REl - 0600289-35.2024.6.21.0005 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/05/2025 às 09:00

VOTO

O recurso é tempestivo e, preenchidos os demais requisitos de admissibilidade, merece ser conhecido.

Os presentes autos envolvem a conduta descrita no art. 73, inc. I, da Lei das Eleições, que assim dispõe:

art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;
 

O doutrinador Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, Editora JusPodivm, 10ª edição, pág. 807-808) traz lição sobre as condutas vedadas:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC nº 16/97. A ideia da criação da figura jurídica das condutas vedadas é justamente evitar o uso da administração pública como forma de desequilibrar a competição eleitoral . Essas condutas são apontadas como mecanismos de desvio de finalidade, com conteúdo de ilicitude de caráter objetivo.

[...]

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, desnecessário qualquer cotejo com eventual vulneração à normalidade ou legitimidade do pleito. Basta apenas seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. O legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

 

O texto legal veda a cessão ou o uso na campanha de bens móveis e imóveis da Administração Pública, em benefício de candidato, partido político ou coligação.

Na espécie, a irresignação pretende a reforma da sentença que reconheceu a prática da conduta vedada prescrita no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, em decorrência de gravação e utilização em rede social (instagram) de imagens capturadas em escola municipal (EMEB José Antônio Vilaverde de Moura, situada na Rua Pedro Carneiro Pereira, 247, Bairro Piola Alegrete/RS).

Sustentam, para tanto, os seguintes argumentos: a) que o vídeo não foi gravado em local de acesso restrito, mas sim, em áreas comuns da escola, como hall de entrada e corredores, locais em que ocorreram as interlocuções com pessoas; b) que não se constitui conduta vedada, por si, a gravação de vídeo em escola municipal; c) que não houve qualquer espécie de tratamento privilegiado ao recorrente Jesse; d) que não houve interrupção do serviço público e das atividades escolares; e) que as filmagens ocorreram em relação a evento alusivo ao dia dos pais.

A sentença (ID 45760421) bem apreciou a tese dos recorrentes nos seguintes termos:

Analisando os autos e, principalmente o vídeo anexo à inicial (até os primeiros 15 segundos), verifica-se que Jesse Trindade dos Santos gravou imagens em uma escola, as quais foram publicadas em sua rede social no dia 21/08/22024.

Quanto à informação de terem sido gravadas em data anterior à informada na inicial, não é relevante para o enquadramento da conduta vedada, mas sim a data de sua divulgação (21/08/2024).

No que se refere à alegação de terem sido gravadas em áreas comuns de livre circulação de pessoas, não merece prosperar. No vídeo, verifica-se que há imagens capturadas em sala de aula, com funcionários e alunos. Ainda, observo que, ao contrário do alegado pela defesa, esses espaços (sala de aula e corredores) não são de livre acesso ao público em geral, inclusive, para resguardar a segurança dos alunos.

Relativamente à vedação do manuseio de imagens produzidas em bens públicos, a legislação não veda quando produzidas em ambiente de livre circulação ao público em geral, o que não é o caso das salas de aulas e dos corredores das escolas municipais. Segue jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul nesse sentido:

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. PLEITO MAJORITÁRIO. CANDIDATOS ELEITOS. IMPROCEDÊNCIA. ABUSO DE PODER. CONDUTA VEDADA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE AFASTADA.

