REl - 0600419-73.2024.6.21.0086 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/05/2025 às 14:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo; a sentença foi publicada no PJE em 14.11.2024 e a interposição recursal deu-se na data de 15.11.2024.

Outrossim, encontram-se presentes os demais requisitos ínsitos à tramitação recursal.

Destarte, conheço do recurso. Passo à análise do mérito.

 

MÉRITO

No presente caso, tal qual já referido no relatório, a análise técnica apontou duas irregularidades não sanadas, com impacto significativo no conjunto das contas: (a) recurso de origem não identificada (RONI). A emissão de nota fiscal no valor de R$ 100,00, vinculada ao CNPJ de campanha e não registrada na prestação de contas, configura infração ao art. 14 da Resolução supracitada; (b) gastos com locação de veículos acima do limite legal. Verificou-se que a candidata aplicou R$ 5.370,00 em locação de veículos, utilizando recursos do FEFC, o que representa 74,63% dos gastos totais de campanha (R$ 7.194,00). Tal percentual ultrapassa o limite de 20% previsto no art. 42, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19. O valor excedente, R$ 3.931,20, deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, conforme dispõe o art. 79.

A recorrente sustenta, em síntese, que as condições peculiares de seu município, de pequeno porte e com população predominantemente rural e sem acesso a meios de comunicação, justificariam os gastos com locação de veículos como forma mais eficiente de contato com o eleitorado.

No tocante à nota fiscal não registrada, argumenta tratar-se de equívoco do fornecedor, sem que tenha havido gasto de campanha ou má-fé de sua parte.

Todavia, as alegações apresentadas não afastam as irregularidades apontadas, tampouco infirmam o caráter objetivo da norma eleitoral.

Sobre o valor de R$ 100,00 lançado indevidamente em nota fiscal vinculada ao CNPJ de campanha, sem correspondente lançamento na prestação de contas, não se vislumbra prova idônea de cancelamento ou retificação.

A explicação de que se tratou de erro do fornecedor, embora plausível, não foi suficiente para afastar a irregularidade, que enseja recolhimento do valor ao erário.

Mesmo que, das justificativas apresentadas, se identifique a ausência de má-fé por parte da recorrente, diante do ínfimo valor da nota (R$ 100,00), a realização de gasto em CNPJ de campanha sem o lançamento na prestação de contas e o pagamento por meio de recursos arrecadados para a eleição não podem ser considerados regulares, tampouco se pode dizer que atendem às determinações legais vigentes para aplicação e comprovação de recursos financeiros.

Assim, considera-se irregular o montante de R$ 100,00, passível de recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme o art. 14 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou da candidata ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º) .

§ 1º Se comprovado o abuso do poder econômico por candidata ou candidato, será cancelado o registro da sua candidatura ou cassado o seu diploma, se já houver sido outorgado (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º) .

§ 2º O disposto no caput também se aplica à arrecadação de recursos para campanha eleitoral os quais não transitem pelas contas específicas previstas nesta Resolução.

 

Conforme ressai da jurisprudência capitaneada pelo colendo TSE, a ausência de integração de nota fiscal emitida para o CNPJ de campanha na prestação de contas pode configurar omissão de gastos eleitorais, comprometendo a transparência e a lisura das contas, sendo passível de desaprovação. Nesse sentido:

ELEIÇÕES 2018. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. CANDIDATO. PRESIDENTE DA REPÚBLICA. CONTRADIÇÃO. GASTOS COM PASSAGENS E HOSPEDAGENS. PARCIALMENTE REGULARES. COMISSÃO DE INTERMEDIAÇÃO. VALORES JÁ INCLUSOS. DUPLICIDADE DE REGISTRO. DESNECESSIDADE. PROVIMENTO. 1. Segundo o órgão técnico, constatou–se a realização de despesa sem o registro na prestação de contas de campanha, sugerindo–se a devolução do montante de R$ 26 .573,90, a ser recolhido ao Tesouro Nacional. Omissão de despesas consistentes em notas fiscais eletrônicas emitidas em favor da campanha obtidas pelo cruzamento de informações 2. Os documentos fiscais emitidos pela empresa MGA Tour, nos valores de R$3.353,79 e R$23 .130,13, já integraram as despesas pagas e discriminadas em relatórios apresentados pelo prestador. 3. Os custos com a comissão pagos pela intermediação da emissão de passagens e hospedagens estão inclusos nos valores já pagos, não devendo ser novamente discriminados como despesas, sob pena de duplicidade de registro. 4. A emissão de nota fiscal pela empresa prestadora constitui obrigação tributária, necessária ao seu regular funcionamento e regularidade. Embargos de declaração providos, com efeitos infringentes, para considerar afastada a irregularidade e a conseguinte determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 26.573,90, mantida da reprovação das contas.

