REl - 0600615-77.2024.6.21.0010 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/05/2025 às 09:00

VOTO

A ação foi ajuizada com fundamento na prática de captação ilícita de sufrágio devido à realização de jantar de campanha da candidatura ao cargo de vereador de Luciano da Rosa Fortes, intitulado “Jantar da Vitória”, no dia 27 de setembro de 2024, em violação ao art. 41-A da Lei das Eleições (Lei n. 9.504/97), que dispõe:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1° Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2° As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3° A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4° O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

A sentença julgou os pedidos procedentes, considerando que houve a anuência e o conhecimento do candidato sobre a realização do evento, destacando a presença de eleitores indeterminados, o acesso à alimentação gratuita ao público em geral, a afixação de material de campanha no local e a falta de controle de entrada. Concluiu o juízo a quo que tais circunstâncias demonstram que o jantar foi realizado com o fim específico de obtenção de votos, “além daqueles já esperados (advindos do grupo dos 'apoiadores'), votos a serem alcançados junto aos familiares dos apoiadores e demais pessoas conhecidas que viessem a participar do evento”.

Nas razões recursais, o candidato sustenta que o jantar teve caráter privado, restrito a apoiadores e familiares, sem qualquer promessa ou entrega de vantagem em troca de votos, e sem pedido de votos.

Embora a ação tenha sido ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral, nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral entendeu que o conjunto probatório não revela a presença dos requisitos essenciais à caracterização do ilícito, notadamente pela ausência de prova inequívoca de que a vantagem oferecida (o jantar gratuito) tenha sido condicionada à obtenção do voto.

Pois bem.

A ação refere-se à captação ilícita de sufrágio, infração cível popularmente conhecida como compra de votos e cujo bem jurídico tutelado é a livre vontade do eleitor (Zilio. Rodrigo López. Direito Eleitoral. 10.ed., São Paulo: Editora JusPodivm, 2024, p. 802).

E, consoante refere a sentença, foi demonstrado, durante a instrução, que participaram do evento cerca de 100 pessoas (80 a 140 pessoas, conforme declarações das testemunhas).

Ocorre que prevalece na jurisprudência o entendimento de que realizar ou participar de eventos, tais como almoços e jantares de campanha, ainda que destinados à conquista de eleitores, somente pode caracterizar a captação ilícita de sufrágio descrita no art. 41-A da Lei das Eleições quando evidenciada a relação comercial de troca do benefício pelo voto do eleitor (TSE, AC n. 06015160720176000000 Erechim/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE 19.4.2017).

Ausente demonstração do negócio jurídico de entrega do alimento em troca do voto, consolidou-se na jurisprudência que a conduta não representa infração eleitoral, por ausência de comprometimento da vontade do eleitor, conforme se verifica dos seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO . ART. 41-A DA LEI 9.504/97. ELEIÇÕES 2012 . AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. DESNECESSIDADE. 1 . A configuração de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei 9.504/97) demanda a existência de prova robusta de que a doação, o oferecimento, a promessa ou a entrega da vantagem tenha sido feita em troca de votos, o que não ficou comprovado nos autos. 2 . Conforme a jurisprudência do TSE, o fornecimento de comida e bebida a serem consumidas durante evento de campanha, por si só, não configura captação ilícita de sufrágio. 3. A alteração das conclusões do aresto regional com fundamento nos fatos nele delineados não implica reexame de fatos e provas. Na espécie, a mudança do que decidido pela Corte Regional quanto à finalidade de angariar votos ilicitamente foi realizada nos limites da moldura fática do acórdão, sem a necessidade de reexame fático-probatório . 4. Agravo regimental não provido.

(TSE - RESPE: 00004784520126050032 PIRAÍ DO NORTE - BA, Relator.: Min. João Otávio De Noronha, Data de Julgamento: 28.04.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 95, Data 21.05.2015, Página 67.) – Grifei.