PRESSUPOSTOS PARA CARACTERIZAÇÃO DA COMPRA DE VOTO NÃO PREENCHIDOS. ACERVO PROBATÓRIO FRÁGIL. NÃO EVIDENCIADA ANUÊNCIA OU PARTICIPAÇÃO DOS CANDIDATOS. ABUSO DE PODER NÃO DEMONSTRADO. DIVULGAÇÃO DE ATOS DE GESTÃO DENTRO DO PERMISSIVO LEGAL. COMPROVADA A PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA. USO DE IMAGENS DE BENS IMÓVEIS DA ADMINISTRAÇÃO POR AGENTE PÚBLICO. VANTAGEM INERENTE AO CARGO, INACESSÍVEL AOS DEMAIS CANDIDATOS. DESRESPEITO À PARIDADE DE ARMAS NO PLEITO. AUSENTE PREJUÍZO AO ERÁRIO. MULTA APLICADA EM SEU PATAMAR MÍNIMO. REMESSA DE CÓPIA À AUTORIDADE POLICIAL PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE, por abuso de poder político, cumulada com representações por prática de condutas vedadas e captação ilícita de sufrágio, proposta em desfavor dos recorridos, reeleitos no pleito majoritário.

2. Preliminar de ausência de dialeticidade afastada. Demonstradas as razões do inconformismo com a sentença hostilizada.

3. A captação ilícita de votos disposta no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 necessita, para ser caracterizada, a verificação de uma das condutas previstas no tipo, o fim de obter voto e a participação ou anuência do candidato beneficiário. O acervo probatório não apresenta a robustez necessária para a comprovação do ilícito, visto não demonstrar a concordância dos candidatos pretensamente beneficiários, sua participação, datas, contextos e identidade dos interlocutores.

4. No mesmo sentido, não demonstrada a prática do abuso de poder previsto no art. 22 da LC n. 64/90. A vedação ao abuso de poder objetiva preservar a legitimidade do pleito e, para sua configuração, considera-se precipuamente a gravidade da conduta, sem a necessidade da demonstração de que o resultado das urnas foi influenciado. A divulgação de atos de gestão, visando à reeleição, é legítima e não desborda do comportamento típico das candidaturas em campanha para continuidade do mandato.

5. Conduta vedada. Utilização de imagens de interior de escola pública e centros de saúde em material de propaganda eleitoral, cujas fotografias vêm acompanhadas de notícias de implementação de turnos integrais, reformas, cercamentos e ampliações de prédios públicos. Desobediência ao art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, dispositivo que proíbe a cedência ou o uso de bens móveis ou imóveis pertencentes à Administração Pública para campanhas eleitorais, exceto para realização de convenção partidária. Documentação suficiente a demonstrar a concessão de acesso privilegiado aos recorridos e a intervenção no cotidiano do atendimento ao público, vantagens somente ao alcance de agentes da administração e que ferem o princípio da igualdade e paridade de armas no pleito.

6. Sancionamento. Irregularidade restrita ao uso de imagens de bens públicos em circunstâncias privilegiadas, sem prejuízo objetivo ao erário, situação que não comporta a aplicação de penas mais severas, mas que autoriza a imposição de multa, definida em seu patamar mínimo, de forma individual, nos termos do art. 73 da Lei das Eleições. Remessa de cópia do feito à autoridade policial para fins de investigação de condutas supostamente tipificadas como crime e alegadamente praticadas pelos recorridos.

7. Parcial provimento.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul. Recurso Eleitoral 060045137/RS, Relator(a) Des. OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES, Acórdão de 10/08/2021, Publicado no(a) Processo Judicial Eletrônico-PJE.

Dessa forma, verifica-se que Jesse Trindade dos Santos incorreu na prática da conduta vedada prescrita no artigo 73, I, da Lei n. 9.504/97, a qual, apesar de pouco expressiva, fere a igualdade na disputa entre os candidatos à eleição, haja vista, no caso dos autos, o acesso privilegiado às escolas municipais.

Quanto às sanções aplicáveis à prática da conduta vedada, o artigo 73, §4º, da Lei n. 9.504/97, estabelece a suspensão imediata da conduta vedada e multa no valor de cinco a cem mil UFIR. A suspensão da conduta vedada foi comprovada pelo representado após sua intimação para cumprimento da decisão liminar.

