pessoa beneficiária, à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ou em valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa (Lei nº 9.504/1997, art. 57-C, § 2º) .

[...]

Art. 30. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da internet, assegurado o direito de resposta, nos termos dos arts. 58, § 3º, IV, alíneas a, b e c, e 58-A da Lei nº 9.504/1997, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica e mensagem instantânea (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, caput).

§ 1º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, § 2º).

§ 1º-A A multa prevista no § 1º deste artigo não poderá ser aplicada ao provedor de aplicação de internet. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

§ 2º Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis à(ao) responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação da(o) ofendida(o), a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatas e candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, § 3º).

[…]

Art. 38. A atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático (Lei nº 9.504/1997, art. 57-J).

§ 1º Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.

§ 2º A ausência de identificação imediata da usuária ou do usuário responsável pela divulgação do conteúdo não constitui circunstância suficiente para o deferimento do pedido de remoção de conteúdo da internet.

§ 3º A publicação somente será considerada anônima caso não seja possível a identificação das usuárias ou dos usuários após a adoção das providências previstas no art. 40 desta Resolução.

[…]

Portanto, resta claro que, de acordo com a legislação vigente, o impulsionamento de conteúdo de propaganda eleitoral na internet só pode ter o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações, não podendo, portanto, ser utilizado negativamente para criticar outro candidato.

É nítido que o objetivo do legislador ao permitir o impulsionamento das propagandas na internet, potencializando sobremaneira o seu alcance, foi de promover uma propaganda eleitoral propositiva, assegurando-se aos partidos e às coligações a possibilidade de divulgação de suas ideias e propostas a um número maior de eleitores em um curto espaço de tempo, promovendo e beneficiando seus candidatos ou agremiações.

Em síntese, a propaganda patrocinada (impulsionada) apenas é permitida para fins de promoção ou benefício próprio, sendo vedada a crítica, ainda que lícita, em prejuízo dos adversários.

Reproduzo abaixo a transcrição integral do diálogo que motivou a presente controvérsia:

Marciano Perondi: “Uma outra questão, tem candidato aí que fala, por ser do mesmo governo, vai trazer mais recursos, mas isso não é bem assim, né? Daniel, todas as cidades têm o mesmo direito, ao mesmo acesso a recursos ou tem algum privilégio por uma candidatura ser do mesmo partido, por isso trazer mais recursos.

Acredito que isso não possa acontecer, né?”

Daniel da TV: “O bom prefeito é aquele que está conectado aos anseios da população e atento a todos os programas que são criados pelo governo federal, pelo governo do estado. Bom prefeito é aquele que está buscando solução.

Então não dá pra gente ser um bom prefeito apenas se tiver alinhado com tudo, não é?

Como eu, por exemplo, fui deputado federal no governo Bolsonaro, sou deputado federal no governo Lula e tenho minhas posições claras e trabalho. Tenho que ter liberdade, coerência, coragem e trânsito para buscar solução. Porque, como eu disse, nós que moramos aqui queremos ter um hospital melhor, uma saúde melhor.” Daniel da TV (continuação): “Quem entra no hospital não é questionado se votou em A ou se votou em B. A pessoa precisa ser atendida.

Quem anda por uma rodovia não é questionado se é A ou B, independente da sigla, independente do presidente da República. Eu como deputado, mas assim, como pelotense. Eu quero uma cidade melhor, com sintonia. Sintonia com o prefeito, sintonia com o cidadão, para a gente buscar a melhor solução.”

 

Tal qual ressai do teor transcrito, in casu, ainda que sem citar nominalmente o seu adversário, o recorrente expõe uma evidente crítica à estratégia de benefício do alinhamento político entre eventual futura Administração Municipal com o Governo Federal, atribuindo desacerto a esta opção política. A divulgação não se limita à demonstração da atuação parlamentar de um dos interlocutores, mas se concentra em tecer crítica ao chamado “alinhamento político”, utilizando-se de comparações para reforçar tal ideia, como nos trechos em que é dito “tem candidato aí que fala, por ser do mesmo governo, vai trazer mais recursos, mas isso não é bem assim, né?” e “tem algum privilégio por uma candidatura ser do mesmo partido, por isso trazer mais recursos. Acredito que isso não possa acontecer, né?”.

Ressalto que não é necessário aferir se aos trechos são ofensivos ou propalam fato sabidamente inverídico para a incidência da vedação. Em realidade, a autorização de impulsionamento ocorre apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações, sendo suficiente a referência crítica ou em demérito do concorrente para a infringência da norma.

