REl - 0600766-93.2024.6.21.0058 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/05/2025 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, EDIMAR SANTO BIAZZI, candidato eleito ao cargo de vereador no Município de Vacaria/RS, nas Eleições Municipais de 2024, recorre contra a sentença que desaprovou suas contas de campanha, bem como aplicou multa equivalente a 80% do excesso de recursos próprios aplicados em campanha, correspondentes ao valor de R$ 19.371,16, e determinou o recolhimento de R$ 1.383,97 ao Tesouro Nacional, em decorrência da omissão de gastos eleitorais.

Passo ao exame das irregularidades reconhecidas na sentença e impugnadas no recurso.

1. Do Limite de Gastos com Recursos Próprios

Em relação à primeira irregularidade, o limite de gastos para o cargo de vereador no Município de Vacaria, nas Eleições 2024, foi de R$ 47.478,40, teto informado pelo Tribunal Superior Eleitoral no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, o que impunha ao candidato a obediência ao limite equivalente a 10% desse valor ao utilizar recursos de seu próprio patrimônio, ou seja, R$ 4.747,84.

Entretanto, o candidato injetou recursos próprios em campanha no total de R$ 24.119,00 (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/SUL/RS/2045202024/210001996761/2024/89532), excedendo em R$ 19.371,16 o limite prescrito.

A matéria está regulamentada na Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pela doadora ou pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º A candidata ou o candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A) .

§ 1º-A Na hipótese de utilização de recursos próprios das candidatas ou dos candidatos a vice ou suplente, os valores serão somados aos recursos próprios da pessoa titular para aferição do limite estabelecido no § 1º deste artigo. (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

[…].

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita a infratora ou o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de a candidata ou o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, §3º).

 

O recorrente se insurge contra a sentença argumentando que seus gastos de campanha (R$ 24.119,00) foram bem inferiores ao limite permitido (R$ 47.478,40), demonstrando modicidade e ausência de impacto na disputa eleitoral. Afirma que todas as receitas e despesas foram declaradas com transparência, sem indícios de ocultação ou má-fé. Defende que a cessão de veículo próprio não deve ser incluída no cálculo do autofinanciamento. Por fim, sustenta que a multa aplicada (80%) não está em conformidade com a jurisprudência.

A despeito da observância do teto global de gastos de campanha, o candidato excedeu o limite parcial referente ao total de recursos próprios que poderiam ser aplicados na disputa eleitoral, nos termos do § 2º-A do art. 23 da Lei n. 9.504 /97, consoante o qual "o candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer".

A observância do limite de autofinanciamento configura condição para a equiparação econômica de oportunidades e para o tratamento isonômico entre os candidatos, mitigando as vantagens competitivas baseadas na mera capacidade econômica. Assim, impõe-se ao pretendente de mandato eletivo elaborar seus planos e estratégias de campanha de acordo com os tetos globais e parciais de gastos definidos na legislação.

Descumprida a norma, a multa é consequência objetiva da infração, independentemente de boa-fé do candidato ou da prova do efetivo prejuízo à igualdade ente os concorrentes.

Ainda, cabe esclarecer que o valor de R$ 19.371,16 refere-se exclusivamente a valores em espécie aportados pelo próprio candidato em sua contabilidade eleitoral, conforme se pode aferir em https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/SUL/RS/2045202024/210001996761/2024/89532/prestacao/receitas.

Portanto,  a doação de R$ 1.015,00, recebida de André Luiz Rokoski e, posteriormente, devolvida, não foi considerada nesse montante e, do mesmo modo, no cálculo da quantia de autofinanciamento, também não foi considerada a cessão de veículo próprio.

Em relação à gradação da penalidade, deve ser mantida a proporcionalidade como forma justa e razoável de arbitramento da multa de até 100% do excesso, como previsto no art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante já definido por este Tribunal no julgamento da PCE n. 0603259-91.2022.6.21.0000, relatora: Desa. Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira, DJE de 10.9.2024.

Dessa forma, o valor da irregularidade (R$ 19.371,16), que representa um extrapolamento superior a quatro vezes o limite de autofinanciamento (R$ 4.747,84), impõe a manutenção da multa correspondente a 80% do excesso, conforme aplicado pela sentença recorrida.

 

2. Da Omissão de Despesas Eleitorais

No tocante à segunda irregularidade, a sentença reconheceu divergências entre as informações relativas às despesas lançadas da prestação de contas e aquelas que constam na base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, nos seguintes termos:

3. Omissão de gastos eleitorais

O prestador de contas realizou despesas, relacionadas às Notas Fiscais abaixo especificadas, emitidas contra seu CNPJ de campanha, sem a indicação das receitas correspondentes. Nos termos do artigo 53, inciso I, alínea g, da Resolução TSE n. 23.607/2019, a prestação de contas deve ser composta pelas “receitas e despesas, especificadas”.

