RCED - 0600545-28.2024.6.21.0053 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/05/2025 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas

1. Considerações Iniciais

O Recurso Contra a Expedição de Diploma – RCED, ao contrário do que a nomenclatura poderia fazer entender, consubstancia autêntica ação de competência originária, ainda que se trate de diplomação relativa a eleições municipais. O rito determina que, uma vez apresentado o RCED perante o magistrado de 1º grau, a este incumbe apenas o processamento inicial da demanda e, ato contínuo, a remessa dos autos ao Tribunal Regional Eleitoral para exame inicial de admissibilidade, verificação da instrução e, por fim, julgamento.

Nessa linha, a sempre oportuna lição de ZILIO (Direito Eleitoral, 10ª Ed. São Paulo, Editora JusPodivm, 2024, p. 718 e 727), no trecho em que o doutrinador cita o saudoso Ministro José Paulo da Sepúlveda Pertence:

Descabido classificar o RCED como recurso, pois o recurso – ao contrário do remédio previsto no art. 262 do CE – é aforado, em regra, pelo sucumbente do feito dentro de uma relação processual já existente e, in casu, inexiste qualquer relação processual formada a partir da expedição do diploma. Desse modo, malgrado a denominação empregada pelo legislador, perceptível que o RCED é ação autônoma de impugnação do diploma, ou, na dicção do Ministro Sepúlveda Pertence, ‘o chamado recurso contra a expedição de diploma (C. Eleit. Art. 262), antes de ser recurso, é, na verdade, uma ação constitutiva negativa do ato administrativo da diplomação.

(…)

Nas eleições municipais (Prefeito e Vereador), o RCED é interposto e processado pelo Juiz Eleitoral e julgado pelo TRE (…)” (Grifei.)

2. Tempestividade

A tempestividade do RCED é tema que merece especial atenção. Como dito, trata-se de ação autônoma, que se submete a prazo decadencial de apresentação - 3 (três) dias, contados da data da cerimônia de diplomação dos eleitos. Não há suspensão ou interrupção do prazo, portanto, sendo possível apenas, conforme a jurisprudência predominante, a transposição do último dia de propositura para aquele de retorno aos trabalhos após o recesso forense – primeiro dia útil subsequente, dado ser comum que as diplomações ocorram aos 18 ou 19 de dezembro – AgR-AI n. 11450, rel. Ministro ALDIR PASSARINHO, acórdão de 03.02.2011.

No caso dos autos, a apresentação do RCED ocorreu em 20.12.2024, de maneira que foi observado o tríduo legal. Sublinho que a diplomação dos eleitos em 2024, no Município de Sobradinho, se deu em 19.12.2024.

Tempestivo, portanto.

3. Preliminares

3.1. Nulidades - do processo e da prova

A defesa entende como “nula” a presente ação eleitoral, pois o “procedimento preparatório se deu sem observância do contraditório e da ampla defesa”.

E segue:

O procedimento preparatório que originou o presente feito não detém natureza investigativa/inquisitorial, sendo necessário o respeito aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, conforme o inciso LV do art. 5º da Constituição Federal

(…)

Restando estes direitos constitucionais desatendidos, ou seja, não garantidos plenamente ao Recorrido na fase instrutória prévia do processo, é nulo todo o ato que se segue.

Nula a presente ação eleitoral.

Sem razão.

E o fundamento é simples: o Recurso Contra a Expedição de Diploma é demanda de natureza cível. Dispensa qualquer procedimento preparatório ou investigativo, realizado – quando ocorrente – por faculdade reservada ao Ministério Público Eleitoral ou a outros legitimados – adversários eleitorais, por exemplo. Como indicado, cuida-se de matéria a ser identificada de maneira documental sobre fato ocorrido – no caso específico, a ocorrência de condenação criminal transitada em julgado, mediante mera expedição de certidão.

Prova de cunho nitidamente objetivo.

Dessa forma, o contraditório e a ampla defesa hão de ser exercidos exclusivamente no bojo dos presentes autos. No caso concreto, friso que o recorrido nitidamente deles (contraditório e ampla defesa) têm feito uso – por exemplo, ao invocar a argumentação ora examinada.

Afasto a preliminar de nulidade.

