REl - 0600585-35.2024.6.21.0077 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/05/2025 às 14:00

VOTO

Inicialmente, rejeito as preliminares arguidas nas contrarrazões de Vitória Alves, de perda do objeto e do interesse recursal.

É pacífico o entendimento de que após o transcurso do pleito não há perda do objeto das representações eleitorais que preveem o sancionamento com pena de multa e de remoção do conteúdo ofensivo (TRE-RS, RP n. 0603482-44.2022.6.21.0000, Rel. Des. Fed. Rogerio Favreto, Publicado em Sessão em 25.10.2022). A superveniência das eleições não implica prejudicialidade do pedido de remoção de conteúdo ilícito (TSE, Rp n. 0601373-42/DF, Rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, sessão de 08.8.2023).

Além disso, não há previsão de afastamento da multa em caso de cumprimento da decisão liminar que determina a remoção do conteúdo ou de eleição dos candidatos supostamente ofendidos com a propaganda irregular, pois o juízo de procedência da representação não depende da demonstração da potencialidade de interferência no pleito ou comprovação da ofensa à legitimidade da eleição.

Assim, rejeito as preliminares.

No mérito, trata-se de recurso eleitoral interposto por Luciano de Almeida Alves e Lucas Augusto Fagundes contra a sentença do juízo da 077ª Zona Eleitoral de Osório, que julgou improcedente a representação por eles ajuizada contra Vitória Alves e Antônio Pedroso, bem como contra  a coligação Maquiné Merece Mais, por suposta prática de calúnia eleitoral.

Os recorrentes alegam que os recorridos disseminaram vídeo em que um primo de Luciano o acusa de ser racista, acompanhado de prints que teriam sido manipulados, com o objetivo de influenciar negativamente o pleito eleitoral. Reproduzo a transcrição do vídeo divulgado pelos recorridos nas redes sociais:

Povo de Maquiné, eu estou vindo até vocês trazer esse vídeo para que vocês saibam quem realmente é esse bastardo que se lançou candidato à prefeitura do nosso município (grifos meus). O que mais me indignou foi ter visto ele no meio de dois negros durante a campanha eleitoral dele, sendo ele o racista que ele é (grifos meus) e eu conheço ele muito bem, muito melhor do que a maioria de vocês, porque ele é meu primo, infelizmente. A gente foi criado praticamente junto, e eu sei muito bem como ele se refere a pessoas de cor negra (grifos meus), porque eu sou descendente de negro com muito orgulho. A minha mãe era negra, os meus avós eram negros, e eu tenho muito orgulho dessa raça, inclusive raça que ele também pertence, porque ele também é descendente.

Então, pessoal, quem achar que isso aqui é manipulação, é fake news e esse blá blá blá inteiro, eu desafio que faça perícia nas redes sociais dele.

Porque qualquer imbecil sabe que nada fica realmente apagado da internet. Tanto é que os peritos são capazes de recuperar postagens, fotos, vídeos, mensagens. Tudo que fizer parte de uma investigação criminal é recuperado. Então eu vou deixar os prints aqui para vocês e vocês tirem suas conclusões sobre o candidato de vocês.

 

Em análise inicial, a juíza de primeiro grau entendeu que os fatos narrados nos autos remetem a um histórico de desavenças familiares entre os envolvidos, sem prova suficiente de que a disseminação do vídeo teve motivação eleitoral, sendo insuficiente, para configurar prática de calúnia eleitoral, a alegação de que o vídeo foi amplamente compartilhado.

Os recorrentes, em sede recursal, reafirmam que o conteúdo do vídeo comprometeu sua honra e idoneidade, ferindo os princípios que regem a igualdade no pleito eleitoral. Argumentam que a publicação e disseminação do vídeo extrapolam os limites da liberdade de expressão e configuram imputação de fato criminoso, uma vez que a acusação de racismo é uma ofensa grave, especialmente em um contexto político. Alegam, ainda, que a sentença desconsiderou o impacto do vídeo sobre o eleitorado e que houve negligência quanto à conexão entre os recorridos e a campanha adversária, especialmente Antônio Pedroso, que não apresentou defesa, tendo sido decretada sua revelia.