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO . ART. 41-A DA LEI 9.504/97. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO . COMPARECIMENTO DE CANDIDATO EM ALMOÇO. FRAGILIDADE DO ACERVO PROBATÓRIO. DISCURSO. IRRELEVÂNCIA . FINALIDADE DE COOPTAR VOTOS. NÃO COMPROVAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1 . A configuração da captação ilícita de votos possui como consequência inexorável a cassação do diploma. Dada a gravidade da pena, faz-se mister a existência, nos autos, de conjunto probatório apto para demonstrar, indene de dúvidas, a ocorrência do ilícito. 2. O simples fato de o candidato se fazer presente em almoço ofertado a funcionários de empresa local não permite inferir que se trata de evento com fins eleitorais . 3. Para que seja caracterizada a captação ilícita de sufrágio, é necessária a demonstração do especial fim de agir consistente no condicionamento da entrega da vantagem ao voto do eleitor. 4. Na espécie, depreende-se do acervo probatório que a realização de almoço ofertado a funcionários da empresa Tucano Obras e Serviços Ambientais não foi condicionada à obtenção do voto, o que afasta a incidência do art . 41-A da Lei das Eleicoes, porquanto não demonstrado o especial fim de agir da conduta. 5. Agravo Regimental a que se nega provimento.

(TSE - RESPE: 56988 ERECHIM - RS, Relator.: Min . Napoleão Nunes Maia Filho, Data de Julgamento: 19.12.2017, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 21.02.2018.) – Grifei.

 

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÃO 2016. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ARTE. 41-A DA LEI N. 9504/97. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. PREFEITO E VICE-PREFEITO ELEITOS. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. LICITUDE DAS GRAVAÇÕES AMBIENTAIS
REALIZADAS SEM RESERVA DE SIGILO. MÉRITO. ALMOÇO EM TROCA DE VOTO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. DESPROVIMENTO.

(…) Mérito. 1. Captação ilícita de sufrágio. Distribuição de convites para almoço a reuniões em troca de voto. Não é comprovado, pelos elementos trazidos aos autos, que o evento tenha sido organizado como forma de obtenção de votos em benefício da candidatura dos recorridos. Sem prova robusta, inviável a caracterização da ilicitude prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97. 2. Abuso de poder econômico. Não demonstrada a destinação, direta ou intermediária de terceiros, de recursos financeiros para custear o encontro promovido. Manutenção do juízo de improcedência.
Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral 219-09.2016.6.21.0018, Rel. Des. Marilene Bonzanini, DJE 24.09.2018.) – Grifei.

 

Recurso. Representação. Captação ilícita de sufrágio. Arte. 41-A da Lei n. 9.504/97. Improcedência. Eleições 2016.

Para a configuração da captura ilícita de sufrágio, é necessária a conjugação de elementos subjetivos e objetivos que revistam uma situação concreta.

Oferecimento de jantar com distribuição de comidas e bebidas de forma gratuita. Não identificada a finalidade específica de obter o voto dos deputados presentes no evento. Jantar realizado para promover a campanha eleitoral dos recorridos, com distribuição de propaganda política. Não comprovada a intenção de compra dos votos. Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral 346-13.2016.6.21.0093/RS, Rel. Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, DJE 07.12.2016.) – Grifei.

 

Na hipótese em tela, todas as provas apresentadas pelo Ministério Público Eleitoral demonstram que a conduta se encontra dentro do permissivo jurisprudencial.

Os registros fotográficos e as filmagens juntados ao feito comprovam que se tratou de um evento específico da campanha do recorrente, com correligionários no local, veículos adesivados, propaganda eleitoral ostensiva. E as pessoas ouvidas em juízo, referidas na sentença, Arthur Henrique Magalhães, Fábio Cristiano Prado, Fernando Freitas de Sena confirmaram que o jantar se destinava ao apoio à candidatura do recorrente.

Ao contrário do que se compreendeu na sentença, a existência de controle ou não de entrada não se mostra determinante para a caracterização da infração, pois o comprometimento do livre exercício do voto poderia ser realizado com ou sem controle de acesso dos participantes.

A instrução não demonstrou a existência de uma relação de troca, uma negociação, de que o jantar estava condicionado ao voto dos eleitores presentes, o que reforça a ausência de dolo específico, elemento subjetivo indispensável para a caracterização do ilícito. Segundo entende o TSE: “Conforme jurisprudência desta Corte Superior, para se configurar a captação ilícita de sufrágio, é necessária a presença dos seguintes elementos: (a) prática de qualquer das condutas previstas no art. 41–A; (b) dolo específico de obter o voto do eleitor; (c) ocorrência dos fatos entre a data do registro de candidatura e a eleição; (d) participação, direta ou indireta, do candidato beneficiado ou a sua concordância ou conhecimento dos fatos que caracterizam o ilícito” (TSE, REspEl n. 06000019020216060076 MAURITI - CE 060000190, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE 26.9.2023).