No que se refere à aplicação da multa, nos termos do artigo 73, §8º, da Lei n. 9.504/97, deve ser aplicada aos partidos, coligações e candidatos beneficiados. Assim, considerando que se trata de candidato ao cargo de prefeito, também é beneficiário da conduta o candidato ao cargo vice-prefeito na chapa majoritária, Luciano Belmonte Ribeiro.

Relativamente ao valor da multa a ser aplicada, tendo em vista o cumprimento da tutela de urgência e o curto tempo do vídeo em que foram divulgadas as imagens gravadas na escola municipal, arbitro no valor mínimo de R$ 5.320,50 (cinco mil UFIR). Saliento que referida multa deverá ser paga na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada um dos candidatos da chapa majoritária. (Grifo nosso)

 

Compulsando os autos e examinando especialmente o vídeo que acompanhou a inicial (ID 45760390), é possível verificar que as imagens foram obtidas dentro da escola, em sala de aula, com funcionários e alunos:

Assim, diversamente do sustentado pelos recorrentes, os locais utilizados para a captação das imagens não eram de livre acesso ao público ou foram franqueados aos demais candidatos, advindo dessas circunstâncias a quebra da isonomia e igualdade, bem jurídico protegido pelas condutas vedadas, como reiteradamente decidido por este Tribunal e pelo TSE:

 

[...] No caso dos candidatos, restou configurada a prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei das Eleições, consistente na veiculação de dois vídeos gravados nas dependências de prédios públicos da prefeitura e publicados nas redes sociais Facebook e Instagram. Incontroverso que os vídeos produzidos foram postados como peças de propaganda eleitoral, nos sítios de campanha dos candidatos, e realizados em móveis ou imóveis cujo acesso é restrito, como as dependências de gabinetes e espaços de uso exclusivo de servidores públicos, como cozinha e banheiro. Assim, impõe-se a reforma da sentença quanto ao ponto, em face da utilização de bem público de acesso restrito em benefício da campanha eleitoral dos candidatos, que realizaram a prática ilícita de modo direto […]

(Recurso Eleitoral nº060023463, Acórdão, Des. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 29/11/2022)

 

[...] Configurada a prática da conduta vedada prevista no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97. Embora não seja vedada a utilização de bens públicos para a promoção de candidaturas, a jurisprudência do TSE é no sentido de que o local das filmagens seja de livre acesso a qualquer pessoa, o serviço não seja interrompido em razão das filmagens, o uso das dependências seja franqueado aos demais candidatos e que a utilização se restrinja à captação de imagens, sem encenação. Na espécie, ogabinete do prefeito não configura local de livre acesso aos demais candidatos, surgindo daí a quebra na isonomia e igualdade, bem jurídico protegido pelas condutas vedadas [...] (Recurso Eleitoral nº060100359, Acórdão, Des. DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D`AZEVEDO AURVALLE, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE)

 

[...] Conduta vedada. Utilização de imagens de interior de escola pública e centros de saúde em material de propaganda eleitoral, cujas fotografias vêm acompanhadas de notícias de implementação de turnos integrais, reformas, cercamentos e ampliações de prédios públicos. Desobediência ao art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, dispositivo que proíbe a cedência ou o uso de bens móveis ou imóveis pertencentes à Administração Pública para campanhas eleitorais, exceto para realização de convenção partidária. Documentação suficiente a demonstrar a concessão de acesso privilegiado aos recorridos e a intervenção no cotidiano do atendimento ao público, vantagens somente ao alcance de agentes da administração e que ferem o princípio da igualdade e paridade de armas no pleito [...] (Recurso Eleitoral nº060045137, Acórdão, Des. OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE)

 