3.2. Ausência de interesse processual

O demandado JANDERSON invoca a preliminar de “ausência de interesse processual”, ao argumento de que

Falta interesse processual à demanda proposta pelo Ministério Público Eleitoral na medida em que o objeto é inexistente. Explico: Segundo a redação do § 2º do art. 262 do Código Eleitoral, a condição superveniente de inelegibilidade é aquela ocorrida até a data assinada aos partidos políticos para que requeriam o registro dos seus candidatos, senão vejamos:
 

Ocorre, todavia, que esta é, precisamente, a questão de mérito da demanda, tendo em vista a já apontada natureza dos fatos – condenação criminal transitada em julgado aos 18.9.2024, após o registro de candidatura, e antes da eleição.

Transponho o exame argumentativo, portanto, para o tópico a seguir.

Superadas as questões prefaciais, passo ao exame de fundo de causa. A extinção do processo sem resolução do mérito é inviável.

4. Mérito.

No mérito, adianto que os fatos, a bem da verdade, são incontroversos e de simples descrição.

Senão, vejamos.

O demandado JANDERSON DIAS NUNES fora condenado criminalmente por decisão transitada em julgado – data de 18.9.2024 – ID 45901126. A data, friso, situa-se após o término do prazo de registros de candidatura (15.8.2024) e antes que ocorresse a eleição de 2024 (06.10.2024).

4.1. Coisa julgada e revisão criminal

Afasto, desde já, o argumento do recorrido JANDERSON no sentido de que haveria de se considerar o instituto da revisão criminal para entender a decisão não transitada em julgado.

Ora, referido instituto revisional é excepcionalíssimo e, por motivos de segurança jurídica, a coisa julgada que a Lei Complementar n. 64/90 (art. 1º, inc. I, al. “e”) considera é aquela de caráter formal – ou seja, a constatação, a certificação de que não são mais possíveis recursos da decisão condenatória, até mesmo porque há outra possibilidade, ocorrente antes da coisa julgada “em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado”.

Ou seja, já há inelegibilidade na hipótese do condenado criminalmente nos termos do art. 1º, inc. I, al. “e”, por órgão colegiado. Há que se atentar para a lógica intrínseca da norma, clara por si só. O próprio precedente apresentado pelo recorrido não trata de revisão criminal, mas sim de caso em que pendentes embargos infringentes e de nulidade (AgR-RO n. 060132806) – ou seja, pendente recurso, pois embargos são espécie de recurso, perdão pela obviedade.

4.2. Temporalidade. Inelegibilidade superveniente

Conforme já indicado acima, JANDERSON argumenta que o prazo limite para a apresentação do RCED sob exame teria sido desobedecido, pois ajuizado após o término do registro de candidaturas – 15.8.2024.

O tópico é de relativa simplicidade. A situação vem como objeto de verbete da Súmula do Tribunal Superior Eleitoral – n. 47:

a inelegibilidade superveniente que autoriza a interposição de recurso contra expedição de diploma, fundado no art. 262 do Código Eleitoral, é aquela de índole constitucional ou, se infraconstitucional, superveniente ao registro de candidatura, e que surge até a data do pleito. (Grifei).
 

Tal posição vem claramente suportada pelos julgados posteriores à redação da súmula e, igualmente importante, posteriormente também ao advento da Lei n. 13.877/19, que trouxe a redação semanticamente dúbia, em episódio de má técnica legislativa – ao § 2º do art. 262 do Código Eleitoral.

Aponto, forma exemplificativa, precedente do ano de 2021:

“[...] 5. A inelegibilidade superveniente, a ser suscitada em eventual RCED, consoante previsão do verbete sumular 47 do TSE, é aquela que surge após o efetivo registro de candidatura, e que por isso não poderia ser alegada na fase de impugnação. 6. A decisão regional está alinhada com o entendimento deste Tribunal, no sentido de que: ‘É perfeitamente harmônico com o sistema de normas vigentes considerar que os fatos supervenientes ao registro que afastam a inelegibilidade devem ser apreciados pela Justiça Eleitoral, na forma prevista na parte final do § 10 do artigo 11 da Lei nº 9.504/97, sem prejuízo de que os fatos que geram a inelegibilidade possam ser examinados no momento da análise ou deferimento do registro pelo órgão competente da Justiça Eleitoral, em estrita observância ao parágrafo único do artigo 7º da LC nº 64/90 e, especialmente, aos prazos de incidência do impedimento, os quais, por determinação constitucional, são contemplados na referida lei complementar´[...]”