(TSE – PCE: 06017298120186070000 BRASÍLIA – DF 060172981, Relator.: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 11.05.2023, Data de Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 106.)

 

Com relação à extrapolação dos gastos com aluguel de veículos, é pacífico o entendimento de que o limite de 20% estabelecido no art. 26, inc. II, da Lei n. 9.504/97, integrado ao art. 42, inc. II, da Resolução TSE n 23.607/19, possui natureza objetiva, visando preservar a paridade de armas entre os candidatos, e sua inobservância acarreta irregularidade insanável, ainda que com justificativas de ordem prática ou regional.

Conforme se observa, o art. 26 da Lei n 9.504/97 reforça que os gastos com aluguel de veículos automotores são considerados despesas eleitorais sujeitas a registro e limites fixados, sendo vedada a extrapolação desses limites, consoante transcrevo:

Art. 26. São considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)

[…]

II – aluguel de veículos automotores: 20% (vinte por cento). (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)

Por seu turno, o art. 42, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19 limita os gastos com locação de veículos automotores a 20% do total de despesas de campanha, sendo que a extrapolação desse limite pode comprometer a confiabilidade das contas e ensejar sua desaprovação, conforme reproduzo:

Art. 42. São estabelecidos os seguintes limites em relação ao total dos gastos de campanha contratados (Lei nº 9.504/1997, art. 26, § 1º):

[…]

II – aluguel de veículos automotores: 20% (vinte por cento).

Ainda, a jurisprudência do TSE tem sido clara ao considerar que irregularidades que ultrapassem limites percentuais ou valores absolutos significativos não permitem a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovação das contas com ressalvas.

Por exemplo, no caso analisado no REspEl n. 060029227, a extrapolação de 24,28% do limite de gastos com locação de veículos foi considerada grave, impedindo a aprovação com ressalvas:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE GASTOS COM LOCAÇÃO DE VEÍCULO. PERCENTUAL RELEVANTE. PLEITO DE APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INVIABILIDADE. NÃO PROVIMENTO. SÍNTESE DO CASO 1. O Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe, por unanimidade, deu provimento parcial a recurso para julgar apresentadas e desaprovadas as contas de campanha de candidata ao cargo de vereador do Município de Barra dos Coqueiros/SE, por extrapolação do limite de gastos com locação de veículos em R$ 1.214,03, montante que representou 24,28% da receita total auferida. 2. Por meio de decisão monocrática, foi negado seguimento ao recurso especial, nos termos do art. 36, § 6º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral. 3. Seguiu–se a interposição de agravo interno. ANÁLISE DO SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL 4. "O art. 36, § 6º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral RITSE permite que o Relator negue seguimento a recurso especial eleitoral ¿em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior', inexistindo mácula na decisão monocrática proferida com amparo nesse dispositivo normativo" (AgR–AI 33–02, rel . Min. Edson Fachin, DJE de 10.12.2019). 5. O acórdão regional e a decisão agravada estão em harmonia com a orientação jurisprudencial consolidada no Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que a extrapolação dos limites previstos para gastos com aluguel de veículo é irregularidade apta, em tese, a ensejar a desaprovação das contas. 6. Consta do aresto regional que a quantia excedente na locação de veículos representou 24,28% da receita total auferida pelo prestador de contas, o que impede a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ao caso concreto, preceitos cuja incidência demanda que "(a) os valores considerados irregulares não ultrapassem o valor nominal de 1. 000 Ufirs (R$ 1.064,00); (b) as irregularidades, percentualmente, não podem superar 10% do total; e (c) as irregularidades não podem ter natureza grave" (AgR–REspEl 0601306–61, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE de 23. 11.2020). 7. Quanto à alegação de que não subsistiria a irregularidade ante o recolhimento do respectivo valor por Guia de Recolhimento da União, a Corte Regional Eleitoral consignou que o aludido documento foi juntado aos autos sem nenhum registro de pagamento, conclusão insindicável em sede extraordinária. 8. Não foi comprovado o dissídio jurisprudencial, seja pela incidência da Súmula 30/TSE, seja pela não demonstração da similitude fática entre os julgados apontados como paradigma e o decisum regional. CONCLUSÃO Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE – REspEl: 060029227 BARRA DOS COQUEIROS – SE, Relator.: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 30.03.2023, Data de Publicação: 19.04.2023.)