Nas contrarrazões, Vitória Alves sustenta que a publicação do vídeo não teve qualquer relação com o processo eleitoral, sendo reflexo de um conflito pessoal e familiar. Ressalta que o autor do vídeo, seu irmão Hariel, agiu de forma autônoma, expondo vivências pessoais relacionadas ao recorrente Luciano, sem qualquer motivação política. Afirma, ainda, que o vídeo e os comentários refletem seu direito de liberdade de expressão, protegido pela Constituição Federal, e que a suposta adulteração dos prints utilizados no vídeo carece de comprovação técnica, uma vez que os recorrentes não diligenciaram a perícia nos documentos.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral bem observa que há impossibilidade de condenação criminal nestes autos por eventual prática de calúnia eleitoral (art. 324 do CE), uma vez que o presente processo se trata de representação por propaganda irregular, e não de ação penal, e que “como se sabe, as infrações penais definidas no CE são de ação pública (art. 355), cuja titularidade cabe, portanto, ao Ministério Público”.

Quanto ao conteúdo divulgado, concordo com o juízo de origem que, ao apreciar o mérito, destacou que a Justiça Eleitoral deve atuar de forma restritiva quando se trata de manifestações de pensamento, preservando a liberdade de expressão, salvo em casos de calúnia ou difamação eleitoral comprovadas de forma inequívoca. Entendeu que, no presente caso, a natureza das acusações reflete mais um desdobramento de disputas familiares do que um ataque articulado para influenciar o resultado do pleito.

Ao reexaminar os autos, verifica-se que os argumentos apresentados no recurso não possuem força suficiente para infirmar as razões expostas na sentença. Ainda que o vídeo contenha acusações graves, não se demonstrou, de maneira cabal, que houve divulgação de fato reputado como calunioso.

Isso porque, conforme aponta a Procuradoria Regional Eleitoral, o entendimento deste Tribunal é no sentido de que “A veiculação de propaganda eleitoral que impute crimes a candidato, sem embasamento fático ou jurídico, caracteriza difamação e calúnia, configurando propaganda eleitoral irregular” (TRE-RS, REl n. 0600381-45.2024.6.21.0059, Relator Des. Mario Crespo Brum, publicado em Mural em 13.11.2024).

Entretanto, na hipótese dos autos, pondera o Parquet eleitoral que “a grave imputação tem base em uma captura de tela (ID 45798426), na qual LUCIANO, supostamente, teria se referido a algumas pessoas como ‘macacos’. Tal documento foi impugnado pelos representantes, mas não foram reunidas provas que demonstrassem sua inveracidade. Assim, tem-se que o vídeo veiculado durante o período eleitoral contém definição dentro do espectro possível de significação do termo utilizado pelo candidato; e, por consequência, não caracteriza abuso do direito constitucional à livre manifestação do pensamento”.

Acolho, nesse ponto, os judiciosos argumentos da Procuradoria Regional Eleitoral, especialmente porque a liberdade de expressão, embora não absoluta, goza de especial proteção no contexto eleitoral, principalmente em relação às manifestações de eleitores ou particulares.

A Justiça Eleitoral deve intervir apenas em casos em que o abuso do direito seja evidente, o que não é o caso aqui, dada a ausência de provas robustas quanto à adulteração das mensagens. Ademais, consoante consta da sentença: “(...) com o exercício do contraditório no processo, foram juntados documentos e narrados fatos que levam a concluir que o caso foge da esfera eleitoral, e decorre de uma desavença entre as famílias das partes, envolvendo acusações tanto de injúria quanto de ameaças, o que, conforme os documentos juntados pela Representada Vitória (ID 124458623 e 124467955), ensejaram mais de um processo criminal”.

Esse conflito familiar definitivamente refoge ao estreito âmbito de jurisdição e competência da Justiça Eleitoral.

DIANTE DO EXPOSTO, rejeito a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.