(Ac. de 25.2.2021 no AgR-REspEl nº 060023410, rel. Min. Sérgio Banhos.)


 

Em resumo, a posição defendida pelo recorrido, de que o prazo limite para a apresentação de RCED seria exatamente o término do registro de candidaturas – 15.8.2024, não procede, e vem a desafiar, sem sucesso, jurisprudência absolutamente pacífica.

Aliás, na doutrina, há quem defenda que o prazo deveria ser mais longo, para além da eleição, estendendo-se até a diplomação. Nesse sentido, LUIZ CARLOS GONÇALVES argumenta que:

A nosso ver, é equivocado esse entendimento, não havendo boa razão para não prorrogar esse prazo até a data da diplomação. É curioso que, na hipótese contrária, a do fato posterior favorável ao direito de candidatura, esse termo final se protai para a data da diplomação”. (Ações Eleitorais, Editora Publique. São Paulo, 2024, 2ª ed., página 145)
 

Em resumo, claro está que a formação da coisa julgada na condenação de JANDERSON DIAS NUNES ocorrera no período considerado passível de identificação de inelegibilidade superveniente, ao qual alude a Súmula n. 47 do Tribunal Superior Eleitoral. O alegado, pelo recorrido, “conhecimento” da condenação, pelo Ministério Público Eleitoral, não abrangia, obviamente, a ocorrência do trânsito em julgado, ocorrida de forma incontroversa, como já várias vezes aqui indicado, aos 18.9.2024.

4.3. Natureza da condenação criminal. Suspensão de direitos políticos e inelegibilidade 

A defesa argumenta também no sentido de que a condenação criminal indicada não se enquadraria nas causas de inelegibilidade previstas pela legislação eleitoral. Reproduzo trecho da peça defensiva, por clareza:

Pois bem, conforme o processo criminal, tratou-se de crime contra a ordem tributária, com base na Lei nº 8.137/1990, uma vez que diz com fraude no acerto de contas de tributos. A acusação versava sobre o crime de sonegação de impostos em razão da venda de produtos sem nota fiscal. Por ouro lado, crimes contra o sistema financeiro, que não é o caso, são mais graves porque afetam a estabilidade econômica nacional, contando, inclusive com definição em Lei específica - Lei nº 7.492/1986. Este sim, tendente a atrair a inelegibilidade. Dito de outra forma, a condenação em apreço não se enquadra na situação de inelegibilidade, porque a Lei deve ser interpretada, neste caso de forma taxativa e não ampliativa. Como se tratam de limitações ao exercício da capacidade eleitoral (Lei de Inelegibilidades), somente tem espaço para restringir direitos aquelas situações objetivamente elencadas pela norma e não o contrário. Vejamos que a Lei Complementar nº 64/90, estabelece como causa de inelegibilidade no art. 1º, inciso I, alínea “e”, item 2, “contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência” (grifo nosso). Quer isto dizer, a condenação do Recorrido não se amolda a nenhuma das hipóteses previstas na Lei Complementar, já que se tratou do crime de sonegação de impostos, tanto é verdade que a sua condenação ocorreu com base na Lei nº 8.137/1990, portanto, não embasada na Lei nº 7.492/1986 – Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro. (...)”

 

Em primeiro lugar, necessário ressaltar que a situação ora analisada tem como efeito natural a suspensão de direitos políticos decorrente de condenação criminal, que não é sanção da condenação, mas dela efeito automático, nos termos do art. 15, inc. III, da Constituição Federal. Na Carta Magna, há a expressa referência de que permanece vigente "enquanto perdurarem seus efeitos" e que exige, portanto, o cumprimento de todas as penas, inclusive de multa, para o respectivo levantamento.

A diferenciação se faz relevante. A título exemplificativo, a inelegibilidade atinge de forma tópica a capacidade eleitoral passiva, ao passo que a suspensão dos direitos políticos é mais ampla, abrange tanto a capacidade eleitoral ativa como a passiva.

Ou seja, os institutos possuem natureza, prazo e contagem diversos. JANDERSON está, no momento, não apenas inelegível, mas sim com seus direitos políticos suspensos.