[...] A realização de propaganda eleitoral nas dependências de bem público configura a conduta vedada descrita no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97. No caso, incontroversa a veiculação, no horário eleitoral gratuito, de propaganda contendo áudios e imagens captados no interior do Centro de Atendimento ao Autista de Pelotas, divulgando reunião com mãe de crianças atendidas. Finalidade eleitoral evidenciada. Uso da estrutura da instituição e dos serviços lá prestados em favor de campanha eleitoral. Caracterizado o prejuízo à isonomia entre os candidatos concorrentes. [...] ( TRE-RS - Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 603182-24.2018.621.0000 , ACÓRDÃO de 27/11/2018, Relator(a) MARILENE BONZANINI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data 30/11/2018)

 

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. GOVERNADOR. VICE-GOVERNADOR. CONDUTA VEDADA. ART. 73, INCISOS I E III, DA LEI Nº 9.504/1997. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. RECURSO DESPROVIDO. 1. O art. 73 da Lei nº 9.504/1997 tutela a igualdade na disputa entre os candidatos participantes do pleito, no intuito de manter a higidez do processo eleitoral. Contudo, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral verificar a existência de provas seguras de que o uso da máquina pública foi capaz de atingir o bem protegido pela referida norma. Na linha da jurisprudência do TSE, "para configuração da conduta vedada descrita no art. 73, I, da Lei nº 9.504/97, é necessário que a cessão ou utilização de bem público seja feita em benefício de candidato, violando-se a isonomia do pleito", pois "o que a lei veda é o uso efetivo, real, do aparato estatal em prol de campanha, e não a simples captação de imagens de bem público" (Rp nº 3267-25/DF, rel. Min. Marcelo Ribeiro, julgada em 29.3.2012). 2. Configura a conduta vedada pelo art. 73, incisos I e III, da Lei nº 9.504/1997 a efetiva utilização de bens públicos - viatura da Brigada Militar e farda policial - e de servidores públicos - depoimentos de policiais militares fardados gravados no contexto da rotina de trabalho e divulgados para promoção de candidatura política. 3. Na fixação de penalidade em razão da prática de conduta vedada, "cabe ao Judiciário dosar a multa prevista no § 4º do mencionado art. 73, de acordo com a capacidade econômica do infrator, a gravidade da conduta e a repercussão que o fato atingiu" (Rp nº 2959-86/DF, rel. Min. Henrique Neves, julgada em 21.10.2010). 4. Observância dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na fixação da multa pelo Regional, tendo em vista os parâmetros legais. 5. A multa imposta pela prática de conduta vedada deve ser aplicada individualmente a partidos, coligações e candidatos responsáveis, nos termos do art. 73, §§ 4º e 8º, da Lei das Eleicoes. Precedentes. 6. Agravo regimental desprovido.

(TSE - RO: 137994 PORTO ALEGRE - RS, Relator: GILMAR FERREIRA MENDES, Data de Julgamento: 28/11/2016, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 56, Data 22/03/2017, Página 99-100)

 

Igualmente nesse sentido o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 45925679)

Nessa senda, a prática do ato, por presunção legal, tende a afetar a isonomia entre os candidatos, sendo desnecessário a comprovação de potencialidade lesiva (TSE. RESPE 1429 - Petrolina-PE, Ac. de 5/8/2014, Rel. Min. Laurita Vaz, DJE - Diário de Justiça Eletrônica, Tomo 170, Data 11/9/2014, Página 87-88).

Ademais, quanto à proibição do manuseio de imagens produzidas em bens públicos, a legislação não veda quando produzidas em ambiente de livre circulação ao público em geral, o que não é o caso das salas de aulas e dos corredores das escolas municipais.

 

Destarte, houve a caracterização da prática prevista no art. 73, I, da Lei 9504/97, pois utilizado bem público (dependências de escola municipal - EMEB José Antônio Vilaverde de Moura, situada na Rua Pedro Carneiro Pereira, 247, Bairro Piola – Alegrete/RS) em benefício exclusivo à candidatura dos recorrentes, com a ruptura da isonomia que deve permear a disputa eleitoral, com a igualdade de chances entre os concorrentes ao pleito.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto.