REl - 0600318-76.2024.6.21.0105 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/05/2025 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a controvérsia diz respeito à imputação de abuso do poder político e conduta vedada a agente público com fundamento na suposta utilização da estrutura administrativa do Município de Campo Bom/RS pelo então Prefeito Luciano Orsi, para fins eleitorais, nas Eleições Municipais de 2024.

Segundo o autor da ação, ora recorrente, o então prefeito teria gravado e divulgado vídeo, em rede social pessoal, valendo-se de documentos públicos obtidos por prerrogativa do cargo e, ainda, das dependências da Prefeitura, com o intuito de desqualificar o adversário político e beneficiar a chapa integrada por Giovani Feltes e Genifer Engers.

O vídeo em questão apresenta o recorrido Luciano Orsi mencionando a propositura de interpelação judicial contra o ora recorrente, em resposta a declarações emitidas em debate público, tendo por contexto documentos relacionados a uma licitação municipal. Aponta-se, ainda, que a gravação teria se dado em imóvel público, o que, no entender do recorrente, configuraria violação ao art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, bem como abuso do poder político nos moldes do art. 22, caput, da LC n. 64/90.

Contudo, não assiste razão ao recorrente.

Não há nos autos prova robusta de que o vídeo tenha sido produzido nas dependências da Prefeitura, tampouco de que tenha havido mobilização de pessoal, equipamentos ou recursos públicos para a sua realização.

A gravação foi divulgada em perfis pessoais da rede social e apresenta o recorrido Luciano Orsi, à época prefeito municipal, informando o ajuizamento de interpelação judicial contra o recorrente, em razão de supostas denúncias de fraude em procedimento licitatório (ID 45765063).

Embora o discurso tenha tom crítico e duro, próprio do embate político, não contém pedido explícito de voto, exaltação de candidatura ou referência a propostas eleitorais, limitando-se a contrapor a afirmação de fraude, exigir provas e qualificar como mentirosa a imputação realizada pelo candidato Faisal durante o debate eleitoral.

Embora o recorrente assevere que a gravação ocorreu nas dependências da Prefeitura, não existem elementos visuais ou referenciais capazes de confirmar tal alegação, tais como símbolos oficiais, logomarcas institucionais ou sinalização funcional.

Por sua vez, em sua contestação, Luciano Orsi acostou imagens nas quais demonstra que as paredes, mobiliários e janelas presentes no plano de fundo da gravação são compatíveis com aqueles que se observam no apartamento particular em que reside (ID 45765082 e 45765083), infirmando a alegação de uso de bem público para a produção de propaganda eleitoral negativa.

Não se demonstrou, igualmente, que os documentos exibidos na postagem fossem sigilosos ou obtidos de forma privilegiada, tratando-se de informações disponíveis ao público em geral.

Com efeito, o procedimento licitatório é, em regra, um expediente público, disponível a qualquer interessado por meio do Portal Transparência ou a partir dos mecanismos jurídicos de acesso previstos na Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527/11).

Finalmente, não está demonstrado, mediante provas robustas, o uso de servidores, equipamentos ou outros bens públicos, móveis ou imóveis, na produção e divulgação do vídeo, o que, de imediato, afasta a caracterização da conduta vedada ventilada nas razões recursais.

Sob a perspectiva do abuso de poder, ainda que se reconheça a alta repercussão da postagem, que alcançou milhares de visualizações, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é uníssona ao exigir, para a caracterização do abuso, não apenas o alcance do conteúdo, mas sua gravidade qualitativa e o desvio funcional do poder de autoridade pública, circunstâncias não cabalmente comprovadas no caso em exame.

Nesse sentido, colho o seguinte julgado:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. CONFIGURAÇÃO. SANÇÕES PECUNIÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE GRAVIDADE DAS CONDUTAS. ABUSO DO PODER ECONÔMICO E POLÍTICO NÃO CONFIGURADO. INCIDÊNCIA DOS VERBETES SUMULARES 24 E 30 DO TSE. NÃO PROVIMENTO.SÍNTESE DO CASO […]. 9. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a configuração do abuso de poder demanda a existência de prova inequívoca de fatos que tenham a dimensão bastante para desigualar a disputa eleitoral, haja vista que não se admite reconhecer o abuso de poder com fundamento em meras presunções acerca do encadeamento dos fatos imputados aos investigados. Precedentes. 10. O Tribunal Superior Eleitoral exige, para a caracterização do abuso de poder, que a gravidade dos fatos seja comprovada de forma robusta e segura a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). Nesse sentido: AIJE 0600814-85, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 2.8.2023; REspEl 0600840-72, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, DJE de 2.2.2024; e AIJE 0601779-05, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE de 11.3.2021.CONCLUSÃOAgravo em recurso especial eleitoral a que se nega provimento.

Agravo em Recurso Especial Eleitoral n. 060098479, Acórdão, Min. Floriano De Azevedo Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 31.05.2024. Grifei.

 

Diante do quadro delineado nos autos, a conduta atribuída aos recorridos não alcança o patamar de desvio da estrutura administrativa ou de poderes inerentes ao cargo para fins eleitorais e não apresenta gravidade apta a comprometer a normalidade do pleito.

A simples publicação de vídeo com crítica política, sem o uso comprovado de estrutura pública, pessoal ou bens do ente federativo, não basta à configuração dos ilícitos.

Portanto, não se constata, na hipótese, a ocorrência dos requisitos legais para o reconhecimento de abuso de poder político ou de conduta vedada.

No que se refere ao pedido formulado pelos recorridos em sede de contrarrazões, quanto à condenação do recorrente por litigância de má-fé, também não há elementos que justifiquem o seu acolhimento.

Conforme os arts. 80 e 81 do Código de Processo Civil, a configuração da litigância de má-fé exige prova inequívoca de dolo processual, manifestado pela distorção intencional dos fatos, resistência infundada ao andamento do processo ou utilização abusiva da jurisdição para fins escusos.

No caso em análise, ainda que a Ação de Investigação Judicial Eleitoral tenha sido julgada improcedente, observa-se que o recorrente agiu dentro do legítimo exercício de seu direito de ação, fundamentando suas alegações em interpretação razoável dos fatos e das provas colhidas.

A má-fé, como elemento subjetivo, não pode ser presumida a partir da simples debilidade probatória ou do insucesso da demanda. Trata-se de instituto de aplicação excepcional, condicionado à comprovação de que a parte agiu de forma dolosa, com o objetivo de tumultuar o processo ou obter vantagem indevida, o que não se verifica na presente situação.

Nesse contexto, o ajuizamento da presente AIJE não caracteriza abuso do direito de ação ou qualquer conduta desleal que autorize a aplicação de penalidade processual por litigância de má-fé.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso eleitoral, mantendo-se a sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral, e pelo indeferimento do pedido de condenação do recorrente por litigância de má-fé.