De todo modo, e em respeito à argumentação defensiva, saliento que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral faz incidir ao sonegador de tributos – caso de JANDERSON – a alínea relativa aos crimes contra a administração pública – item 1 da al. “e”, e não aos crimes contra o sistema financeiro – item 2 da mesma alínea.

Exemplificativamente, precedente julgado ao final do ano de 2022:

ELEIÇÕES 2022. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO FEDERAL. INDEFERIMENTO. CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. SONEGAÇÃO FISCAL. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 1º, I, e, 1, DA LC 64/1990. INCIDÊNCIA. PROJEÇÃO DO PRAZO DE INELEGIBILIDADE POR 8 (OITO) ANOS APÓS O CUMPRIMENTO TOTAL DA PENA ESTABELECIDA . INTELECÇÃO DA SÚMULA 61/TSE. DETRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTOS DO DECISUM AGRAVADO NÃO INFIRMADOS . AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Na linha da jurisprudência firmada por esta Corte Superior, é inelegível o candidato que for condenado pelos crimes elencados na alínea e do inciso I do art. 1º da LC 64/1990, estendendo-se tal restrição desde a data da decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento total da pena estabelecida . Incidência da Súmula 61/TSE. 2. Hipótese em que o agravante teve indeferido o registro de candidatura ao cargo de Deputado Federal nas Eleições 2022, com base na alínea e do inciso I do art. 1º da LC 64/1990, decorrente de condenação, transitada em julgado, pelo crime de sonegação fiscal (art . 1º, I, da Lei 8.137/1990), cuja extinção da punibilidade da pena privativa de liberdade foi declarada em 13/10/2015. Sendo assim, o prazo de 8 (oito) anos de inelegibilidade terá fim apenas em 12/10/2023, não havendo que se falar em detração dos períodos, entre o trânsito em julgado e a declaração de extinção da punibilidade, em que o cumprimento da pena esteve suspenso. 3 . Mantida a decisão agravada, ante a inexistência de argumentos aptos a infirmá-la. 4. Negado provimento ao agravo interno.

(TSE - RO-El: 06007494620226160000 CURITIBA - PR 060074946, Relator.: Min . Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 15/12/2022, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão.) Grifei.
 

Vale, aqui, transcrever igualmente trecho do voto do relator do processo, Ministro Ricardo Lewandowski, no relativo à gravidade da espécie de delito praticado e, também, sobre a intenção do legislador no condizente à reprimenda estatal ao infrator:

Reafirmo que a literalidade da norma, com a nova redação incluída pela LC 135/2010, foi considerada constitucional no julgamento das ADCs 29 e 30, de modo que será inelegível aquele candidato que for condenado pelos crimes elencados na alínea e, estendendo-se essa restrição desde a data da decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento total da pena estabelecida.

A intenção do legislador, com a alteração, foi justamente manter pelo máximo de tempo possível fora do cenário político os possíveis candidatos condenados por crimes considerados graves e inconciliáveis com o exercício de um cargo público, a demonstrar que a dúvida, nessas circunstâncias, não é mais pro reo , mas sim pro societate.

Dessa forma, a integralidade do período em que o pretenso candidato é considerado inelegível abrange, propositalmente, (i) a existência de condenação por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, (ii) o cumprimento da pena e (iii) o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento total da pena estabelecida.


 

DIANTE O EXPOSTO, VOTO para julgar procedente o Recurso Contra a Expedição do Diploma de JANDERSON DIAS NUNES, e declarar suspensos os direitos políticos, nos termos do art. 15, inc. III, da Constituição Federal, por decisão transitada em julgado, ocorrida em 18.9.2024.

A título de desfecho, saliento o teor do art. 216 do Código Eleitoral, o qual dispõe que, “enquanto o Tribunal Superior não decidir o recurso interposto contra a expedição do diploma, poderá o diplomado exercer o mandato em toda a sua plenitude”, e eventual cumprimento da presente decisão haverá de obedecer aos parâmetros fixados, atualmente, pela Resolução TSE n. 23.677/19, art. 20 e seguintes. 

Comunique-se o teor da presente decisão à Câmara de Vereadores do Município de Sobradinho/RS.