Os seis primeiros documentos fiscais listados referem-se a gastos com combustíveis não registrados pelo candidato em sua prestação de contas. No prazo concedido para cumprimento de diligências, os cupons fiscais emitidos foram apresentados, confirmando a emissão dos documentos fiscais e a realização dos gastos não declarados com combustíveis, no total de R$ 1.103,67.

Já as Notas Fiscais ns. 223 e 5657, também juntadas aos autos após o prazo de diligências (ID ns. 126504334 e 126504316), referem-se a gastos com alimentação. A primeira, declarada na prestação de contas, com o débito no valor correspondente registrado na conta tipo “outros recursos” (ID n. 125513392); já a segunda, a gasto não declarado. Assim, o gasto com alimentação não declarado atinge o montante de R$ 229,30.

Por fim, as Notas Fiscais ns. 93714649 e 202474 referem-se a prestação de serviços não declarados, no valor total de R$ 51,00.

A omissão de registros financeiros na prestação de contas é irregularidade grave, pois torna impossível a verificação da forma de pagamento utilizada e a origem dos recursos aplicados. No caso concreto, o valor total das despesas não declaradas atinge o montante de R$ 1.383,97.

[...].

 

Em suas razões, o recorrente não infirma a sonegação de gastos de campanha, mas apenas sustenta que “o valor total das despesas não declaradas atinge o montante de R$ 1.383,97, referente às notas fiscais, cabendo aprovação das contas com ressalvas”.

Ocorre que, a existência dos documentos fiscais contra o número de CNPJ do candidato, ausente provas do efetivo cancelamento, retificação ou estorno, tem o condão de caracterizar a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nessa linha, o TSE entende que “gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, (...) constituem omissão de despesas” (TSE; Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, DJE, Tomo 241, Data 16.12.2019, p. 73).

Assim, diante da constatação de gastos em cruzamento de informações pela Justiça Eleitoral, está caracterizada a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, que impõe que a prestação de contas deva ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, devidamente especificados.

Nesse sentido, menciono julgado semelhante ao caso que ora se examina:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATA ELEITA. DEPUTADA ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. ATRASO NA ENTREGA DOS RELATÓRIOS FINANCEIROS. MERA IMPROPRIEDADE. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADAS ¿ RONI. NOTAS FISCAIS NÃO DECLARADAS. OMISSÃO DO REGISTRO DE DESPESA. INFRAÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 53, INC. I, AL. "G", DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. MONTANTE INSIGNIFICANTE. REGULARIDADE DAS CONTAS NÃO COMPROMETIDA. BAIXA REPRESENTATIVIDADE DAS FALHAS. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidata eleita ao cargo de deputada estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

[...]

3. Recursos de origem não identificada. Notas fiscais não declaradas relacionadas ao abastecimento de combustíveis. O DANFE não é, não substitui, e não se confunde com uma nota fiscal eletrônica. A existência de outras despesas contratadas com o mesmo fornecedor impede que se realize o batimento dos gastos para verificação de perfeita coincidência entre o valor das despesas e os pagamentos efetuados. A emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, nos termos do art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. Havendo o registro da transação comercial nos órgãos fazendários, o ônus de comprovar que o gasto eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma irregular é do prestador de contas, que deve laborar para o cancelamento da nota fiscal, conforme previsto nos arts. 59 e 92, §§ 5º e 6º, da Resolução mencionada. Os elementos constantes nos autos não são aptos a sanar as irregularidades relativas à duplicidade de emissão de registros por fornecedor de combustíveis. Caracterizada a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. "g", da Resolução TSE n. 23.607/19, que impõe que a prestação de contas deva ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, devidamente especificados.

4. As despesas resultantes das notas fiscais omitidas e cujo cancelamento não foi devidamente comprovado implicam sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação do gasto de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal da candidata. Caracterizados os recursos como de origem não identificada, cujo montante deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

5. A soma das falhas corresponde a 0,93% da receita declarada e se mostra insignificante diante dos valores totais geridos pela candidata em sua campanha eleitoral. Assim, como as incorreções não têm aptidão para comprometer a regularidade das contas, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, é caso de aprovação com ressalvas da contabilidade.

6. Aprovação com ressalvas. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

(PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS nº 060311180, Acórdão, Relator(a) Des. DES. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 12/12/2022) (Grifei.)

 

Além disso, as despesas resultantes das notas fiscais omitidas implicam, por consequência, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação dos gastos de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do recorrente, caracterizando o recurso como de origem não identificada.

Logo, deve ser mantida a sentença em relação ao ponto.

3. Do Julgamento das Contas

A aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade deve ocorrer ante a avaliação de todo o conjunto de falhas e demais circunstâncias das contas, por ocasião do julgamento final de mérito.

Na espécie, a soma das irregularidades constatadas alcança R$ 20.755,13 (R$ 19.371,16 + R$ 1.383,97), que representa 82,5% do total das receitas arrecadadas pelo candidato (R$ 25.134,00), distanciando-se das hipóteses em que as falhas, por serem diminutas e de pouco repercussão, permitem a aprovação com ressalvas por aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Nesses termos, cumpre a confirmação do juízo de desaprovação das contas.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.