Nesse sentido, é a jurisprudência do colendo TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2018. REPRESENTAÇÃO. GOVERNADOR. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. INTERNET. ART. 57–C, § 3º, DA LEI 9.504/97. POSTAGENS. FACEBOOK. IMPULSIONAMENTO. DESPROVIMENTO.1. O art. 57–C, caput, e § 3º, da Lei 9.504/97 permite o impulsionamento de conteúdo na internet, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações, candidatos e seus representantes, com a finalidade de promover candidaturas. Precedentes.2. No caso, de acordo com a Corte local, "as publicações não trouxeram de forma propositiva a imagem dos agravantes e o pedido de votos, ao contrário, através da associação de imagens e legendas, buscaram incutir no eleitor a ideia de 'não voto' no candidato agravado", o que, portanto, foge da regra prevista nos referidos dispositivos.3. As limitações impostas à propaganda eleitoral não afetam os direitos constitucionais de livre manifestação do pensamento e de liberdade de informação. Precedentes.4. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 060337225, Acórdão, Relator Min. Luis Felipe Salomão, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 56, Data 23,03,2020,) Grifei.

 

Esta Corte encontra-se alinhada a tal entendimento, como podemos extrair de recente julgado de relatoria do Excelentíssimo Desembargador Mário Crespo Brum:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. RECURSO. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. IMPULSIONAMENTO. VEDAÇÃO. APLICAÇÃO DE MULTA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1.1. Recurso interposto contra sentença que julgou procedente representação pela prática de propaganda eleitoral negativa, por meio de postagens com impulsionamento patrocinado, condenando os recorrentes ao pagamento de multa de R$ 5 .500,00. 1.2. Os recorrentes sustentam que a postagem impugnada não menciona explicitamente os candidatos adversários e que a multa é desproporcional. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2.1. Há duas questões em discussão: (i) saber se houve propaganda eleitoral negativa no conteúdo impulsionado, mesmo sem menção nominal aos adversários; (ii) saber se a multa imposta foi proporcional. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.1. O art. 57–C, § 3º, da Lei n. 9.504/97 e os arts. 28, § 7º–A, e 29, § 3º, da Resolução TSE n. 23.610/19 vedam o uso de impulsionamento para a divulgação de propaganda eleitoral negativa, sendo permitido apenas para promover ou beneficiar candidatas e candidatos ou suas agremiações. 3.2. Na hipótese, ainda que sem citar nominalmente seus adversários, o recorrente expõe crítica sobre o estado precário de via, atribuindo a situação à atual gestão municipal. O candidato contrasta sua gestão anterior com a atual, utilizando–se de comparações para reforçar a suposta desídia da administração que procura suceder. Configurada propaganda eleitoral negativa. Infringência à proibição normativa quanto ao impulsionamento patrocinado. 3.3. A multa fixada é compatível com a gravidade da conduta, considerando a reiteração da irregularidade pelos recorrentes. Manutenção da sentença. IV. DISPOSITIVO E TESE 4.1. Recurso desprovido. Tese de julgamento: “O impulsionamento de conteúdo na internet deve ser utilizado exclusivamente para promover ou beneficiar candidaturas, sendo vedada sua utilização para a divulgação de propaganda eleitoral negativa, ainda que indireta, a candidato adversário.” Dispositivos relevantes citados: Lei n. 9.504/97, art. 57–C, § 3º; Resolução TSE n. 23.610/19, arts. 28, § 7º–A, e 29, § 3º . Jurisprudência relevante citada: TSE, Rp n. 060147212/DF, Rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, Acórdão de 03 .05.2024.

(TRE-RS - REl: 06006464220246210093 VENÂNCIO AIRES - RS 060064642, Relator.: Mario Crespo Brum, Data de Julgamento: 25.02.2025, Data de Publicação: DJE-38, data 27.02.2025.) Grifei.

 

Por tal fundamento, entendo que o recurso merece provimento, para aplicar a pena de multa individual no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), patamar mínimo, conforme o art. 57-C, § 2º, da Lei n. 9.504/97, aos recorridos MARCIANO PERONDI, ADRIANE GARCIA RODRIGUES, DANIEL TRZECIAK DUARTE e COLIGAÇÃO PELOTAS VOLTANDO A CRESCER!, tendo em vista que a propaganda eleitoral impugnada desobedeceu ao art. 57-C, § 3º, da Lei n. 9.504/97, não havendo notícia de que se trate de reincidência.

Diante do exposto, VOTO por DAR PROVIMENTO ao recurso interposto por COLIGAÇÃO NOVA FRENTE POPULAR, para, reconhecendo o impulsionamento de propaganda eleitoral com conteúdo negativo, aplicar pena de multa individual no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) aos recorridos MARCIANO PERONDI, ADRIANE GARCIA RODRIGUES, DANIEL TRZECIAK DUARTE e COLIGAÇÃO PELOTAS VOLTANDO A CRESCER!.