 

Ademais, gize-se, irregularidades que representem percentual superior a 10% do total arrecadado ou despesas realizadas não podem ser consideradas inexpressivas, impedindo a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

No caso em apreço, o total das irregularidades representa 53,79% do montante arrecadado na campanha, o que ostenta gravidade suficiente para a desaprovação das contas da recorrente, na conformidade da orientação consolidada na jurisprudência, tal qual destaco no julgado abaixo reproduzido:

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (12626) Nº 0600397–37.2020.6.16 .0169 (PJe) – NOVA CANTU – PARANÁ Relator.: Ministro Mauro Campbell Marques Agravante: Tiago Elicker Raymundo Advogado: Guilherme de Salles Gonçalves – OAB/PR 21989 Recorrido: Ministério Público Eleitoral ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÕES MUNICIPAIS. OMISSÃO DE DESPESAS. VÍCIO GRAVE. PERCENTUAL ELEVADO. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. REJEIÇÃO DAS CONTAS NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. ENTENDIMENTO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO TSE. ENUNCIADO Nº 30 DA SÚMULA DO TSE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O TRE/PR manteve a sentença que desaprovou as contas de campanha do agravante, que concorreu ao cargo de vereador pelo Município de Nova Cantu/PR nas eleições de 2020, ao entendimento de que foi constatada irregularidade grave, capaz de comprometer a lisura e a confiabilidade da prestação das contas, totalizando a quantia de R$ 970,15, correspondente a 40,23% do total de recursos movimentados pelo candidato. 2. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, nos processos em que se examina prestação de contas, devem ser observados alguns critérios que podem viabilizar a aprovação das contas com ressalvas sob a ótica dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, sendo eles: (a) irregularidade não pode ultrapassar o valor nominal de 1 .000 Ufirs (R$ 1.064,00); (b) seu percentual não pode superar 10% do total; e (c) a natureza não pode ser grave. Precedentes. 3. Na espécie, como registrado alhures, a irregularidade é de natureza grave e o seu percentual ultrapassa, em muito, o limite de 10% dos recursos aplicados na campanha, o que impossibilita a aplicação dos referidos princípios ao caso em debate. 4. A decisão regional está em consonância com o entendimento desta Corte Superior sobre o tema. Dessa forma, incide na espécie o Enunciado Sumular nº 30 do TSE, segundo o qual “não se conhece de recurso especial eleitoral por dissídio jurisprudencial, quando a decisão recorrida estiver em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral” . 5. Negado provimento ao agravo em recurso especial.

(TSE – AREspEl: 06003973720206160169 NOVA CANTU – PR 060039737, Relator: Min. Mauro Campbell Marques, Data de Julgamento: 29.08.2022, Data de Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônico, Tomo 175.)

 

Portanto, com base nos documentos analisados, a omissão de registro de nota fiscal emitida para o CNPJ de campanha da candidata e a extrapolação do limite de gastos com aluguel de veículos por ela realizado configuram irregularidades graves e que não admitem a aprovação com ressalvas, por abranger significativa parcela das suas contas eleitorais.

Diante do exposto, VOTO por NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto por MARCIA MULLER PEDROLO, mantendo-se integralmente a sentença de primeiro grau.