Ademais, a entrada ao jantar, segundo informações colhidas in loco pelo Ministério Público Eleitoral, era franqueada de forma livre, desde que o participante fosse “dos nossos”, expressão que o Promotor Eleitoral Leonardo Giron registrou ter sido utilizada por pessoa responsável pelo ingresso ao local.

Em juízo, o Dr. Leonardo Giron afirmou: “Eu perguntei ‘tá, mas e onde é que eu compro um ingresso pra mim entrar? Como é que funciona?’ Ele: não, não, se tu for nosso candidato, é, se for nosso eleitor, o nosso, dos nossos, ele falou bem essa expressão, pode entrar, e ele já foi indicando o local pra pra estacionar o veículo”.

Ou seja, a expressão "tem que ser dos nossos" utilizada por pessoa que controlava ou indicava o acesso ao evento, registrada pelo membro do Ministério Público durante visita ao local do jantar (CTG Lanceiros), não enfraquece, mas reforça a tese de que o jantar era dirigido exclusivamente a apoiadores e simpatizantes da candidatura de Luciano da Rosa Fortes.

No contexto social e cultural das campanhas municipais, sobretudo em localidades de médio porte como Cachoeira do Sul, é comum a realização de encontros e jantares de mobilização voltados a grupos previamente alinhados com o candidato, pessoas já comprometidas com a campanha, seja como voluntários, colaboradores, familiares ou amigos.

Nesse cenário, a frase “tem que ser dos nossos” não significa convite aberto e oportunístico condicionado ao voto do eleitor, mas, ao contrário, funciona como um critério identitário informal: a pessoa precisa já fazer parte do grupo de apoiadores. Isso é, já ser simpatizante, apoiar a candidatura, integrar redes de apoio.

Essa prova colhida no local do evento diretamente pelo Ministério Público Eleitoral afasta a ideia de vantagem oferecida em troca do voto, já que o jantar não visava arregimentar votos de indecisos ou adversários, mas apenas reunir a equipe de campanha e suas redes pessoais de apoio.

Nessas circunstâncias, do atento exame da prova coligida, tenho por descaracterizada a relação negocial exigida pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/97: não há entrega de benesse como moeda de troca, mas sim convivência entre iguais: apoiadores mobilizados para a reta final da campanha.

Nessas circunstâncias, tenho por esvaziado o argumento de acesso irrestrito ao evento: se a participação estava condicionada a uma identificação informal com a campanha - “ser dos nossos” -, então não se tratava de evento público aberto, mas de reunião segmentada, mesmo que sem controle rígido de entrada.

E essa conclusão é coerente com o resultado da coleta da prova oral. Fernando Freitas de Sena (ID 124693574) afirmou que “não tinha ninguém que não se conhecesse lá dentro”. Arthur Henrique Magalhães (ID 124691194) referiu que “era com a família, com o pessoal mais conhecido”. Fábio Cristiano Prado (ID 124693570) disse que no local havia “em torno de umas 140 pessoas”, reforçando a ideia de grupo limitado, numericamente controlável, não massificado.

Portanto, longe de indicar abertura indiscriminada ao público ou prática de captação ilícita, a expressão “tem que ser dos nossos” revela precisamente o oposto: que o evento possuía barreira identitária implícita, típica de eventos de campanha de baixa escala e de natureza interna, segmentada e estratégica, voltada à mobilização de bases já conquistadas, e não à compra de votos de eleitores em geral.

Com esses fundamentos, concluo pelo provimento do recurso interposto por Luciano da Rosa Fortes, com a consequente reforma da sentença para que a ação seja julgada improcedente.

Por fim, com o provimento do recurso interposto pelo candidato, resta prejudicada a análise do mérito do recurso interposto pela FEDERAÇÃO PSDB-CIDADANIA, o qual visa unicamente afastar o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário decorrentes da cassação do registro de candidatura. Tal circunstância acarreta a ausência de interesse recursal, com o consequente não conhecimento do recurso, nos termos do art. 932, inc. III, do CPC.

 

DIANTE DO EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso interposto por LUCIANO DA ROSA FORTES, para o fim de reformar a sentença e julgar a ação improcedente, afastando as penalidades impostas, e pelo não conhecimento do recurso interposto pela FEDERAÇÃO PSDB-CIDADANIA, nos termos da fundamentação.